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Um pouco da saga das prestações da casa própria

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30/01/2020 às 17:55
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Entenda um pouco sobre as questões afetas às prestações da casa própria no Sistema Financeiro da Habitação.

I – A LEI 4.380/64 E OS PLANOS A, B E C.

Discute-se aqui a questão da prestação da casa própria diante dos diversos planos e entendimentos firmados a partir da criação do extinto BNH, em agosto de 1964.

O primeiro diploma legal a ser considerado é a Lei 4.380, de 21/08/64. Segundo o seu art. 5º, caput, os contratos de vendas ou construção de habitações para pagamento a prazo poderão prever o reajustamento das prestações mensais de amortização e juros, com a consequente correção do valor monetário da dívida, toda vez que o salário mínimo legal for alterado. O reajustamento deveria ser baseado no índice geral de preços mensalmente apurado ou adotado pelo Conselho Nacional de Economia, que refletisse adequadamente as variações do poder aquisitivo da moeda nacional (§ 1º), devendo entrar em vigor após 60 (sessenta) dias da data da vigência do salário mínimo (§ 3º), constando obrigatoriamente do contrato a relação original entre a prestação mensal de amortização e juros e o salário mínimo em vigor na data do contrato (§ 4º).

A Lei 4.380 criou o BNH, herdeiro da antiga Fundação da Casa Popular, que surgiu dentro de uma concepção moderna e tecnocrática para resolver o problema da casa própria, um dos postulados do chamado Governo instituído no Brasil em 31 de março daquele ano de 1964.

O FGTS, criado em 1966, foi o fundamental manancial de recursos para a construção desse modelo formidável que revolucionou no Brasil a aquisição da casa própria.

Para sustentar o esquema de captação e distribuição dos recursos do Sistema Financeiro, adotou-se, primeiramente, o sistema da correção monetária. Foram oferecidos aos compradores três possibilidades (Planos A  e C com prestação reajustada de acordo com o aumento do salário-mínimo anual) e Plano B (prestação reajustada de acordo com os indices trimestrais de correção monetária  da Fundação Getúlio Vargas, baseada na alta de preços por atacado). 

Em fins de 1969, houve uma verdadeira campanha de protesto contra a correção monetária, substituindo-se o mecanismo pela equivalência salarial. Para os "queixosos" , o adquirente da casa própria do SFH "era obrigado a pagar o resto da vida as suas prestações". O saldo devedor nunca seria pago porque a dívida seria "eternamente" aumentada pela correção. 

Antes da Resolução 36/69, o extinto BNIH admitia três critérios de correção monetária nos financiamentos concedidos pelo sistema: os chamados planos A. B e C. Nos três casos os saldos devedores eram sempre corrigidos trimestralmente, de acordo com os índices aplicáveis a  ORTN, surgindo as diferenças na correção das prestações a serem pagas pelos mutuários.

Nos Planos A e C, as prestações eram corrigidas na proporção dos aumentos do salário mínimo, sendo que, no primeiro caso, os reajustamentos entravam em vigor dois meses após tal aumento e, no segundo, anualmente, em meses pré-determinados nos respectivos contratos, em geral de acordo com a época do reajustamento da categoria salarial do mutuário.

No Plano B, as prestações eram corrigidas pelos mesmos critérios e na mesma época que os planos A e C, com a diferença de critérios nos reajustamentos do saldo devedor e das prestações, os financiamentos eram de prazo variável. Se ao longo do período de resgate da dívida o salário mínimo subisse mais do que o índice de correção monetária das ORTN. o prazo encurtaria em relação ao contratado inicialmente, c vice-versa. Para garantir um teto de prazo aos financiados dos Planos A e C. O extinto BNH criou o Fundo de Compensação das Variações Salariais(F.C.V.S.). Os mutuários de tais Planos pagavam uma taxa de contribuição ao Fundo, equivalente a uma prestação dos respectivos financiamentos, c o Fundo liquidaria qualquer saldo devedor eventualmente remanescente.

Caso não se quisesse optar pelos planos A e C(de equivalência salarial), manteve-se o plano B com as mesmas características embora com um outro nome(Plano de correção monetária - PCM) .  

À época, os dirigentes do BNH entendiam que aquele Plano de Equivalência Salarial teria humanizado o sistema. 

