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Da Emenda Constitucional nº 45/2004 e seu reflexo no direito fundamental do prazo razoável para a duração de processo administrativo disciplinar.

Inconstitucionalidade do § 1º do art. 169 da Lei nº 8.112/90

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21/02/2006 às 00:00
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          III.– DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

          Vigora na instância disciplinar o dever do poder público de apurar irregularidades praticadas por seus servidores públicos.

          Sucede que o direito de investigação não é eternizado, visto que o princípio da prescritibilidade do ato administrativo é o prevalente.

          Quando se trata de investigar infração disciplinar também vigora o princípio da prescrição, inclusive a intercorrente, como amplamente defendido pela doutrina e pelo Poder Judiciário.

          Sucede que a expressão "razoável duração" do processo é indeterminada, visto que não fornece ao operador do direito critérios objetivos para a sua fiel aplicação.

          Portanto, faz-se necessário analisar a expressão "duração razoável" utilizada para o processo administrativo disciplinar.

          A Corte Européia dos Direitos do Homem, como já dito anteriormente, estabeleceu três critérios para avaliar a razoável duração do processo, levando em conta os seguintes fatores: complexidade do assunto; comportamento dos litigantes e de seus procuradores e da atuação do órgão jurisdicional.

          Sobre a complexidade do assunto, ela não desperta grande polêmica no âmbito disciplinar, visto que as infrações são previstas no próprio Estatuto dos Servidores Públicos e as provas são, em sua grande maioria, oral e documental. Em algumas situações, que são raras, pode o caso investigado demandar a produção de prova pericial, que será produzida por um técnico ou especialista indicado pela Comissão Disciplinar. Mesmo nessa última situação, ficará esta incumbida da realização da perícia, na hipótese legal que comportar tal dilação probatória, realizando-se em um curto espaço de tempo, visto que compete ao próprio Poder Público e não à parte investigada, imprimir o devido ritmo legal aos andamentos dos trabalhos.

          Assim sendo, os prazos estabelecidos na Lei nº 8.112/90 (140 dias) para a conclusão e a aplicação da penalidade não serão, em tese, prejudicados pela complexibilidade da apuração, visto que a matéria disciplinar é una e os fatos são apurados quase sempre na repartição pública em que o servidor acusado está lotado, não havendo inclusive dificuldade na produção de prova.

          Sobre o comportamento das partes (poder disciplinar e servidor investigado), em consonância com a regra do respeito ao uso da lealdade e da boa-fé, reconhecidas para todos os tipos de Processos Administrativos Federais (arts. 2º, IV, e 4º, II, da Lei nº 9.784/99), constitui-se dever das mesmas exercer seu mumus sem dilações indevidas. [18] Devendo, via de conseqüência, ser preconizada uma atuação conforme a Lei e o Direito de forma eficiente, que apenas gerem o recebimento de diárias para os integrantes das Comissões Disciplinares, interligadas ao cumprimento do prazo estabelecido para a tramitação e para a conclusão do processo disciplinar (140 dias), pois do contrário este pagamento excedente ao prazo referido é considerado ato ilícito e incompatível com a moralidade pública.

          Assim, não é concebível que na tramitação do processo administrativo disciplinar, o comportamento das partes seja imbuído de má-fé e de descaso com a res publica, uma vez que a utilização da ampla defesa do servidor acusado é um dogma necessário à estabilização da própria situação jurídica investigada, visto que o processo justo exige a busca da verdade real.

          Desta forma, a conjugação eficiente do tempo necessário para a apuração e a aplicação da pena, se a hipótese jurídica assim comportar, não poderá violar ao princípio do contraditório e da ampla defesa do acusado, com a utilização de todos os meios de provas admitidos em direito. Esse transcurso normal do tempo impede que haja pagamento de diárias excedentes aos 140 dias para os componentes da Comissão Disciplinar.

          O Poder Público responsável pela apuração e o servidor público investigado não devem causar dilações indevidas, mas sim agir de forma leal e honesta, direcionada para a busca da verdade real.

