Capa da publicação Há de se divisar as árvores da floresta. Ao término do jogo, o rei e o peão voltam para a mesma caixa
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Há de se divisar as árvores da floresta.

Ao término do jogo, o rei e o peão voltam para a mesma caixa

01/04/2020 às 12:29
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Nesses tempos de exceção, é preciso focar naquilo que realmente importa: a saúde das pessoas. Gracejos do chefe do Executivo apenas confundem seus seguidores expondo toda a população. Suas atitudes comissivas trazem insegurança e fragilidade ao Estado.

Embora do alto pareça, nem toda flora é formada de um tipo só de arvoredos. É preciso se aproximar delas para observá-las e então identificar traços que as individualize. O formato brasileiro de governo é assim: parece ser igual aos seus pares, mas não o é. Sobretudo, atualmente. Mister aterrissar e passear entre as vicissitudes locais a fim de ser tirado o melhor que cada árvore tem para oferecer. Ao longo dos processos eleitorais das últimas décadas, observou-se uma grande alternância ideológica do poder. Isso é saudável à democracia. Malgrado, em cada etapa delas, houve diferenças no enfrentamento de crises até de ordem mundial, como a depressão econômica de 2009, 2014- 2016 somado ao processo de impeachment que se caracterizou em profunda crise política, até 2020 chegar acompanhado de uma grave crise biológica com o rápido e destrutivo avanço do Covid-19.

No período hodierno de isolamento forçado, objetivando conter o avanço da pandemia, importa refletir o que se espera do futuro e como ele pode ser melhor aos anseios da sociedade. Nesse interim, em leve viajem às origens, desembarca-se em um momento de dança cujo fenômeno tem um papel importante numa sociedade tribal. A partir dela, há a expressão linguística sobre o que se vive. Nesse sentido, os corpos misturam-se a signos que são tomados de um significado com típica abstração semiótica de Pierce de primeiro nível e ao mesmo tempo envolve os dançarinos de percepções (segundo patamar) cuja interpretação (terceiridade) sugere integração racial, cultural, embora nem todos tenham a mesma origem.

Numa perspectiva utópica, porém não impossível, pode-se imaginar que em tempo de guerra, como a travada contra essa doença invisível e letal, todos poderiam dar as mãos e dançar contra a ameaça destinada a todos, independente de crença ideológica, social ou religiosa. Refere-se aqui a dança tribal maoris Haka, procedente entre a Polinésia e a Nova Zelândia, que tinha por embalo uma canção chamada Ka Mate (é a morte) cujo produto oferece um triunfo da vida sobre a morte. Conta-se que ela fora criada pelo Chefe Maori Te Rauparaha, em 1820, após escaparem de uma tribo inimiga. Assim, comemora- se o triunfo da existência frente a ameaça do fim. O Brasil precisa formar a sua dança e o seu líder precisa dar a primeira nota.

O mundo enfrenta uma pandemia em um formato de guerra biológica onde pessoas se isolam a fim de combater um inodoro letal. Instituições públicas e privadas deram as mãos em corrente de ajuda com o fiel escopo salvador. O objetivo da dança tribal maoris, ao final da batalha, será o hino de vitória do planeta terra sob a morte. Entretanto, sobressalte-se a árvore Brasil a fim de ser analisado como está se comportando em meio a floresta do mundo.

Morar no interior traz muitas lições práticas. Ao se encontrar premido da necessidade de trafegar pelas ruelas simples de um lugarejo, comum se deparar com uma boiada. Se cada animal for o senhor do seu caminho, haverá imensa dispersão e perigo para os que com eles se encontrarem. Malgrado, por mais distante ou distraído, caso haja um condutor – e não necessariamente o melhor – ainda que alguns saiam da diretriz apontada, rapidamente retornam, chegando até o percurso final com relativa ordem.

A sociedade brasileira encontra-se anencefálica. Sem viabilidade de sobrevida. A Pátria mãe gentil está ao som de dolorosas contrações. Sente profundamente os males a ela acometidos. O gigante pela própria natureza está se transformando em um rato cujo habit de costume combina práticas de higiene insustentáveis à saúde social. Diante de indiscutível necessidade de resguardo da população frente à dura ameaça à saúde mundial, o pastor messiânico ao invés de vir para salvar os nacionais, instiga inconveniente debate político- ideológico, desvirtuando sobre o mais importante: a saúde dos brasileiros.