Em resumo, tem-se: 

O Plano de Correção Monetária – PCM – Inicialmente contratado, este plano previa a correção monetária da prestação na mesma periodicidade e pelo mesmo índice utilizado na correção monetária do saldo devedor. Para o S.F.H. este sistema era perfeito, não existe saldo devedor residual e a dívida é quitada no prazo pactuado.

No entanto, o reajuste trimestral da prestação não atendia as condições econômicas dos mutuários cujos salários eram reajustados anualmente. Para melhor atender às condições financeiras dos tomadores do financiamento, foi criado em 1969, através da Resolução do Conselho de Administração do B.N.H. número 036/69 o Plano de Equivalência Salarial – P.E.S.

 Neste plano, o número de prestações pactuadas era fixo e o seu reajustamento vigorava 60 (sessenta) dias após o aumento do salário mínimo e reajustadas na mesma razão entre o valor do maior salário- mínimo vigente no país e o imediatamente anterior. A partir de então os reajustes das prestações desvinculam-se dos índices e periodicidades aplicados ao saldo devedor, podendo gerar saldo devedor residual após o pagamento da última prestação contratada. Para minimizar este efeito, foi criado o Coeficiente de Equiparação Salarial – CES, que majorava o valor da prestação inicial com o objetivo de minimizar os efeitos do descasamento dos índices aplicados ao saldo devedor e prestação.

O valor inicial da prestação, no P.E.S., era obtido pela multiplicação da prestação de amortização, juros e taxa calculada pelo Sistema Francês de Amortização (Tabela Price), por um Coeficiente de Equiparação Salarial – C.E.S., ou

 Na adoção do Sistema de Amortização Constantes - SAC - de que trata a RC n° 23/71, de 05.10.1971, para as operações do Plano de Equivalência Salarial – P.E.S. observar-se-á:

 a) a base para o cálculo da primeira prestação, será a soma da parcela de amortização (valor da dívida, dividido pelo número de prestação a pagar) com a parcela de juros (1/12 da taxa nominal aplicada a dívida);

 b) ao valor obtido da alínea "a" somar-se-á o valor do prêmio de seguros dos títulos "a" e "b" da apólice habitacional; 

 c) o valor assim obtido, será multiplicado pelo Coeficiente de Equiparação Salarial vigente a data da operação (concessão do financiamento, transferência ou renegociação), considerado o mês de reajuste escolhido;

A principal característica do P.E.S. é que a responsabilidade pelo saldo devedor dos financiamentos contratados era assumida, em nome dos mutuários, pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais – F.C.V.S., criado pela RC 25/67, do Conselho de Administração do Banco Nacional da Habitação.

Este sistema, em razão dos baixos índices de inflação, funcionou bem até 1982. A partir de 1983, diante da queda dos níveis salariais que não acompanharam os índices inflacionários e da inadimplência que ameaçava o sistema, o governo autorizou o reajuste das prestações em 80% do reajuste do salário mínimo.


II – A RC 36/69

O extinto Banco Nacional da Habitação editou a Resolução 36/69 (do seu Conselho de Administração), que foi um marco histórico na evolução do Plano de Equivalência Salarial. Esse documento previa a equivalência com base na variação do salário mínimo. Sua divulgação na época foi muito intensa por parte do próprio BNH, como se pode constatar dos autos de muitas ações propostas nas varas federais da Bahia, em que um folheto de propaganda é anexado à petição inicial.

Com a nova Resolução, os Planos A e C ficam extintos, sendo substituídos pelo P.E.S., a ser aplicado aos novos financiamentos concedidos aos adquirentes de casa própria (salvo opção explícita em contrário, por parte destes) e ainda acessível aos contratantes de financiamento por qualquer dos antigos Planos A, B e C, mediante requerimento para ingresso no novo sistema (c desde que estejam em dia com os respectivos pagamentos). O Plano B permanece sem alterações em sua sistemática, apenas passando a designar-se Plano de Correção Monetária. a ser aplicado aos adquirentes de casa própria que expressamente o preferirem. c nos financiamentos a empresários.

No novo Plano, não há qualquer alteração nos critérios de correção monetária não há qualquer alteração nos critérios de correção monetária das prestações, apenas as características dos Planos A e C são definitivamente fundidas de modo que as prestações são corrigidas segundo o aumento do salário mínimo, e os reajustamentos entram em vigor sessenta dias após o aumento ou em mês prefixado no contrato, a critério do mutuário.