          Por fim, a atuação das Autoridades (responsáveis pela apuração dos fatos e pelo respectivo julgamento) deve garantir a liberdade (ampla defesa), justiça (busca da verdade real) e segurança (utilização de todos os meios legais de prova) com uma rapidez que permita a duração normal do processo disciplinar, utilizando-se os necessários meios pessoais e materiais para o atingimento desta finalidade pública.

          A garantia de um processo administrativo eqüitativo tornou-se um princípio fundamental da proeminência do Direito, direcionado tanto para o servidor acusado como para o Poder Público.

          Irineu Cabral Barreto [19] entende como processo eqüitativo: "Um processo eqüitativo exige, como elemento co-natural, que cada uma das partes tenha possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição não inferior à parte contrária, ou, de outro modo, a parte deve deter a garantia de apresentar o seu caso perante o tribunal em condições que a não coloquem em substancial desvantagem face ao seu oponente."

          Desta forma, a causa deve ser examinada num prazo razoável, "elemento essencial para uma boa administração da justiça." [20]

          Com esta finalidade, ou seja, de exigir o respeito à utilização de um prazo razoável a Convenção Européia dos Direitos do Homem sublinha a importância que atribui à uma justiça administrada sem atrasos, que venha a corresponder a sua eficácia e credibilidade, [21] conforme determinação expressa do seu art. 6.1: "Qualquer pessoa tem direito a que a causa seja examinada eqüitativamente e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei..."

          Entre nós, a garantia em questão está também expressamente consagrada no art. 8º, nº 1, [22] do Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil através do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.

          O disposto no art. 5º, LXXVIII, da CF, através da Emenda Constitucional nº 45/2007, foi estabelecido para dar efetividade à duração de prazo razoável nas demandas judiciais e administrativas. É sabido que quanto às demandas judiciais, a expressão "duração razoável" do processo é algo inconclusivo, tendo em vista que a lide forense requer um lapso de tempo prolongado, não podendo ser resolvida em um instante único, em razão dos vários graus de jurisdição e da nem sempre rápida produção de provas e, por vezes em razão da pluralidade das partes. Não sendo, portanto, possível delimitar de maneira precisa e fiel o alcance da norma jurídica sub oculis sem análise do caso concreto colocado sub judice.

          Assim, a indeterminação do aludido conceito ("duração razoável") se não houver uma integração legislativa ficará "esquecida" dentro da lide.

          Sucede que na esfera administrativa tal situação não ocorre, pois mesmo o conceito, como visto, ser indeterminado, a jurisdição é única e não existem todos os recursos colocados à disposição da parte, além do estabelecimento do prazo certo e determinado de 140 (cento e quarenta) dias para a tramitação do processo administrativo disciplinar com a aplicação da penalidade.

          Portanto, não existe, em tese, justificativa legal plausível para que a esfera administrativa deixe de cumprir os prazos previamente estabelecidos, como forma de preconizar uma célere e eficiente apuração.

          In casu, não é necessária a integração da lei para dar efetividade ao preceito constitucional fundamental da celeridade do processo administrativo disciplinar, visto que os Estatutos dos Funcionários Públicos estabelecem o prazo razoável para a sua tramitação, competindo à Administração Pública o ônus da prova. [23]

          Exatamente nesse sentido, extrai-se as seguintes conclusões dos ensinamentos de Irineu Cabral Barreto, membro da Comissão Européia dos Direitos do Homem: "O ‘prazo razoável’ apresenta-se como uma questão facto; por isso, o ônus da prova recai sobre o Estado requerido, incumbindo-se, quando o prazo parecer exorbitante, fornecer as explicações sobre os motivos dos atrasos verificados." [24] -[aspas no original]-

          Aplica-se a presente lição declinada, pela inversão do ônus da prova no prazo disciplinar, visto que é uma obrigação do Poder Público provar inequivocamente a responsabilidade do servidor público investigado/acusado, através de uma lícita e tempestiva produção de prova. Do contrário aplica-se o princípio in dubio pro reo.

