O Conselho Nacional de Justiça, em sessão de 31 de janeiro de 2006, após várias contribuições doutrinárias e embates jurídicos acerca da interpretação do inciso I do artigo 93 da Constituição sobre a noção de "atividade jurídica", pacificou a questão regulamentando o critério para a referida atividade com a edição da Resolução n.º 11/2006.
O inciso I do artigo 93 da Constituição Federal, que trata do ingresso na magistratura, alterado pela EC 45/2004, tem a seguinte redação:
Ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação.
Como havíamos salientando em outra contribuição,
Esta inovação por certo não foi bem redigida, deixando grandes lacunas de interpretação como: há exigência de Lei Complementar para delimitar o que venha a ser "atividade jurídica"? Desde quando se pode compreender o exercício de uma "atividade jurídica"? O que está incluso dentro da expressão "atividade jurídica"? Consistiria apenas à prática forense?1
A Resolução n.º 11 do Conselho Nacional de Justiça em oito breves artigos regulamentou2 e trouxe várias respostas a muitas dúvidas levantadas pela comunidade forense.
O primeiro artigo dita que a atividade jurídica será computada após a obtenção do grau de bacharel em Direito. Não admitiu, pois, que o exercício de atividades como estágios em Núcleos de Prática Jurídica e escritórios de advocacia ou Ofícios do Ministério Público, assim como a de "conciliadores" nos Juizados Especiais fossem consideradas para o cômputo do efetivo exercício de "atividade jurídica".
Conquanto o próprio artigo 3º, §2º do Estatuto da Advocacia admita ao estagiário de advocacia regularmente inscrito o exercício das atividades privativas de advocacia, quando em conjunto com um advogado, preferiu o CNJ primar mais pela técnica da profissionalização do que a educação jurídica, muito embora se saiba que vários escritórios de advocacia em todo o território não lograriam sustentação sem a "atividade jurídica" de estagiários bacharelandos em Direito.
No artigo 2º da Resolução n.º 11/2006 o CNJ sedimentou o conceito de "atividade jurídica" ao estabelecer que:
Considera-se atividade jurídica aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito, bem como o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico, vedada a contagem do estágio acadêmico ou qualquer atividade anterior à colação de grau.3
Da conceituação extrai-se, como de se esperar, que somente o graduado em Direito pode alçar a judicatura. No entanto, o CNJ não foi restritivo, como se temia, em admitir apenas a possibilidade de que advogados pudessem realizar os concursos.
A interpretação dada é genérica o suficiente para admitir que servidores públicos graduados em Direito que exerçam em seu mister atividades que exijam conhecimento jurídico possam realizar concursos para a carreira da magistratura, o que insere uma gama de qualificados candidatos que não desempenha a advocacia.
Muito embora deixe patente no artigo 2º que os estágios acadêmicos e demais atividades anteriores à colação de grau não possam ser computadas para o tempo de exercício de atividade jurídica, no artigo 3º possibilitou a contagem do tempo realizada em "cursos de pós-graduação na área jurídica reconhecidos pelas Escolas Nacionais de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados [...] ou pelo Ministério da Educação, desde que integralmente concluídos com aprovação".
É de se notar que as pós-graduações "lato sensu" independem de reconhecimento legal pelo Ministério da Educação, devendo, porém, as Instituições que as ofertem adequar tais cursos às exigências da Resolução CNE/CES 1/01 do Conselho Nacional de Educação. Também são válidos para o cômputo do período de atividade jurídica as pós-graduações "stricto sensu" como os Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito reconhecidos pelo MEC.
Cumpre salientar, ainda, que no artigo 4º da Resolução em questão o CNJ resolveu por bem exigir que todo graduado em Direito que exerça "cargos, empregos ou funções não privativos do bacharel em Direito" deverão apresentar "certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico".
Esta exigência nos parece natural na medida em que busca aferir se a atividade a que o candidato ao cargo de juiz desempenhava detinha dele a necessidade de conhecimentos jurídicos em seu mister. Parece-nos crer que buscou o CNJ exigir a atualização e constância na atividade jurídica do candidato, tal como o exercício da advocacia de tais profissionais.
O artigo 5º da Resolução em comento delimitou o prazo em que será exigido do candidato a comprovação dos 3 (três) anos de atividade jurídica, apontando-se que será exigido "por ocasião da inscrição definitiva no concurso". Conquanto a inscrição definitiva seja posterior à data final para as inscrições, na prática não se vislumbra tantas vantagens ao candidato dado o exíguo tempo entre um e outro prazo.
Diverso seria se a comprovação do período de atividade jurídica fosse exigida quando da nomeação ou da posse do então magistrado, o que, em tais casos, representariam uma vantagem ao candidato, dada o dilatado prazo que percebe em alguns concursos até que o candidato seja investido. O CNJ, portanto, com a exigência apontada no artigo 5º requer que o candidato já esteja praticamente com os três anos de atividade jurídica exercidos.
Em seu artigo 6º o CNJ buscou trazer a ética, transparência e probidade dos concursos impedindo que docentes dos cursos preparatórios para ingresso na carreira da magistratura integrem as comissões do concurso e as bancas examinadoras. O artigo 7º estatui que a Resolução aplica-se apenas aos editais dos concursos vindouros, dada a vigência com a data da publicação oficial (art. 8º).
Podemos concluir inicialmente que a Resolução n.º 11/2006 do Conselho Nacional de Justiça presta-se como parâmetro para os concursos à carreira do Ministério Público e à interpretação ao §3º do artigo 129 da Constituição Federal. Por derradeiro conclui-se que a Resolução em cotejo conciliou a contenda que pairava sobre a questão e de forma razoavelmente genérica e clara trouxe o alento que se esperava à questão.
Por certo aprimoramentos ainda poderão e devem ser realizados, em especial se se verificar pela necessidade de uma Lei Complementar que regulamente os artigos 93 e 129 da Constituição. De imediato, a questão resta mais delineada e com maior segurança jurídica, cumprindo o CNJ um de seus misteres com a incumbência que lhe fora atribuída pela EC 45/2004.
Notas
1 PAULA, Alexandre Sturion de. Noção e contextualização da expressão "atividade jurídica". Inovação da EC n.º 45/04 para ingresso na Magistratura e Ministério Público. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 911, 31 dez. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7725. Acesso em: 02 jan. 2006.
2 É salutar ressaltar que uma ‘Resolução’ não é o instrumento adequado para regulamentar quaisquer artigos constitucionais, bem como não tem o CNJ a legitimidade para tanto. Outrossim, a regulamentação a que se pode creditar à Resolução n.º 11/2006 possui a característica de recomendação aos órgãos administrativos e comissões dos concursos para a carreira da magistratura, nada mais.
3 Cf. Resolução n.º 11, de 31 de janeiro de 2006 do CNJ, disponível em: http://www.cnj.gov.br.