Pelo Plano de Equivalência Salarial, o número de prestações pactuadas e em consequência, o prazo de resgate da dívida para o mutuário, é fixo, salvo liquidação ou amortização parcial antecipada. A responsabilidade pelo saldo devedor dos financiamentos contratados passa a ser assumida, em nome dos mutuários. pelo F .C. V .S . que responde ou é credor pelas dilerenças entre o saldo devedor corrigido c o total da amortização pelas prestações.

Note-se que, de acordo com o sistema antigo, caso a elevação do salário mínimo superasse a do índice de correção monetária das ORTN. ao longo do prazo de resgate da dívida. tal prazo diminuiria e o F.C.V.S. não seria movimentado, o que tomava imprescindível a taxa de contribuição para o Fundo como única fonte de receita possível. Nos termos do P.E.S ., sendo  fixo o número de prestações  na hipótese aventada acima o Fundo seria devidamente creditado por todas as importâncias pagas pelo mutuário, após a quitação da dívida.

Dentro do princípio de que os reajustamentos do salário mínimo deve a longo prazo acompanhar (e em tese até superar, pelo aumento da produtividade) a inflação, não haveria razão alguma para temores aprioristicos pela sorte do Fundo.

O problema é que, de qualquer maneira, o saldo devedor vai sendo corrigido trimestralmente c, em consequência. a parcela de juros na prestação também vai sendo atualizada. Segue-se que o conteúdo de amortização das prestações inicia se torna excessivamente pequeno, no caso do mutuário que contratou seu financiamento logo após um reajuste de salário mínimo, de modo que é mais provável que, pago o número de prestações pactuado reste ainda um saldo devedor a ser liquidado através do F.C.V.S.


III – O FCVS

Foi criado o Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS, Esse Fundo, instituído pela Resolução 25, de 16/06/67, do Banco Nacional da Habitação.

O FCVS tinha por finalidade garantir o limite de prazo para amortização da dívida dos adquirentes de habitações pelo SFH. Para ele o mutuário contribuía inicialmente com o equivalente a uma prestação de amortização e juros, no ato de inscrição. Sua administração passou depois para o Banco Central, pela Resolução 1.277, de 20/03/87, da própria Autarquia. O Decreto-Lei 2.349, de 29/07/87, estabeleceu limites para a cobertura em favor do mutuário, devendo ele responsabilizar-se pelo resíduo.

Tudo esse quadro teórico foi cogitado em 1969, no início do governo Médici, quando os técnicos do extinto BNH cogitaram de tal medida.

Mas veio uma acachapante inflação que levou os mutuários, em grandes quantidades, a recorrer ao Judiciário Federal. O extinto BNH foi à Justiça Federal para defender seus interesses integrando o feito, nas inúmeras demandas, como assistente litisconsorcial.

Esse o quadro à época.


IV – A REPRESENTAÇÃO INTERPRETATIVA

Houve pleitos de rescisão de contratos que não foram atendidos em corretas decisões da Justiça Federal. Mas os pedidos eram atendidos parcialmente procedentes com adequação das prestações ao salário de cada um dos mutuários.

Aqueles que ficavam desempregados eram atendidos pelo FIEL, criado em 1971.

O extinto Banco Nacional da Habitação, através da RC-71, regulamentada pela RD-55/71, criou o Fundo Para Pagamento de Prestações em Caso de Perda de Renda por Desemprego e Invalidez Fiel, ambas reformuladas pela RC 09/84 e RD-14/74 do BNH.

Esse fundo foi criado por capital próprio do extinto BNH com o objetivo de garantir, ao adquirente de unidade residencial dentro do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o pagamento, mediante empréstimo, do total ou de parte das prestações por ele devidas, e não pagas, durante certo lapso de tempo, por efeito de desemprego ou invalidez temporária.

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Esse fundo teve uma atuação importante até a extinção do BNH (Decreto-lei n.º 2.291/86), sendo sucedido na gestão desse Fundo pela Caixa Econômica Federal. A partir da assunção desse Fundo pela CEF o mesmo não foi mais utilizado nos contratos de financiamento da casa própria, mesmo não tendo sido extinto.

Como os contratos não contam com qualquer cláusula idêntica ao do Fiel, quando ocorre situação de inadimplemento o mesmo Agente Financeiro cria as regras para efeito de renegociação do débito. Mas diante do alardeado rompimento de milhares de empregos, seria muito interessante repensarmos na reestruturação do Fiel, através de recursos do FGTS, mas destinado apenas à situação desemprego, os quais seriam aplicados no pagamento de seis à doze prestações durante o período de desemprego, com juros de 3% ao ano nos primeiros três anos e de 6% para o prazo restante do contrato, acrescidos de correção monetária pelos índices de poupança (taxa referencial), com pagamento anual dos juros e correção monetária em mês a ser escolhido pelo mutuário.

