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Um pouco da saga das prestações da casa própria

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30/01/2020 às 17:55
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V – A EXTINÇÃO DO BNH E A LEI 8.100/90

O painel normativo do PES registra também a Lei 8.100, de 05/12/90, que estabeleceu uma forma complicada de reajuste sem benefício para o mutuário. Segundo o seu art. 1º, as prestações mensais dos contratos do SFH, vinculados ao PES/CP, seriam reajustadas em função da data-base para a revisão salarial, mediante percentual resultante da variação (até fevereiro/90) do Índice de Preços ao Consumidor – IPC e, a partir de março/90, da variação do Bônus do Tesouro Nacional – BTN, considerado também o acréscimo de ganho real do salário.

Razões de governo vieram extinguir o BNH, em 21 de novembro de 1986.

A experiência fantástica realizada em meio de uma série de mazelas como a inflação que tomou, de forma preocupante, conta do país levaram a uma série de interpretações e adaptações.

Mas fica a obra.

Após a extinção do BNH veio o PAM.

O Plano de Atualização Misto – PAM foi um Plano pelo qual o reajuste se dava pela equivalência salarial, mas com um recálculo periódico de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor – IPC, e o Plano de Repactuação Trimestral, no qual a cada três meses se dava um novo cálculo do encargo, tudo numa tentativa de aproximar a operação da sua equação financeira, com o casamento entre as operações ativas e passivas.

Considerou-se que, sendo os recursos captados em caderneta de poupança, ou das contas vinculadas do FGTS, deveria incidir sempre a equivalência salarial, qualquer que fosse o plano, desde que a operação integrasse o Sistema Financeiro da Habitação. O ponto de partida desse entendimento é o § 1º do art.10 do Decreto-Lei 2.284/86, já referido, que determinou, de forma categórica (norma de ordem pública), a impossibilidade de ser a prestação superior à equivalência salarial do mutuário Isso tem sido aplicado também aos contratos da carteira hipotecária, ainda que haja divergência de alguns julgados. Todos os contratos celebrados no SFH têm o imóvel como garantia hipotecária, de modo que o fato não é incompatível com o Plano de Equivalência Salarial. Se o agente financeiro alegar que o contrato é hipotecário, com juros livres, terá que demonstrar que os recursos nele aplicados não são da caderneta de poupança. Embora a mencionada Resolução do Banco Central não obrigue a aplicação de 100%(cem por cento) da captação da poupança em financiamentos habitacionais com juros tabelados (12% ao ano), tem a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendido que o Decreto-Lei 2.284/86 obriga a incidência da equivalência salarial em todas as operações do SFH.Com o advento da Lei 8.004, de 14 de março de 1990, dando nova redação ao art. 9º do Decreto-Lei 2.164, de 19/09/84, de forma a retirar o caráter cogente do Plano de Equivalência Salarial (art. 22), muitos entenderam que ele não mais operaria obrigatoriamente a partir de 14 de março de 1990, a não ser por força de cláusula contratual.

Entendeu-se, entretanto, que o encargo mensal deveria, portanto, reger-se pela equivalência salarial, entendida como uma proporcionalidade entre o seu reajustamento e a evolução salarial do adquirente, ainda que o saldo devedor deva ser corrigido pela inflação, a fim de que fique preservada a comutatividade do contrato. No seu final, o resíduo da dívida será coberto pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS, acaso o contrato a ele esteja vinculado.


Vi – A TAXA REFERENCIAL

Veio, após, a discussão com relação a chamada Taxa Referencial.

Julgando a Ação Direta de Inconstitucionalidade 493-DF, Relator o Ministro Moreira Alves, o STF firmou o entendimento de que a TR, pela sua natureza jurídica, não é em si mesma índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda (RTJ 143/724 a 815).

A TR, como taxa de remuneração dos depósitos a prazo fixo, não pode servir de indexador – houve vozes discordantes no próprio Supremo Tribunal Federal. Quem se der ao trabalho de ler o inteiro teor da ADIn 493/DF, vai verificar que alguns Ministros, mesmo vencidos (muitas vezes o voto vencido de hoje é o vencedor de amanhã), entenderam que a TR não passou de mais um critério indicador dos efeitos da inflação sobre a moeda, não havendo, portanto, incompatibilidade entre a sua natureza jurídica e a sua idoneidade econômica para medir a inflação. (Cf. votos dos Ministros Ilmar Galvão e Marco Aurélio). 


VII - A CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS 

Outra discussão que se põe ainda é de que haveria capitalização dos juros, juros sobre juros, na cobrança dessas prestações. A maioria dos decisórios são desfavoráveis. A legislação que rege o sistema financeiro de habitação não prevê a possibilidade de incidir a capitalização exponencial, ou seja, juros sobre juros, nas prestações devidas pelos mutuários. .

O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. No entanto, não cabe ao STJ verificar se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por exigir reexame de fatos, provas e análise de cláusula contratual. O STJ decidiu, ainda, que a lei regente do SFH (Lei 4.380/64) não estabelece limitação dos juros remuneratórios.

O julgamento ocorreu de acordo com o rito da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672/08), que possibilita que uma tese decidida pelo novo sistema seja aplicada no julgamento de todas as causas idênticas não só no STJ como nos tribunais de segunda instância. A ferramenta reduziu em 20% o número de recursos que chegaram aos gabinetes dos ministros em 2009, em relação ao mesmo período do ano passado.

