O art. 30 da Lei 8.666/93, ao elencar as exigências habilitatórias afetas à capacitação técnica dos licitantes, estabelece a possibilidade de ser comprovada a capacidade técnica-operacional, bem com a capacidade técnica-profissional da empresa licitante.
De fato, assim preceitua o Diploma Legal Licitatório:
" Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I – (...)
II – comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos".
O §1º do mesmo artigo dispõe que a comprovação de aptidão referida no inc. II do caput deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados no CREA.
Existe, ainda, a capacidade técnico-profissional, prevista no inc. I do §1º do art. 30, que é a "comprovação do licitante possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas e prazos máximos".
Portanto, nos termos da lei, subsiste a viabilidade de se exigir tanto a capacidade técnica-operacional, quanto a capacidade técnico-profissional da licitante.
A divergência decorreu do fato de ter havido um veto ao art. 30, §1º, II da Lei Federal, que aludia, textualmente, à capacidade técnico-operacional da empresa (aqueles que acompanharam o processo legislativo afirmam, inclusive, ter ocorrido um equívoco no momento da votação).
Não obstante, a doutrina e a jurisprudência são unânimes ao asseverar a possibilidade de exigir-se a capacidade técnico-operacional da empresa. Até porque, não fosse esta a exegese teríamos exigências muito mais severas para as empresas, e.g., em relação à compra de bens pela Administração Pública, do que aquelas atinentes à licitações para obras e serviços de engenharia, o que seria, ao menos em regra, incoerente.
Então, em tese, nas licitações, em prol do interesse público, temos que se pode exigir, na fase de habilitação, a comprovação de capacidade técnica tanto da empresa quanto de seu responsável técnico.
Contudo, não havíamos até então nos atentado para um fato que ora parece-nos deva ser levado em consideração, quando da definição das exigências de capacitação técnica das empresas do ramo de engenharia.
É que, neste caso, não se pode olvidar que há uma dificuldade fática, que prejudica a obtenção do atestado de execução de obra em nome da empresa, registrado no CREA.
A dificuldade referida consubstancia-se no fato de que o CREA não registra os atestados em nome da empresa que executou a obra, mas tão somente em nome de seu responsável técnico.
Consultada a legislação do CREA, verifica-se que este assim procede sob o manto de que o acervo técnico não pertence à empresa, mas sim, ao profissional integrante de seus quadros.
Nesse diapasão, é expressa a Resolução 317/86 do Confea, que assim dispõe:
"Art. 1º Considera-se Acervo Técnico do profissional toda a experiência por ele adquirida ao longo de sua vida profissional, compatível com as suas atribuições, desde que anotada a respectiva responsabilidade técnica nos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia"
"Art. 4º O Acervo Técnico de uma pessoa jurídica é representado pelos Acervos Técnicos dos profissionais de seu quadro e de seus consultores técnicos devidamente contratados.
Parágrafo único – O acervo técnico de uma pessoa variará em função do Acervo Técnico do seu quadro de profissionais e consultores" (grifo nosso)
Acerca do assunto, destacamos a seguinte exegese que elucida a questão:
"Quanto a titularidade porém, há que se verificar, que a legislação autoral e a que regula a profissão dos engenheiros e arquitetos, ambas prevêem claramente que autor é pessoa física, e não poderia ser diferente, porquanto pessoa jurídica nada cria, e depende do intelecto humano para tal criação, mesmo que a obra tenha sido criada com o auxílio mecânico ou cibernético. Ou seja, autor é sempre a pessoa física que concebeu o projeto de engenharia ou arquitetura, topografia ou geografia, e não a empresa na qual trabalha o autor ou da qual é proprietário, quer seja engenheiro, arquiteto, geógrafo ou topógrafo, como querem ambas as leis" (cf. Direitos Autorais dos Engenheiros e Arquitetos, in www.jurisdoctor.adv.br)
Sobre o tema, pondera Carlos Pinto Coelho Motta:
"Na verdade, a variação do acervo técnico de uma empresa, a sua modificação em função da rotatividade e capacitação de seu quadro técnico, constituem aspectos pacíficos na lei.