          Em decorrência deste novo dispositivo constitucional, o Superior Tribunal de Justiça [25] deferiu habeas corpus impetrado contra a demora no julgamento de revisão criminal que havia ultrapassado o limite razoável a que alude o art. 5º, LXXVIII, CF e ao estabelecido na Convenção Americana dos Direitos Humanos:

          "Processual Penal. Habeas Corpus. Revisão Criminal. Demora no julgamento. Pendência de distribuição. Limite razoável ultrapassado. art. 5º, LXXVIII, da CF, e art. 7º, itens 5 e 6, da Convenção Americana de Direitos Humanos. Precedentes do STF E STJ. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem Concedida. Não se admite o decurso de prazo desarrazoadamente longo para o julgamento de qualquer feito judicial, in casu, Revisão Criminal que, até o momento, não foi sequer distribuída. Constituição Federal, art. 5º, inciso LXXVIII, acrescentado pela EC 45/2004: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) - Item 5: "Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo." Item 6: "Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais." Configura constrangimento ilegal o excesso de prazo injustificado para o julgamento do recurso, sanável via habeas corpus. Ordem concedida." –[itálico e aspas no original]-

          Importante este aresto, visto que o Poder Judiciário, mesmo que timidamente, vem demonstrando certa aversão à duração continuada dos processos, que levam a verdadeira indeterminação para sua conclusão.

          Na esfera administrativa disciplinar é inconcebível tamanha morosidade, que apenas se justifica por uma ineficiência da Administração Pública, que não consegue solucionar em tempo razoável os processos.

          Incumbe à Administração Pública [26] organizar o seu sistema de apuração disciplinar de modo que a sua jurisdição possa garantir ao investigado o cumprimento do fundamental direito de obter uma decisão definitiva com a duração de tempo razoável, sem ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa, estabelecidos no art. 5º, LV, da CF.

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          Compete à Administração Pública, responsável pelo desenvolvimento da apuração administrativa disciplinar criar meios e condições que garantam a celeridade do processo. E não é árdua tal tarefa, visto que ela está interligada apenas a força de trabalho e ao aparelhamento da máquina administrativa, que investe, através do pagamento de diárias rendosas aos membros da Comissão Disciplinar, para a plena e eficaz apuração dos fatos investigados.

          Em assim sendo, o prazo de duração razoável para a conclusão do processo disciplinar federal é de 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a Comissão, podendo ser prorrogado por igual período (art. 152, da Lei nº 8.112/90).

          Na prática, este prazo é totalmente desconsiderado pelas Comissões Disciplinares, como deixamos averbado em outra oportunidade: [27] "O que era para ser célere, pelo princípio da oficialidade, com o término dos trabalhos em até 60 (sessenta) dias, quase sempre é prorrogado por período superior ao previsto, ficando indefinida a conclusão."

          Possuindo no total 120 (cento e vinte) dias para a conclusão do processo administrativo disciplinar, a Comissão Disciplinar deve remeter o feito para a Autoridade julgadora, que possui 20 (vinte) dias, contados do recebimento do mesmo para proferir a sua decisão. Portanto, o prazo de duração razoável estabelecido pelo legislador é de 140 (cento e quarenta) dias, contados a partir da instauração do processo administrativo disciplinar, com a nomeação dos membros que irão compor a Comissão processante.

          Excedido este prazo, sem justo motivo, haverá um ato inconstitucional praticado pelo Poder Público, visto que o disposto no art. 5º, LXXVIII, da CF é uníssono em determinar que a duração do processo administrativo seja em prazo razoável.

          Sobre o excesso de prazo, o professor Hélio Tornaghi já manifestava o seu inconformismo com a indefinição da conclusão de um processo: "Ainda que haja motivo justo, o excesso de prazo não é indefinido."

          Dessa forma, deve a Administração Pública cumprir o que vem estabelecido no art. 5º, LXXVIII, da CF, concluindo e julgando os seus processos disciplinares em até 140 (cento e quarenta) dias, contados da instauração dos mesmos, sob pena de ferir um direito fundamental do servidor público acusado a ser investigado em um prazo de duração razoável, previsto na Lei infraconstitucional.