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, levou as duas questões ao julgamento na 2ª Seção. As teses repetitivas foram aprovadas por unanimidade. O recurso é da instituição bancária contra decisão do Tribunal de Justiça do Paraná.

O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. No entanto, não cabe ao STJ verificar se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por exigir reexame de fatos, provas e análise de cláusula contratual. O STJ decidiu, ainda, que a lei regente do SFH (Lei 4.380/64) não estabelece limitação dos juros remuneratórios.

O julgamento ocorreu de acordo com o rito da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672/08), que possibilita que uma tese decidida pelo novo sistema seja aplicada no julgamento de todas as causas idênticas não só no STJ como nos tribunais de segunda instância. A ferramenta reduziu em 20% o número de recursos que chegaram aos gabinetes dos ministros em 2009, em relação ao mesmo período do ano passado.

O sistema francês de amortização, chamado de Tabela Price, é um dos sistemas mais usados em contratos de financiamento da habitação e também um dos mais polêmicos. Alega-se que a tabela gera uma evolução não linear da dívida, compatível com cobrança capitalizada de juros. Também se afirma que a prática seria incompatível com o SFH, cuja finalidade é facilitar a aquisição de habitação pela população menos beneficiada.

O ministro Salomão destacou que é possível a existência de juros capitalizados somente nos casos expressamente autorizados por norma específica, como nos mútuos rural, comercial ou industrial. Já os contratos firmados pelo SFH têm leis próprias (a lei regente) que, somente em julho deste ano, passou a prever o cômputo capitalizado de juros com periodicidade mensal (alteração dada pela Lei 11.977/2009). Até então, destacou o ministro relator, não era possível a cobrança de juros capitalizados em qualquer periodicidade nos contratos de mútuo celebrados pelo SFH.

Entidades ligadas aos consumidores alegam que a utilização da Tabela Price implicaria capitalização de juros. Já as instituições do ramo financeiro negam a ocorrência pelo método. O ministro Salomão concluiu que, para chegar a uma conclusão, não há como analisar uma fórmula matemática única; é preciso analisar cada caso, o que envolve apuração de quantia e perícia. Nessa hipótese, não pode o STJ reexaminar provas, fatos ou interpretar cláusula contratual.

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Os sistemas de amortização a juros compostos são Price, SIMC e Gradiente.

O sistema SAM, que determina a Prestação (A+J) inicial pela média dos valores apurados pelos sistemas Price e SAC, é, pois, um sistema misto.

O Sistema Gauss se diferencia dos demais sistemas pelo fato de que a taxa nominal de juros, ainda que utilizada sob regime de juros simples (linearmente), não é prospectada sobre o prazo normal do financiamento, mas de forma que, como que reduzida, compensando os juros remuneratórios que podem ser auferidos na reaplicação pelo credor dos valores pagos mensalmente pelo devedor.

Note-se que todos os sistemas de amortização são artifícios matemáticos universais, que não contemplam em sua fórmula doutrinária as variáveis “reajuste“ ou “correção” monetária, variáveis estas determinadas, porém, pelos Planos de Reajustes do SFH.

O sistema de amortização submetido a efeitos de correção monetária somente mantém a exatidão de suas propriedades matemáticas, caso as parcelas da Prestação (A+J) e do Saldo Devedor sofram sua incidência na mesma época e com a mesma proporção e, ainda, caso a cota periódica de Amortização (A) seja subtraída do Saldo Devedor remanescente já acrescido deste efeito.

Entretanto, os Planos de Reajustes “PES” e “PES/CP”, em suas várias modalidades, prevêem a incidência de reajustes da Prestação (A+J) com índices e épocas diferentes em relação aos determinados à correção monetária do Saldo Devedor, implicando o desvirtuamento do sistema de amortização, com a perda da exatidão de sua propriedade básica: prestação fixa capaz de liquidar os juros e o capital emprestado, no prazo convencionado.


VIII - A LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS A 10%

Outro ponto contestado no recurso diz respeito à limitação dos juros remuneratórios em 10% ao ano, conforme a lei regente do SFH. Neste aspecto, o ministro Salomão explicou que o artigo 6º, alínea e, somente tratou dos critérios de reajuste de contratos de financiamento previstos no artigo 5º da mesma lei, não estabelecendo limitação da taxa de juros.

Neste aspecto, no caso concreto, a 2ª Seção atendeu ao recurso da instituição financeira e afastou a limitação de 10% ao ano imposta pelo TJ-PR no tocante aos juros remuneratórios.

Outros dois temas debatidos no recurso foram decididos para o caso concreto, mas não pelo rito dos repetitivos. A possibilidade de cobrança do coeficiente de equiparação salarial (CES) em contratos anteriores à edição da Lei 8.692/93 seria analisada no julgamento na Corte Especial do Resp 880.026, cujo relator é o ministro Luiz Fux. Já a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados antes de sua vigência foi considerada irrelevante pelo ministro Salomão para a solução do caso concreto, razão por que a sua análise não teve a abrangência da Lei dos Repetitivos.

A matéria foi discutida no REsp 1.070.297.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um pouco da saga das prestações da casa própria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6056, 30 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79100. Acesso em: 26 abr. 2024.

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