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As novíssimas reformas do Código de Processo Civil:

um novo olhar, um novo horizonte

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06/03/2006 às 00:00
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3 LEI N. 11.276/05 – ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA FAZ ACADEMIA E GANHA FORÇA

          A Lei n. 11.276/05 altera somente um dispositivo, mas seu curto texto não engana: provocará uma reviravolta no processo civil brasileiro. Traz a lume o art. 285-A do CPC, que diz:

          Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

          Ou seja: o juiz pode, com esta regra, rejeitar petição inicial com base em matéria de mérito. Antes, somente era possível ao juiz proceder à rejeição peça inaugural baseado em questões processuais (12). Hoje, com base em reiterados julgamentos do juízo, pode rejeitar a petição inicial lastreado em matéria meritória.

          Cumpre salientar que se valerá de várias decisões do juízo incidentes sobre a matéria posta em causa. Isso significa dizer que pode tomar por base as sentenças de outros colegas da comarca de julgam a matéria. Segundo Ada Pellegrini Grinover e outros (1993), juízo significa os limites de uma comarca, a circunscrição judiciária em que os vários juízes da matéria prestam jurisdição, podendo englobar várias cidades. Tem o signo foro como sinônimo.

          Assim, é possível hoje a consolidação de uma espécie de "banca de ‘jurisprudência’" local que pode servir de fonte criadora do direito. Nunca antes, na história do direito pátrio, se conferiu tamanha força às decisões de primeiro grau, a ponto de permitir que as decisões de primeira instância possam ser paradigmas jurisprudenciais (por que não?) ao trato de certas matérias.

          Não será difícil imaginar a formação de regiões de um Estado em que o pensamento jurídico é de uma forma, e outras em que o pensamento jurídico é diverso. Antes, se dizia: "Este TJ deste Estado pensa assim, aquele, assado." Hoje, além disso, ter-se-á de admitir, por força de tal regra, a seguinte premissa: "A região norte do Estado "X" pensa assim, já na leste, o pensamento é outro, e na Capital, as coisas mudam de figura." No mínimo inédito, não?...

          Só que essa regra pode gerar abusos de toda ordem, especialmente nos casos em que é possível escolher uma das várias comarcas à ação. Por exemplo: um contribuinte quer discutir certa matéria tributária contra um determinado Estado-membro da Federação. Poderá fazer uso de qualquer comarca do território deste ente que melhor se adapte aos seus interesses.

          Tanto nas experiências judiciais de países que seguem o modelo do "comon law", como nas experiências jurídicas dos países que seguem o modelo romano-germânico do "civil law", nunca a força do poder local dos juízes foi tamanha do que esta proposta. Se avançarmos na matéria, poderemos ter as súmulas dos juízos das varas do Foro Central de Porto Alegre, as súmulas do juízo de Lajeado/RS e, inclusive, as súmulas do juízo de Gaurama/RS. Não é nada mais do que o Poder Legislativo delegando sua competência primária de legislar ao Poder Judiciário, em um verdadeiro e autêntico "cheque em branco".

          Dispõe o § 1º do referido diploma: "Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação." Assim, fica-se com uma inegável falta de igualdade processual: quando o juiz rejeitar a petição inicial com base em questões processuais, terá 48h (quarenta e oito horas) para se retratar – art. 296 do CPC (13). Quanto rejeitá-la por questões de mérito, na forma do art. 285-A do CPC, terá 5 (cinco) dias para se retratar. Faltou, aqui, sistematização dos prazos, a fim de igualá-los.


4 LEI N. 11.277/05 – MAIS MUDANÇAS NOS RECURSOS – PARA NÃO FUGIR DA REGRA

          Por fim, a Lei n. 11.277/05 traz, na onda das outras reformas do CPC, mudanças em âmbito de recursos. Nenhuma das anteriores reformas deixou incólume esta parte do CPC, todas com o fito de restringir ao máximo a possibilidade de acesso aos Tribunais.

          As primeiras alterações não são significativas, quase que aparelhando uma melhor redação e dando novos substratos às atividades de cartório. Como exemplo: com as inovações trazidas pela regra em questão, basta a publicação do dispositivo da decisão a fim de intimar as partes, fato que era costumeiro na prática forense (art. 506, inciso III, do CPC – nova redação).

          Regra interessante é a do art. 515, § 4o: "Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação." Ou seja, aumentou-se em mais um os casos de supressão de instância; por outro lado, ganhou-se me celeridade. Diante da regra exposta, muitos entendimentos deverão ser refeitos, como é o caso da possibilidade de o Tribunal mandar sanar representação judicial (art. 13 do CPC). Antes, a jurisprudência entendia (14) que eventual defeito no instrumento de mandato somente poderia ser sanado em primeira instância (Nery, 1997). Com a nova redação dada ao art. 515, tal raciocínio deverá ser reformulado.

          Como desfecho tem-se:

          Art. 518 [...] § 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

          § 2º Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso."