Uma organização expressa-se através de seus profissionais".
E assim continua, apontando o texto da resolução do CREA acima mencionada:
"O texto da Resolução em tela, colocando em novos termos esse equilíbrio entre as realizações individuais e as empresariais, vem conferir validade jurídica a atestados técnicos com base em realizações ‘então’ sob a responsabilidade de profissionais eventualmente ausentes dos quadros da empresa- já que tais realizações integram-se à experiência e tradição adquiridas ao longo do tempo e de certa forma reconhecidas pela letra legal" (Eficácia nas Licitações e Contratos (p. 284).
O procurador jurídico do CREA – 12ª Região, assim se manifestou a respeito:
"creditar-se a tradição técnica assim às empresas, como aos seus diretores técnicos e responsáveis técnicos (...)
(...) a tradição técnica cabe tanto à empresa quanto aos profissionais intervenientes na execução da obra ou serviço, ou seja, do responsável técnico da empresa ao responsável pela obra e ao engenheiro fiscal" (RDP 41/42, p. 141).
Na verdade, todo o registro dos atestados, quando da realização de uma obra ou serviços, é feito em nome do profissional e não da empresa, tendo em vista a legislação do CREA acima apontada.
Se, e.g., a empresa vencedora de uma licitação, na conclusão da obra, solicitar da Administração um atestado demonstrando a execução do objeto contratado, com os respectivos quantitativos, quando for levar o documento ao registro do CREA, o mesmo será emitido em nome do profissional e não da empresa.
E aí, parece-nos que a vedação de exigir-se quantitativos dos profissionais deveria ser mitigada.
Ora, a lei só admite exigência de quantitativo em nome da empresa. Por outro lado, o CREA não registra este atestado, com os respectivos quantitativos, em nome da empresa, mas sim do profissional, por entender que o acervo técnico pertence ao último e não à primeira;
Logo, o atestado é emitido para a empresa, com o respectivo quantitativo, mas o registro deste documento dá-se em nome do profissional, já que é este quem detém o acervo técnico correlato.
Então, vou ter um acervo técnico-profissional que, na prática, corresponde a um quantitativo específico. Há, então, salvo engano, uma incoerência fática em se vedar a exigência de quantitativo do profissional e se permitir a mesma exigência para a empresa no caso de obras e serviços de engenharia, já que é o acervo do profissional que compõe o da empresa, segundo as normas do próprio CREA.
Logo, estare-se-ia, na verdade, permitindo-se e rejeitando-se a mesma coisa, fato para o qual legislador não se atentou.
Por conseguinte, entendemos que o que deveria ser apreciado, nestes casos, não é a questão afeta à exigência de quantitativo em nome da empresa ou do profissional, mas sim a adequação daquilo que foi exigido, com a amplitude do objeto licitado.
Ainda convém ponderar que, no que tange aos quantitativos, assim se manifesta a doutrina, ao tratar da capacitação do profissional:
"Existem situações em que o fator quantitativo é relevante, para fins de qualificação técnico-profissional. É inviável reputar que um particular detém qualificação técnica para serviço de trezentas máquinas simplesmente por ser titular de bom desempenho na manutenção de uma única máquina. A Lei consagrou preconceito insustentável, pois a boa execução anterior de quantidades mínimas e (ou) com prazos máximos pode ser a única forma de evidenciação da qualificação técnico-profissional. Seria reprovável a exigência anterior com quantidades mínimas ou prazos máximos se isso fosse desnecessário para comprovação da qualificação técnica do sujeito, em função das peculiaridades do objeto licitado".(cf. Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 5ª ed., Dialética, p. 311) (grifamos).
Além disso, entendemos muito mais objetivo o critério afeto à definição de um quantitativo específico (logicamente desde que o mesmo seja proporcional ao objeto licitado), do que a previsão genérica de alguns editais, no sentido de se demonstrar execução de obra ou serviço "pertinente", "compatível" e "semelhante", o que pode levar, não raro, à subjetividade de julgamentos, ao arrepio da lei.
É o nosso entendimento, s.m.j.