Não sendo liquidado o empréstimo durante o prazo original de financiamento, o número de prestações pagas será acrescido ao final do prazo, ampliando o prazo da hipoteca ou da alienação fiduciária.

Essa a engenharia financeira criada pelo extinto BNH que propiciou a milhões de famílias adquirirem suas residências.

A par das críticas com relação a arquitetura dos projetos e da infraestrutura criada em regiões antes não cogitadas em sistemas urbanos, o que levava a participação dos governos estaduais nessas intervenções.

Antes mesmo da decisão do STF, que data de 1º de outubro de 1986, foi editado o Decreto-Lei 2.284, de 10/03/86, relativo ao Plano Cruzado, e que veio ao encontro da situação grave por que passavam os mutuários do SFH, que não tinham em grande maioria condições de pagar as prestações com os altos percentuais de reajustamento. Muitos estavam perdendo os imóveis adquiridos para os agentes financeiros, aos quais também não interessa a retomada das unidades vendidas em larga escala, pois o sistema tem que funcionar e ter credibilidade. Esse decreto-lei, na linha dos precedentes pretorianos da Justiça Federal, que desde 1983 passara a receber ações de mutuários em busca de socorro, estabeleceu que “em nenhuma hipótese a prestação do Sistema Financeiro da Habitação será superior à equivalência salarial da categoria profissional do mutuário” (art. 10, § 1º). A lei, portanto, editada a partir do fato social da grande inadimplência no Sistema, reconheceu como equivalência salarial o que já vinha sendo decidido pela jurisprudência. Logo depois, no mês de setembro daquele ano, foi editado o Decreto-Lei 2.164, de 10/09/86, que a definiu com maior clareza, mas na mesma linha pretoriana. Seu art. 9º estipulou que os contratos para aquisição de moradia própria, através do Sistema Financeiro da Habitação, estabelecerão que, a partir do ano de 1985, o reajuste das prestações neles previsto corresponderá ao mesmo percentual e periodicidade do aumento de salário da categoria profissional a que pertencer o mutuário. O reajuste ocorreria no mês seguinte ao da majoração do salário por lei, por acordo ou convenção coletivos, ou por sentença normativa, devendo seguir a variação do salário mínimo nos casos de pessoas não pertencentes a categorias profissionais específicas, dos autônomos, dos profissionais liberais e dos comissionistas (§§ 3º e 4º).A interpretação pioneira, estabelecendo um conceito de equivalência salarial com base nos fins sociais da lei e no bem comum, sem resvalar para o direito alternativo, veio a se tornar lei, o que constitui demonstração de que a lei não esgota o Direito. O painel normativo do PES registra também a Lei 8.100, de 05/12/90, que estabeleceu uma forma complicada de reajuste sem benefício para o mutuário. Segundo o seu art. 1º, as prestações mensais dos contratos do SFH, vinculados ao PES/CP, seriam reajustadas em função da data-base para a revisão salarial, mediante percentual resultante da variação (até fevereiro/90) do Índice de Preços ao Consumidor – IPC e, a partir de março/90, da variação do Bônus do Tesouro Nacional – BTN, considerado também o acréscimo de ganho real do salário.

 Na Representação 1.288/DF, levada ao Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da República, para a interpretação da Lei 4.380/64, exatamente em função da grande problemática surgida no Sistema Financeiro da Habitação, o Governo destacou que o reajuste das prestações no ano de 1985 fora fixado em 112% sobre as prestações de 1984 (o reajuste era anual), o que equivalia a menos da metade da variação do salário mínimo (242%) e da correção monetária (246%), e à metade da variação do INPC no período de doze meses (julho/84 a julho/85), significando a medida um expressivo subsídio para os mutuários do sistema, a ser coberto por contribuições dos agentes financeiros do BNH e da União.