          IV.– ART. 5º, LXXVIII, DA CF, ESTABELECEU COMO DIREITO FUNDAMENTAL DA PARTE, NO ÂMBITO JUDICIAL E ADMINISTRATIVO, TER A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º, DO ART. 169, DA LEI Nº 8.112/90

          Luigi Ferrajoli [28] define teoricamente direitos fundamentais dos cidadãos como: "son ‘derechos fundamentales’ todos aquellos derechos subjetivos que corresponden universalmente a ‘todos’ los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas com capacidad de obrar, entendiendo por ‘derecho subjetivo’ cualquier expectativa positiva (desprestaciones) o negativa (de no suprir lesiones) adstrita a un sujeto, prevista asimismo por una norma jurídica positiva, como presupuesto de su idoneidad para ser titular de situaciones jurídicas y/o autor de los actos que son ejercicio de éstas." –[aspas no original]-

          A previsão de tais direitos por parte do ordenamento jurídico positivo, é condição de sua existência ou vigência, incorporada a própria essência dos seus destinatários, sendo que a estrutura constitucional institui o Estado de Direito para limitar o Poder Público. [29]

          Assim, os direitos e as garantias fundamentais do cidadão constituem a base da ordem jurídica do Estado, que foi constitucionalizada exatamente para garantir a sua efetividade.

          Não foi em vão que nos idos de 1900, Georg Jellinek asseverou que o conteúdo jurídico dos direitos constitucionais fundamentais era o de limitar o Estado pelas suas disposições. Sendo influenciado, até chegar a esta conclusão, pelo início de sua criação (direitos fundamentais) no final do século XVIII com as Magnas Declarações dos Direitos Humanos estabelecidas pela "Bill of Rights" na América do Norte e a "Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão" de 1789 a 1795.

          A posteriori, a Alemanha, no século XIX teve papel vital no desenvolvimento dessa nova ordem social de exteriorizar os direitos fundamentais do homem, como por exemplo, na Constituição da Baviera e Badende (1818), bem como na Constituição Wurtenburg (1819), e mais tarde na Constituição da Prússia (1850).

          Ao surgir esta necessidade setorizada dos países mais desenvolvidos, o mundo sentiu a necessidade de adotar tais ideais de liberdade para trazer para as suas Constituições a reprodução dos direitos fundamentais do homem, como cláusula indelegável capaz de assegurar a liberdade e a dignidade humana como condição primordial no âmbito do poder estatal.

          Assim, os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição são princípios objetivos [30] básicos para a Administração Pública instituídos como um poder/dever do Estado, destinatário do cumprimento dos mesmos.

          Pertence desde suas origens, até os dias de hoje, os direitos fundamentais não só aos direitos objetivos dos seus destinatários, como ao mesmo tempo ao ordenamento constitucional, com vinculação direita de todo o poder público.

          Como peça básica da Constituição, os direitos fundamentos "son derechos de realização (Gestaltungsrechte) en sentido más comprometido de la palavra" [31] e estão garantidos de maneira absoluta na Constituição, como força de criar submissão tanto ao legislador infraconstitucional com e, sobretudo, a Administração Pública.

          Ou, pela dicção de Peter Häberle, [32] no ordenamento jurídico-constitucional da Lei Fundamental, os direitos fundamentais possuem um duplo significado: valores supremos e garantem o status libertatis.

          Via de conseqüência, os direitos fundamentais penetram na ordem jurídica interna de cada país, que os consagram e protegem, deixando-os imunes a qualquer tipo de violação.

          Em sentido formal eles estão conectados com o nosso direito positivo, como informa Miguel José Faria, [33] para quem: "a) não são suprimíveis pela lei ordinária nem pela vontade das partes; b) são oponíveis ao próprio Estado, o que os caracteriza, em certa medida, como reduto dos cidadãos em relação ao poder político. Aliás, a garantia daqueles direitos é uma das tarefas fundamentais do Estado."

          Sendo certo que o "Estado de direito é o Estado que respeita e cumpre os direitos do homem." [34]

          O moderno Estado Constitucional estabeleceu princípios e normas voltadas ao cumprimento das finalidades dos direitos fundamentais, como forma de constitucionalizar todo o ordenamento jurídico. Convivemos com a segurança constitucional, onde as normas e princípios fundamentais se projetam em todo o sistema jurídico, como forma de estabilizar a relação das pessoas com o Estado.

          Sendo imposições objetivas, os princípios e normas fundamentais, não resta dúvida que o direito à duração de processo administrativo e judicial em um prazo razoável é dever destinado à Administração Pública, que não poderá violá-lo sob pena de grave e inconcebível inconstitucionalidade.

