Por conta de todas as discussões travadas a respeito da aplicação do IDPJ aos executivos fiscais, a PGFN editou uma portaria em setembro de 2017, nº 948[1], estabelecendo o “Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade” (PARR). Neste ano de 2020, os números de notificações a sócios administradores que, supostamente, teriam efetuado uma dissolução irregular, tem se intensificado.
Afigura-nos que o grande intuito de tal portaria consistiu em combater, justamente, os argumentos a respeito da falta de observância do contraditório, ampla defesa e devido processo legal para a responsabilização, buscando passar ao controle total da PGFN a responsabilização, de forma a já tocar o Judiciário, afirmando que realizou a observância dos princípios constitucionais, tudo para evitar a aplicação do IDPJ.
Vale ressaltar que a Portaria também é inconstitucional ao nosso sentir, como podemos visualizar logo em seu artigo 1º ao preceituar:
Art. 1º Esta Portaria regulamenta o procedimento administrativo para apuração de responsabilidade de terceiros pela prática da infração à lei consistente na dissolução irregular de pessoa jurídica devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN.
Ressaltamos que a responsabilização de terceiros não encontra respaldo na dissolução irregular da pessoa jurídica, como vem sendo imposto pelos entes fiscais com o aval do Poder Judiciário. Ainda, a implementação da portaria abrirá também importantes questionamentos de cunho constitucional, tributário e processual.
Como exemplo, destacamos pontos a serem levantados nas defesas ofertadas pelos contribuintes
a) como ocorrerá a notificação do sujeito passivo que se visa responsabilizar pela dissolução irregular? De acordo com o artigo 2º da portaria, por meio de carta com aviso de recebimento e em caso de frustração, por meio de publicação oficial. Será constitucional regulamentar tal procedimento enquanto está em tramite a execução fiscal?
b) caso se instaure tal procedimento, este não terá o condão de suspender automaticamente a execução fiscal, de forma que caberá ao procurador responsável pelo processo solicitar a suspensão do processo e o envio ao arquivo para que se dê início à contagem da prescrição intercorrente;
c) a portaria afronta o artigo 151, inciso III do CTN ao dispor que apenas a impugnação administrativa terá efeito suspensivo, como se o recurso administrativo das decisões que rejeitam a impugnação fosse recebido apenas no efeito devolutivo,
d) não seria, do ponto de vista constitucional, o mais correto, extinguir a execução fiscal, para que se faça o procedimento e posteriormente o ajuizamento de nova execução fiscal em face daqueles que se deseja responsabilizar?
e) para os casos de prescrição intercorrente a PGFN costuma responder que não tem poder ou dever de reconhecer tal defesa, devendo o contribuinte suscitar tal exceção perante o Poder Judiciário. Mais um problema. Se o sócio ventila tal defesa na execução fiscal, vai se dar por citado na execução e é isto que o fisco deseja. Se se defende na via administrativa, a PGFN não analisa a matéria. Em outros termos, uma clara afronta aos princípios da efetiviadade e moralidade administrativa,
f) seria tal procedimento apenas uma máscara para driblar as críticas que se colocam a respeito da vulneração dos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa para os redirecionamentos?
Pela nossa experiência, atuando em diversos procedimentos desta natureza, a Procuradoria parece editar uma resposta modelo para todas as impugnação apresentadas com uma celeridade ímpar (já vimos casos em que a PGFN respondeu em apenas 1 dia útil), o que, por si só, viola, mais uma vez, os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Motivo? Ao cotejarmos o tempo médio de resposta do ente, para qualquer requerimento perante o Regularize, bem como, a constante alegação de hipossuficiência em função do escasso número de procuradores para o volume de trabalho, fica, no mínimo, muito suspeito, a celeridade das decisões. Nos parece muito mais, data venia, um verdadeiro “copia e cola” que se aplica a todos os processos administrativos.
Em suma, nos parece que tal procedimento trará muitos debates e discussões para o âmbito da responsabilização de terceiros, não tendo a possibilidade de ser visto como um instrumento corretor dos abusos que se vêm cometendo na responsabilização de terceiros. A única alternativa ao sócio “redirecionado” e intimado no PARR é se socorrer de experientes advogados tributaristas que tenham conhecimento aprofundado para ventilar estas e outras teses de defesa.
Nota
[1] Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=86309&visao=anotado>. Acesso em: 20 de jan. 2020.