Julgando o feito, o Supremo Tribunal Federal interpretou a legislação e firmou três posições básicas a respeito da controvérsia (cf. RTJ 119, 549 usque 579): a) o sentido dos parágrafos do art. 5º da Lei 4.380/64 não é o de estabelecer o salário mínimo como critério de reajustamento da prestação da casa própria, mas, de um lado, o de estabelecer, em cláusula contratual, uma proporcionalidade a ser observada entre a prestação e o salário mínimo, como referência-limite nos reajustes subsequentes; e, de outro lado, fazer de sua decretação um marco cronológico para a data do reajustamento da prestação; b) o Decreto-Lei 19, de 30/08/66, instituiu novo e completo sistema de reajustamento das prestações, tornando-o obrigatório e mediante o índice de correção com base na variação das obrigações reajustáveis do tesouro nacional, e atribuindo competência ao Banco Nacional da Habitação – BNH para baixar instruções a respeito da aplicação dos referidos índices (de variação da ORTN);c) não mais prevalecem, a partir do Decreto-Lei 19/66, com relação ao Sistema Financeiro da Habitação, as normas dos parágrafos do art. 5º da Lei 4.380/64, com ele incompatíveis, mesmo porque o decreto-lei, editado com base no Ato Institucional 2/65, tem efeito de lei, inclusive revogando anteriores normas antagônicas, mesmo que tenham o caráter de lei formal. O sentido de equivalência, naquela lei, portanto, e segundo a interpretação do STF, estava longe do sentido atual: de reajuste da prestação pelo mesmo índice e na mesma periodicidade do aumento salarial da categoria profissional do mutuário, envolvendo também o servidor público, no que toca aos seus proventos, se bem que muitas decisões judiciais pioneiras já preconizassem esta exegese.

Entendeu-se que a equivalência salarial era buscada na interpretação do art. 5º e §§ da Lei 4.380/64, que não era clara a respeito.

Foi uma jurisprudência construtiva, no sentido de afirmar, de início, que as prestações deveriam ser reajustadas segundo a variação do salário mínimo e, mais adiante, com a evolução da discussão, pela variação do salário do próprio mutuário tomador do empréstimo. Essa compreensão hoje está completamente firmada nos Tribunais, havendo mesmo quem diga que o Plano de Equivalência Salarial deve ser compreendido como um princípio geral de direito, isto é, como uma “enunciação normativa de valor genérico, que condiciona e orienta a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração das normas” (Miguel Reale).

Antes mesmo da decisão do STF, que data de 1º de outubro de 1986, foi editado o Decreto-Lei 2.284, de 10/03/86, relativo ao Plano Cruzado, e que veio ao encontro da situação grave por que passavam os mutuários do SFH, que não tinham em grande maioria condições de pagar as prestações com os altos percentuais de reajustamento. Muitos estavam perdendo os imóveis adquiridos para os agentes financeiros, aos quais também não interessa a retomada das unidades vendidas em larga escala, pois o sistema tem que funcionar e ter credibilidade. Esse decreto-lei, na linha dos precedentes pretorianos da Justiça Federal, que desde 1983 passara a receber ações de mutuários em busca de socorro, estabeleceu que “em nenhuma hipótese a prestação do Sistema Financeiro da Habitação será superior à equivalência salarial da categoria profissional do mutuário” (art. 10, § 1º). A lei, portanto, editada a partir do fato social da grande inadimplência no Sistema, reconheceu como equivalência salarial o que já vinha sendo decidido pela jurisprudência. Logo depois, no mês de setembro daquele ano, foi editado o Decreto-Lei 2.164, de 10/09/86, que a definiu com maior clareza, mas na mesma linha pretoriana. Seu art. 9º estipulou que os contratos para aquisição de moradia própria, através do Sistema Financeiro da Habitação, estabelecerão que, a partir do ano de 1985, o reajuste das prestações neles previsto corresponderá ao mesmo percentual e periodicidade do aumento de salário da categoria profissional a que pertencer o mutuário. O reajuste ocorreria no mês seguinte ao da majoração do salário por lei, por acordo ou convenção coletivos, ou por sentença normativa, devendo seguir a variação do salário mínimo nos casos de pessoas não pertencentes a categorias profissionais específicas, dos autônomos, dos profissionais liberais e dos comissionistas (§§ 3º e 4º). A interpretação pioneira, estabelecendo um conceito de equivalência salarial com base nos fins sociais da lei e no bem comum, sem resvalar para o direito alternativo, veio a se tornar lei, o que constitui demonstração de que a lei não esgota o Direito.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um pouco da saga das prestações da casa própria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6056, 30 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79100. Acesso em: 25 abr. 2024.

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