          Ou seja, o juízo de prelibação com base em súmula do STF e do STJ foi ampliado ao juízo de primeiro grau, o que antes era conferido somente ao relator ou à Câmara, à Turma, ao Grupo,..., quando do julgamento. Reforça-se, nitidamente, o poder (normativo) das súmulas do STF e STJ, na linha das disposições da Emenda Constitucional n. 45/04.

          Perdeu o legislador a oportunidade ampliar essa faculdade quanto às súmulas do TSE e do TST, por exemplo, ambos, tais qual o STJ, Tribunais Superiores. Mas, acredita-se que se poderá valer da analogia para tal mister, podendo o magistrado deixar de receber o recurso baseado em súmula de qualquer Tribunal Superior.

          Em derradeiro, cabe referir que os poderes de prelibação do juiz de primeiro grau são diminutos em face aos do relator: pois este, além dos casos previstos na regra supracitada, pode não conhecer de recurso com base em jurisprudência dominante ou súmula do próprio Tribunal, faculdade não estendida ao juiz de primeiro grau.


CONCLUSÃO

          Cada reforma tem nítida finalidade de compelir, cada vez mais, o sincretismo processual. Muitas vezes, como foi o caso, as reformas possuem foco diminuto: voltado somente ao objeto que se propõe, perdendo a visão sistêmica, tão necessária em âmbito de reforma, o que causa atropelos e incongruências.

          Mas, ao revés, os avanços que as reformas trouxeram foram inegavelmente proveitosos. E a certeza do que importa realmente está nas palavras de Sr. Francesco Carnelutti: "Certamente nossa leis processuais não são perfeitas, porém, em primeiro lugar, são bastante menos más do que se diz; em segundo lugar, ainda que fossem muito melhores, as coisas não andariam melhor, pois o defeito está, muito mais que nas leis, nos homens e nas coisas".


NOTAS

          1.Como por exemplo: "Lei do Divórcio" (Lei n. 6.515/77), "Leis do Concubinato" e da "União Estável" (Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, respectivamente).

          2.Paradigma, aqui, é entendido como modelo de solução.

          3.Para nos valermos da expressão de Marinoni (2005).

          4.Em verdade, o "jurisdicium" acaba com a decisão final transitada em julgado, que não necessariamente se perfaz por meio de sentença, mas também de acórdão, caso haja recurso das partes ou reexame necessário.

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          5.A teoria da exceção do contrato não cumprido afirma que os contratos são feitos para terem fiel e inteiro cumprimento; uma parte, de fato, não poderá exigir de uma outra o cumprimento da sua obrigação quando quem o está a exigir ainda não cumpriu o seu dever (Venosa, 2002).

          6.Cabe referir que o inciso III do art. 520 foi revogado pelo Lei n. 11.232/05, fazendo submergir qualquer possibilidade de apelação nesse sentido, como antes previsto.

          7."As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação no seu termo não poderão ser superiores a 2% do valor da prestação."

          8.Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.

          9.Cabe referir que, segundo Ovídio Baptisda da Silva (1998), o CPC adotou inegavelmente a Teoria Eclética da Ação de Liebman. Mas, para o ponto específico sobre o qual se discorre, a separação dos planos processual/material, que para a teoria do autor italiano citado é relativa, passa, ao que tudo indica, para o lado absoluto, uma vez que a relatividade desta teoria somente é percebida no tocante às condições da ação, não no tocante ao ponto versado. Aliás, há quem sustente que o processo civil deveria ter adotado, como teoria correta, a abstrata. De qualquer sorte, não é o viés principal do estudo. Fica somente a citação.

          10.Sobre a interpretação sistêmica (ou sistemática) do Direito, conferir obra de Juarez Freitas (1995) nesse sentido.

          11.Ver Theodoro Jr. (2002) e Araken de Assis (2004).

          12.Claro que o juiz poderia rejeitar a petição inicial baseado na falta evidente de uma das condições da ação que, em verdade, confundem-se com o mérito da causa (Ovídio, 1998). Mas, de qualquer sorte, deixa-se esta peculiaridade de lado para fins desse apanhado.

          13."Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de quarenta e oito horas, reformar sua decisão."

          14.TJPR – AgravReg 0119399-3/01 – (21712) – Araucária – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Ruy Fernando de Oliveira – DJPR 17.06.2002; TAMG – AP 0343107-4 – (50566) – Ipanema – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Quintino do Prado – J. 27.09.2001)JCLT.606.


BIBLIOGRAFIA

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          MARTINS-COSTA, Judith Hoffmeister. A boa-fé no direito privado. 1. ed. São Paulo: RT, 2. tiragem, 2000.

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          MONTEIRO, Washington de Barros Curso de direito civil - Direito das obrigações, 2ª parte, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 1987.

          NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

          PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

          SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1994.

          SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 1998, vol. 1.

          THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. 21. ed. São Paulo: Leud, 2002.

          VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.

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Sobre o autor
Juliano Heinen

Procurador do Estado do RS; Mestre em Direito/UNISC; Professor de pós-graduação e graduação em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HEINEN, Juliano. As novíssimas reformas do Código de Processo Civil:: um novo olhar, um novo horizonte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 978, 6 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8048. Acesso em: 24 abr. 2024.

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