          Em severa e justa crítica sobre o método nem sempre eficiente e imparcial de apuração dos processos administrativos disciplinares, designados pela ilustre Publicista Maria Izabel Pohl Grechinski, [35] como "julgamento político", a mesma estabeleceu a devida conexão do direito administrativo com a Constituição, como evolução "político-social do Estado de Direito": "Após a ‘constitucionalização do direito’, inclusive do Direito Administrativo, como fator de evolução político-jurídico-social do Estado Democrático de Direito, os processos administrativos em geral constituem-se como um procedimento formal sujeito/subordinado às regras e aos princípios constitucionais inerentes e aplicáveis, com vistas a permitir que o servidor acusado possa apresentar defesa técnica e de mérito, livre de coação ou de pressões, fazendo uso dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, com a utilização de todos os meios de prova e recursos a ela inerentes e admitidos em direito. Esta ‘constitucionalização do direito administrativo’ foi extremamente oportuna, ao ser estabelecido pela Carta atual, que instituiu um elenco de regras e princípios que ‘vinculam’ toda a Administração Pública Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal." –[aspas no original]-

          Após estas autorizadas reflexões doutrinárias e jurídicas, não há como se sustentar a constitucionalidade do § 1º, do artigo 169, da Lei nº 8.112/90, que resguarda o julgamento fora do prazo legal, ao ponto de preconizar que "não implica nulidade do processo."

          Com base neste dispositivo legal, tanto o STJ como o STF estabeleceram que o julgamento fora do prazo legal ("razoável duração") não trazem prejuízo para as partes e para o próprio processo disciplinar, convalidando a eficácia do § 1º, do art. 169, da Lei nº 8.112/90, que foi justamente concebido para trazer uma verdadeira "anarquia" jurídica, pois ele é totalmente anti-isonômico, visto que privilegia o Poder Público em seu ato comissivo ou omissivo extrapolador do prazo legalmente estipulado.

          Sucede que, após o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a "razoável duração" do processo disciplinar passou a ser direito fundamental dos servidores públicos investigados, o que significa dizer que não poderá haver injustificada extrapolação dos 140 (cento e quarenta) dias estabelecidos como prazo fatal para o encerramento do respectivo processo administrativo disciplinar.

          Esta mudança de interpretação constitucional invalida o art. 169, § 1º, da Lei nº 8.112/90, que não é mais recepcionado pela nossa Lei Fundamental. O Poder Judiciário deverá determinar, com toda a sua envergadura moral e jurídica, que os Poderes legalmente instituídos cumpram a disposição constitucional da "razoável duração" nos processos administrativos em geral.

          Este posicionamento tão aguardado da jurisprudência e da própria doutrina não podem mais permitir que seja concebido e convalidado um dispositivo legal (§ 1º, art. 169, Lei nº 8.112/90) criado para descumprir os próprios prazos estabelecidos ao Poder Público pelo legislador como forma de humanizar a apuração disciplinar, visto que a lenta tramitação de uma investigação traz um desserviço à própria coletividade.

          Vigorando como direito fundamental do acusado a "razoável duração" do processo disciplinar, não há como não cumprir-se os prazos estabelecidos como limites ao poder investigatório.

          Pela atual constitucionalização do Direito Administrativo, o controle de mérito do ato administrativo discricionário [36] passou a ser adotado pelo Poder Judiciário para justamente combater os excessos destes atos, que atemorizavam a todos os administrados antes da promulgação da atual Lei Fundamental brasileira.

          Desta forma, como direito fundamental do servidor público acusado, a "razoável duração" do processo disciplinar é uma realidade constitucional, capaz de acarretar a preclusão da tramitação do processo se ele extrapolar injustificadamente (sem uma justa causa) o prazo estabelecido na lei para conclusão e aplicação de penalidade (140 dias), perdendo o direito de fazê-lo após o esgotamento desse limite temporal.

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Da Emenda Constitucional nº 45/2004 e seu reflexo no direito fundamental do prazo razoável para a duração de processo administrativo disciplinar.: Inconstitucionalidade do § 1º do art. 169 da Lei nº 8.112/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 963, 21 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8010. Acesso em: 19 dez. 2024.

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