Faz isso quando atenta contra o primário fundamento do Estado do bem estar social ao estimular seus seguidores a dirigir-se contra as instituições democráticas ao rebaixando-as em tom de crítica com vazio significado. E não só isso. Ultraja as instruções dos centros de pesquisa em saúde, desconsiderando seus conselhos, fomentando escárnios quanto as medidas, prudentemente, tomadas pelos governos locais, indo ao inverso do fluxo mundial, convidando as populações locais ao mundo mágico, levantando-os ao desrespeito geral em nome do interesse econômico.

A jocosidade dos conselhos e comparações presidenciais beiram a malícia trágico-cômica nunca outrora vista. Seus discursos diacríticos são automaticamente admirados por seus fiéis que se tornam hermeticamente fechados a quaisquer esclarecimentos contrários, transformando-os em verdadeiros zumbis inauditos, aptos ao sacrifício do bem mais fundamental de todos: a vida. Passa de largo lógica fundamental econômica: como entender consumo sem consumidor? Prestação de serviço sem a empresa? Indaga-se para que ou quem servirá o patrimônio sem ser usufruído pelo dono que jaz?

Talvez se este texto estivesse sendo escrito por volta do ano de 2050, a unidade temática deste parágrafo já não tivesse nenhum sentido. Atendendo precipuamente o interesse econômico, uma vez havendo harmoniosa convivência entre humanos e super-humanos, a tese defendida poderia ser a da preservação dos enfraquecidos seres carnais com progressiva substituição por robôs com avançada inteligência artificial.

Enquanto estamos em 2020 e o referido futuro não chegou. Está-se quase formando nova doutrina quando, de forma injuriosa, defender-se a aplicação do estado de necessidade social (semelhante ao art. 24, caput e § 2o do Código Repressivo Penal) quando o agente se depare, imagine-se, em meio a decisão de proteger a vida de um infante que indefeso atravessa à frente de sua vermelha e brilhante Ferrari mais moderna. Neste caso hipotético, pensa o motorista estar albergado na excludente de ilicitude de Estado de Necessidade, já que sendo o carro com valor internacionalmente reverenciado, não seria razoável perdê-lo para salvar uma traiçoeira e desconhecida criança. Mutatis mutandi esta é a ideia defendida pelo governo atual e seus seguidores: sacrifique-se a vida em nome do patrimônio em salvaguarda a sobrevivência.

Em fins do século XIX para as primeiras décadas do século XX, o Brasil vivia sob a égide da doutrinariamente chamada de Constituição Polícia. Nela havia por parte do Estado a garantia à segurança individual, à liberdade, sem obviamente deixar de garantir a propriedade, conforme deixa claro o art. 72 da Constituição Federal de 1891. A república houvera sido proclamada em 1889 e seu funcionamento era a preocupação imanente delineada nos primeiros artigos do referido Digesto até o artigo 69 onde há a lembrança de se passar a tratar do destinatário real da norma: as pessoas. Ela foi a primeira norma superior editada após o pensamento iluminista eclodido da Revolução Francesa de 1799, movimento liberal, antropocêntrico e burguês. Nesta época o Direito local codificado e erudito ganhava grande monta, uma vez, claro, seguindo toda a linha conservadora com a estilística europeia.

Em um momento de vertigem, fita-se o olhar como estando o Brasil anacronicamente retornado a esta principiante época. Não se festejava a dignidade da pessoa humana desenvolvida por Immanuel Kant, cuja defesa do homem como um fim em si mesmo, contrastava com as teorias econômicas de Adam Smith, cujo ideário de produção em seu aspecto social estava na capacidade laborativa dos homens, assim sendo, o valor proporcional de cada indivíduo estava diretamente ligado ao quanto produzisse de riqueza para o senhor de engenho moderno. Para o pai do liberalismo, o trabalho era um “direito natural”, assemelhado a vida. Nessa toada, trazendo de volta o exemplo alhures, Locke, como condutor, defenderia a Ferrari em detrimento à vida do menor em perigo, alicerçado na pura ética do sistema liberal. Ao se admitir que alguns devem morrer para a economia não perecer, está-se colocando em mesmo nível como fundamental a vida e o patrimônio.

Retornando na carona da “máquina do futuro”, tem-se a Constituição Feral de 1988 que apresenta como preocupação inicial o bem estar social e tem na pessoa, em si considerada, os holofotes do seu olhar. Se é assim, não se pode olvidar a obrigação positiva do Estado Brasileiro de socorrer seu povo a contento. Deve indiscutivelmente haver a reunião dos Poderes da República a fim de amparar e não amputar os compatriotas. Não é com arrocho econômico, cortes de remuneração, pânico, ou um sem número de panacéias de terror fétidas como a arruda, cuja mágica acredita-se acabar com todos os males, que haverá a vitória frente ao combate do Corona vírus.

