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Improbidade administrativa: requisito subjetivo da conduta

08/03/2020 às 15:45
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Apresentam-se os principais aspectos relacionados às formas de qualificação do elemento subjetivo (dolo/culpa), para fins de improbidade administrativa.

O tema improbidade administrativa é de incontestável recorrência, em especial para quem atua junto ao Poder Público. Por certo, há grande temerosidade por parte da maioria dos gestores quanto ao largo espectro de atos passíveis das sanções previstas no art. 37, § 4º da Constituição Federal, detalhadas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. 

De pronto, imperioso frisar que o agente público deve pautar sua conduta na mais estrita retidão, zelo, moralidade e legalidade. Entrementes, há de se destacar que ato ilegal não é sinônimo de improbidade. O cometimento de um ato ímprobo requer, necessariamente, que o ilícito seja carreado pelo elemento subjetivo dolo, para o enquadramento nos artigos 9º e 11 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) ou, pelo menos culpa (grave), nas hipóteses previstas no artigo 10. Neste sentido é a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, senão vejamos:

“[...] Não se pode confundir improbidade administrativa com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10. [...]” (AIA 30 AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL) 

Ocorre que, esta mesma Corte Especial, no que tange ao dolo, entende que, para fins de improbidade, o tipo genérico é suficiente para tipificação da conduta: “é pacífica a jurisprudência desta Corte de que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. O Tribunal de origem foi categórico em afirmar a presença do elemento subjetivo, in casu, o dolo” (AgInt no AREsp 876.248/MA, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 29.09.2016).

Nesse contexto, eis que surge uma problemática. Explico. Para a configuração do dolo genérico basta que o agente tenha a intenção de praticar o ato, mesmo que não tenha o conhecimento ou a intenção de que está incorrendo em um ato ilícito. Ora, em especial nos atos comissivos, é impensável que estes sejam praticados sem a vontade de quem o faz. Ou seja, segundo essa lógica, em uma subsunção dos fatos às normas, para fins de aferição do elemento subjetivo, a todos os atos ilegais cometidos seria imputado o dolo genérico, o que, com o devido acatamento, não parece ser a melhor solução, até porque, se assim o fosse, tratar-se-ia de responsabilização objetiva do agente, e não subjetiva, como determina a lei. 

Para fins de improbidade (no que se refere ao dolo), a má-fé ou, em sentido mais amplo, a desonestidade deve restar patente. Afinal, segundo os melhores dicionários, pessoa ímproba não é aquela que comete erros, mas sim aquela que é desprovida de integridade e honestidade.

No que concerne à culpa grave, entendemos como inquestionável a associação desta não ao cometimento de qualquer erro (de natureza leve, por exemplo), mas de um erro grosseiro, sendo caracterizada por uma conduta, positiva ou negativa, em que há imprudência, imperícia ou negligência extraordinária. Em suma, trata-se de um erro que o mínimo de diligência seria suficiente para evitá-lo, não demandando que o agente seja conhecedor profundo do assunto inerente ao ato.

De igual modo, as dificuldades e percalços enfrentados pelos gestores públicos não devem servir de escudos intransponíveis para a sua responsabilização quando do cometimento de infrações administrativas. Entretanto, esses fatores devem ser considerados no momento da análise sobre a validade de um ato ou legalidade de uma conduta. 

Endossando tal entendimento, a recém-publicada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei 13.655/18), em seu artigo 22, § 1º c/c artigo 28, dispõe que:

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. (grifo)     

Todo esse cenário denota que, em termos de improbidade, o gestor não pode ser responsabilizado objetivamente por seus atos. Assim, por se tratar de aplicação de sanções, como a possível suspensão de direitos e garantias constitucionais, perda da função pública, entre outras, os elementos subjetivos da conduta (dolo ou culpa grave) devem estar claramente demonstrados, não devendo ser aceita, sob qualquer argumento, qualquer imprecisão em sua comprovação ou, quiçá, a sua presunção.

Finalmente, destaque-se que este artigo não se finda a dissuadir a inobservância (ou mesmo desmerecer) aos dispositivos constantes da LIA; pelo contrário. O escopo é, tão somente, contribuir para uma melhor interpretação e elucidação relativamente à aplicabilidade dos seus dispositivos, inobstante a discussão a respeito do tema mereça um maior e constante debate.

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Sobre o autor
Eduardo Carvalho

Advogado, especialista em Direito Administrativo, com ênfase em Tribunais de Contas e Licitações e Contratos Públicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Eduardo. Improbidade administrativa: requisito subjetivo da conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6094, 8 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79651. Acesso em: 19 abr. 2024.

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