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A escola de frankfurt e o pensamento liberal e o neoliberal: do idealismo ao materialismo

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21/02/2020 às 16:25
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VII – O método dialético e as lições deixadas por Hegel e Marx

Adotava a Escola de Frankfurt um método dialético, com origem em Hegel, segundo há uma tese a que se contrapõe uma antítese para se ter uma síntese.

A Escola da Frankfurt criou o dogma de que "liberdade e justiça" são termos dialéticos, o que significa que eles estão em completa oposição um ao outro, em um jogo de soma zero, em que "mais liberdade significa menos justiça" e "mais justiça é igual a menos liberdade". Baseado nessa dialética, a liberdade era a tese e a justiça era a antítese.

Essa interessante abordagem dialética foi adotada das ideias e obras de Friedrich Hegel. A Escola de Frankfurt, no entanto, distorceu o núcleo deste conceito e desnaturou sua lógica consequencial. Em suma, a principal diferença entre as abordagens dialéticas de Hegel e Horkheimer está em suas respectivas conclusões: Hegel, um idealista, acreditava, assim como Kant, que o espírito cria a matéria, ao passo que, para Horkheimer, um discípulo de Marx e de sua teoria do materialismo, é a matéria o que cria o espírito.

Segundo os autores, George Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831) nunca concebeu a razão de maneira abstrata, separada dos dados empíricos; ao contrário, o que distingue a filosofia de Hegel é o desejo de levar a posição oriunda de Kant até as que lhe parecem ser suas últimas consequências, partindo da ideia fundamental do espírito como “síntese a priori”, como força sintética constitutiva da realidade cognoscível”.

Hegel em sua Fenomenologia não se contentou com uma adequação estática entre o empírico e o racional, mas desenvolvendo o pensamento crítico em função da afirmada “força sintética” do Espírito, levou a cabo uma fusão entre o real e o racional.

Para Hegel “o que é real é racional e o que é racional é real”.

Era o idealismo.

Para Hegel, história é filosofia.

Para Joaquim de Carvalho (Hegel e o conceito de história da filosofia), "a historicidade apresenta-se, pois, como condição categorial do pensamento historiográfico, e foi à luz deste descobrimento fundamental que pôde ver-se com nitidez a existência de épocas cegas para o objeto próprio da indagação histórico-filosófica, cuja cegueira aliás ainda afeta contemporâneos nossos que creem historiar filosoficamente quando acarretam materiais biográficos e bibliográficos, imprescindíveis, sem dúvida, mas cujo lugar é, por assim dizer, vestibular.

Essas épocas, que acima designamos de proto-história da História da Filosofia, caracterizam-se, pois, pela inapreensão do objeto histórico-filosófico, assentam no pressuposto a-histórico da existência de verdades filosóficas atópicas e acrónicas, e exprimem a atitude historizante, isto é, o apelo ou a compreensão do passado, pelo comentário glosante de um texto ou pelo registo das variações das opiniões, e em particular dos erros e deturpações da verdade."

A Escola de Frankfurt, fundada na Alemanha, do primeiro pós-guerra, se afasta das ideias de Hegel e das de Kant, fundadas no racionalismo puro e dogmático.

Essa Escola aproximava-se das ideias de Marx, em seu Capital.

Marx afirmava que o mundo, a realidade objetiva, podia ser explicado por sua existência material e por seu desenvolvimento, e não pela concretização de uma ideia divina absoluta ou como resultado do pensamento humano racional, que é a postura adotada pelo idealismo.


VIII – A contribuição de Marcuse

Marcuse entendia que o operariado, adaptado no mundo capitalista, ali encontraria seu paraíso, com os direitos que iria adquirir.

Marcuse absorve a tese de que a sociedade se fundamenta na repressão dos instintos individuais -em particular pela substituição do princípio do prazer pelo princípio da realidade. Para sobreviver, o homem troca a satisfação imediata de suas necessidades por uma satisfação postergada: o jogo cede lugar ao trabalho, a liberdade cede lugar à segurança. A repressão é o princípio que instaura a civilização.

Mas, enquanto para Freud essa repressão era inerente a toda civilização, para Marcuse a repressão é historicamente determinada. Na sua opinião, o progresso técnico sob o capitalismo criaria as condições para a libertação do indivíduo em relação ao trabalho, permitindo a emergência de uma sociedade não-repressiva, fundada no princípio do prazer.

O problema para Marcuse era que o proletariado -o agente dessa transformação, segundo o marxismo- estava totalmente integrado à sociedade industrial. Por isso concentrava suas esperanças revolucionárias nos setores não-integrados, como os marginalizados, os desempregados -e os estudantes. Daí sua influência nos acontecimentos de 1968, onde foi um dos maiores ícones daquele movimento de contestação que enfrentou o governo De Gaulle.

Consequentemente, para a Escola de Frankfurt, colocar limites sobre o mundo material, colocar regras externas e diretrizes sobre o ambiente no qual os indivíduos vivem, pensam e operam, seria uma medida que, na visão deles, seria suficiente para moldar a experiência cognitiva dos indivíduos e, com isso, confinar seus espíritos aos parâmetros "desejados".


IX – Justiça e liberdade e o politicamente correto: as ideias de Adorno

Esse é o ponto-chave que liga a Escola de Frankfurt àquilo que hoje conhecemos como o "politicamente correto". No cerne do politicamente correto está a crença de que menos liberdade garante mais justiça e, consequentemente, mais segurança. Este mantra é regurgitado por meio de instituições acadêmicas e discursos políticos, inserido em valores sociais e plantado nas mentes das gerações mais jovens (futuros eleitores) por meio das escolas e faculdades, exatamente como era intenção da Escola de Frankfurt.

