Pandemia mundial e o Direito do Consumidor

Seus direitos no cancelamento de passagens e hospedagens

12/03/2020 às 23:34
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Seus direitos no cancelamento de passagens e hospedagens

Caro leitor (a), este início de ano está sendo daqueles para possivelmente entrar para história. Não por bons motivos ou porque a paz mundial realmente reinará em 2020, o grande nome do ano até agora se chama COVID-19, o vírus surgido da China que em março passou a ser considerado uma pandemia mundial pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

Bolsas de valores estão despencando ao redor do mundo, fronteiras sendo fechadas e empresas de hospedagem e transporte estão sofrendo prejuízos incalculáveis.

E é a partir daí que nosso artigo inicia, segundo dados, o prejuízo global para empresas do setor aéreo pode chegar a US$ 113 bilhões, fora o impacto para o setor hoteleiro e turístico de todos os países, principalmente os da Europa. Não é incomum ouvirmos que empresas do ramo estão anunciando férias coletivas para minimizar suas perdas.

Nesta esteira, temos milhares de consumidores que adquiriram passagens principalmente para o velho continente antes mesmo de saberem da existência de um vírus que ganharia proporções mundiais.

Muitos viajantes para obter preços mais atraentes, acabam reservando suas passagens, hotéis e passeios com bastante antecedência, o que torna impossível a previsibilidade do cancelamento da viagem, principalmente por uma pandemia global que surge em poucos meses.

Com a data da viagem chegando e o surto sem qualquer sinal de melhora, como fica o direito do consumidor junto esta empresa? Prevalece a política de cancelamento da empresa, prioriza-se a saúde do consumidor ignorando a perda do lucro da companhia?

Pois bem, inicialmente, o melhor caminho que devemos adotar é procurar junto as companhias contratadas, seja ela a de transporte aéreo, o hotel ou mesmo as de passeio, se estão com alguma política de cancelamento diferenciada por conta do surto.

Muitas companhias estão adotando medidas especiais por conta do vírus e desconsiderando o contrato pactuado que geralmente prevê pouca ou quase nenhum reembolso para o reagendamento ou cancelamento de viagens.

Mas e quando a empresa não adota qualquer medida diferenciada sobre o cancelamento, ou oferece uma opção totalmente inviável para o consumidor?

Muitas companhias aéreas, estão oferecendo a remarcação sem o pagamento de qualquer multa, algumas estão concedendo vouchers para viagem em outro momento, mas dificilmente vemos alguma empresa ofertar a devolução do valor pago em sua integralidade, o que se torna totalmente inviável para clientes que precisam comparecer em certo local para certo evento, para este consumidor, viajar em outra época em nada lhe adiantaria.

Mas afinal, qual atitude correta da empresa caso o cliente queira cancelar uma passagem e obter seu dinheiro de volta?

Segundo a coordenadoria de atendimento do Procon-SP, caso o passageiro não chegue a um acordo com a companhia aérea, deveria ser feito o registro de uma reclamação formal diretamente no órgão, que tem interpretado o caso a luz do código de defesa do consumidor.

Já para a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), os passageiros estão sujeitos as regras contidas no bilhete aéreo, ou seja, prevalece o que foi acordado com a empresa inicialmente independente de quando foi feita a compra da passagem.

Segundo o MPF (Ministério Público Federal), "a exigência de taxas e multas em situações como a atual, de emergência mundial em saúde, é prática abusiva e proibida pelo Código de Defesa do Consumidor". 

Finalmente, segundo a lei 8.078/90, o código de defesa do consumidor, mais precisamente em seu artigo 6º, fica considerado como direito básico do consumidor, a proteção a vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.

Não podemos afastar ainda, o que determina o artigo 49 do código de defesa do consumidor que autoriza o cliente a desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio, o que hoje em dia tem sido comum, principalmente na compra de passagens.

Nesta última esteira, consideramos que o cancelamento de uma passagem com certo prazo, ainda que após os sete primeiros dias da compra, não geraria prejuízo a empresa, uma vez que esta poderia colocar novamente o assento a venda para terceiros. Nosso pensamento é o mesmo quando falamos de hospedagem e compra de passeios.

Retornando ao artigo 6º, temos claramente que o código consumerista visa proteger o consumidor quando da prestação de serviço, pode ensejar perigo a sua vida, saúde ou segurança, tendo este como garantia esta proteção.

Verticalizando acerca da temática, buscamos lastro no código civil, onde em seu artigo 393, temos que o devedor não será responsabilizado pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não for ele responsável pela sua causa.

O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Diante disto, temos certamente que nem o consumidor e tão pouco a companhia aérea pretendiam causar o estado de pânico que vivemos hoje em nível mundial.

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Aprofundando ainda mais sobre o tema, vale mencionar que nas relações de consumo, considera-se o consumidor como vulnerável em relação ao fornecedor do produto ou serviço e consideramos ainda para tecer nossa conclusão mais adiante, a teoria do risco do negócio ou da atividade.

Esta última, encontra lastro nos riscos que certa atividade possui inerentes a sua própria existência. Por exemplo, para uma seguradora, o sinistro nada mais é que algo inerente a sua própria atividade, pode acontecer como pode não acontecer, maximizando o lucro das seguradoras, sendo este o risco do próprio empreendimento.

Após a apresentação de todos os conceitos e fundamentos acima, entendemos que diante da situação atual, principalmente após declaração da OMS em considerar o COVID-19 como uma pandemia de nível mundial, temos que o consumidor que adquiriu sua passagem antes das proporções atuais, deve ter preservado seu direito a restituição integral da passagem, hospedagem ou passeio comprado.

Consideramos ainda, que o consumidor que venha a adquirir uma passagem hoje, após as proporções da epidemia estarem nos níveis que estão, que este estaria contribuindo com o próprio risco e a possibilidade de restituição integral neste caso não seria possível uma vez que o quadro motivador do cancelamento e pedido de restituição integral do valor já estava configurado no momento da aquisição da passagem.

Mas qual seria o momento correto em que o consumidor teria o direito ou não a restituição integral? Apenas com a declaração de que a pandemia teria atingido um nível mundial? 

A resposta desta indagação é mais complexa e depende de maior análise de cada situação, afinal ainda que não veja com bons olhos ficarmos presos a declaração de órgãos sobre certas crises para obter ou não certo direito, não podemos simplesmente deixar de lado a recomendação destes.

O melhor nesta hipótese, segundo nosso pensamento, é interpretar a luz de cada situação, considerando principalmente o critério da razoabilidade e a motivação do consumidor no ato de compra da passagem, juntamente com os dados estatísticos atuais e orientação dos órgãos oficiais de saúde no momento de compra da passagem e posterior pedido de restituição integral.

Philipe Monteiro Cardoso | [email protected]

Advogado, Sócio fundador no escritório de Advocacia Cardoso & Advogados, Autor, Pós Graduando em Direito Civil pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva.

Sobre o autor
Philipe Monteiro Cardoso

Advogado, Sócio fundador no escritório de Advocacia Cardoso & Advogados, Autor, Pós Graduando em Direito Civil pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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