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No cerne do politicamente correto está a crença de que menos liberdade garante mais justiça e, consequentemente, mais segurança. Este mantra é regurgitado por meio de instituições acadêmicas e discursos políticos, inserido em valores sociais e plantado nas mentes das gerações mais jovens (futuros eleitores) por meio das escolas e faculdades, exatamente como era intenção da Escola de Frankfurt. A liberdade é a tese, a justiça, a síntese.

Em vez de criar uma plataforma que estimule o desenvolvimento do indivíduo por meio do raciocínio lógico, do questionamento e dos diálogos estimulantes, o sistema institucional funciona como uma linha de montagem mecanizada, que tem o objetivo de padronizar e homogeneizar os indivíduos, condicionando-os a se submeter ao status quo, sempre dizendo 'sim' e jamais questionando. Esta é a lógica da Teoria Crítica da Sociedade e o elemento central do "politicamente correto"

Em vez de criar uma plataforma que estimule o desenvolvimento do indivíduo por meio do raciocínio lógico, do questionamento e dos diálogos estimulantes, o sistema institucional funciona como uma linha de montagem mecanizada, que tem o objetivo de padronizar e homogeneizar os indivíduos, condicionando-os a se submeter ao status quo, sempre dizendo 'sim' e jamais questionando. Esta é a lógica da Teoria Crítica da Sociedade e o elemento central do "politicamente correto".

Adorno, que fazia parte dessa Escola, condenava as formas de mercado que “bitolavam” o sujeito a ter esse ou aquele gosto, a “andar nessa ou naquela moda”. Condenava a ditadura do mercado.

Em um texto clássico escrito em 1947, "Dialética do Iluminismo", Adorno e Horkheimer definiram indústria cultural como um sistema político e econômico que tem por finalidade produzir bens de cultura - filmes, livros, música popular, programas de TV etc. - como mercadorias e como estratégia de controle social. A ideia é a seguinte: os meios de comunicação de massa, como TV, rádio, jornais e portais da Internet, são propriedades de algumas empresas, que possuem interesse em obter lucros e manter o sistema econômico vigente que as permitem continuarem lucrando. Portanto, vendem-se filmes e seriados norte-americanos, músicas (funk, pagode, sertaneja etc) e novelas não como bens artístísticos. Observe-se que a Escola de Frankfurt denunciava um"totalitarismo eletrônico", em que diversão e assuntos importantes são "mixados" num só produto; em que representantes políticos são escolhidos como se fossem sabonetes. Ao assim pensar encontravam o caminho para o politicamente correto.

Trata-se de uma tentativa de controlar a inerente entropia das ideias humanas e todo o tipo de pensamento independente; de controlar o fluxo das ideias humanas e de conformar as experiências humanas a um imobilismo anti-natural. Em última instância, trata-se do objetivo de quebrar o espírito do indivíduo e deixar sua mente de joelhos perante os ditames dos filósofos.


X – O marxismo cultural e a defesa das minorias e direitos sociais

Daí vem o termo "marxismo cultural": os marxistas praticamente abandonaram a velha retórica da "luta de classes", que envolvia as classes capitalistas e proletárias, e a substituíram pelas classes opressoras e oprimidas. As classes oprimidas incluem as mulheres, as minorias, os grupos LGBT, e várias outras categorias mascotes. Já a classe opressora é formada por homens brancos heterossexuais que não sejam ideologicamente marxistas, como os próprios fundadores da Escola de Frankfurt. Observe-se como esse atual governo, nas ideias de Olavo de Carvalho, guru do presidente, consideram que não se deve dar atenção prioritária às minorias.

O marxismo cultural nada tem a ver com a liberdade, com o progresso social ou com um suposto esclarecimento cultural. Ao contrário, e como o próprio Horkheimer deixou claro, tem a ver com a criação de indivíduos idênticos que não se confrontem entre si e que não troquem ideias, operando como máquinas automáticas e sem emoção.

Diferente do liberalismo e do neoliberalismo que adotam as regras de mercado como objetivo, a Escola de Frankfurt defende a defesa impostergável dos direitos sociais, como cláusula pétrea a ser defendida no sistema jurídico.

Daí porque se entende que a corrente de pensamento em que se baseia o atual governo não convive com o “politicamente correto”, prega a liberdade do uso de armas (como que seguindo a Emenda 2, americana), prega a liberdade de locomoção das estradas, sem os limites sancionatórios próprios. Dá, pois, prioridade a liberdade ao politicamente correto, daí porque aceitam ideias como a extração de minerais e da pecuária em área indígena, como forma de conduzir o índio ao meio social  e não se atrelam aos parâmetros ambientais, que consideram afrontar a liberdade de produzir e se desenvolver. Além disso, como próprio do liberalismo, defende, de forma ampla, a propriedade privada e sua preservação em prol dos interesses da sociedade. Por fim, dir-se-á que o atual governo combate o que se chama de "maxismo cultural", em defesa de valores como a familia, a liberdade, a propriedade.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A escola de frankfurt e o pensamento liberal e o neoliberal: do idealismo ao materialismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6078, 21 fev. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79330. Acesso em: 26 abr. 2024.

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