Rume-se adiante ao tabuleiro do xadrez então, coloque-se as peças na mesa para entender o valor que cada uma tem. Nesse jogo de xadrez o rei (o Estado) tem o dever de proteção, já que ele é o mais importante, envida esforços no resguardo dos seus peões (população) com políticas afirmativas a fim de minorar o fosso econômico atual e ser relutante na defesa das instituições a fim de o Estado-rei ser cada vez mais forte, uma vez que, pode parecer tosca a escolha democrática feita por uns, outros a festejam. O fato é que o voto irradia em todos e é certo que o rei não pode ser trocado durante uma partida, como houve no Brasil em passado sombrio e recente. Se for de haver o xeque este deverá se dar no campo dos debates, para então ser do o xaque-mate nas urnas.

A dama (ministros e auxiliares) é a peça mais forte na condução, jogando ao lado do Rei no armagedon político. Não à toa, observa-se sui generis protagonismo do Ministro da Economia, bem como a dicotomia, à larga vista, estabelecida entre o Presidente da República e o Ministro da Saúde na condução do enfrentamento ao Corona. De toda forma, ambos, caminham melhor sob a proteção das torres (Direito) com valor tático e estratégico na guarida da dignidade da pessoa humana como passo último neste tabuleiro (cenário atual). Excepcionalmente, cabe à torre (Direito aplicado pelos Tribunais, instituições do Estado e não de governo) um “roque” (pular o monarca) e isso é seu dever, sobretudo quando o soberano se expõe demasiadamente colocando em perigo toda a tropa (sociedade).

Por vezes, tem-se a impressão de o caso brasileiro ser o dito por Aristóteles Onassis: “A partir de um certo ponto, o dinheiro deixa de ser o objetivo. O interessante é o jogo”. Isso se parece com a brincadeira ideológica atual, como quebra de braço interminável que desfoca dos problemas centrais cuja resolução exige pressa.

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Por fim, o cavalo (executores das medidas estatais/instituições) deve empreender o seu mister com toda força, desbravando os limites pelo bem servir ao público. Ressalte-se que jogadores (gestores) inexperientes normalmente temem o cavalo (instituições executoras) ou desprezam a proteção da torre (Direito), por não compreenderem o modo de seu imparcial funcionamento. Por isso, vivem tentando a “tática do garfo” (ataques multilaterais) em que se doutrina os peões (cidadãos) no sentido de atacar os seus próprios cavalos e torres ao invés de seguir lutando contra os seus preclaros inimigos (mazelas sociais), conduzindo-os ao parecerem “homens bombas”.

Problemas no xadrez são tão antigos quanto o próprio jogo. Ou seja, casos excepcionais como o que o mundo enfrenta existe desde que o pecado passou a existir. Para isso, existe o “nightrider”, peça que tem o seu potente movimento, porém seu uso é exclusivo em situações limites. É essa peça que o governo brasileiro precisa utilizar para o jogo não colapsar. É preciso assumir o risco senão jamais se poderá ganhar uma partida.

Urge saltar à frente: “o jogador que leva vantagem deve atacar ou perderá a dita vantagem” (W. Steinitz). Apesar dessa célebre frase do ex campeão mundial de xadrez, ele embora muito inteligente, como característica de tais esportistas, reconhece que “a mente humana é limitada”, ao passo que “a estupidez humana é ilimitada”. Dessarte, sendo andarilho do óbvio em uníssono, o Brasil deve abandonar o complexo de inferioridade tradicional que o faz sentir menor e os hodiernos espasmos cômicos para ser levado a sério pelo País e pelo mundo. Não há tempo a perder. Assim diz o hino pátrio: “és belo, és forte, impávido, colosso”, logo o futuro do Brasil deve espelhar essa grandeza e não essa iminente torpeza que se aflora. Teme-se, porém, em concordar com Darci Ribeiro quando defende que a história não muda, o que ocorre são as trocas de cadeiras porque os senhores continuam os mesmos.

Por fecho, trago o excêntrico dramaturgo Nelson Rodrigues, nascido no início do século XX, em 1912, vindo a falecer quase em seu crepúsculo em 1980. Dentre esses intensos anos de vida, em que produziu diversas frases inesquecíveis, pinço uma não tão conhecida mais bem adequada a difusão frente aos dias atuais: “qualquer indivíduo é mais importante do que toda Via Láctea”. De forma intrínseca, o teor dessa frase, só pode ser sentida pelo seu autor no final de sua vida quando um de seus filhos foi preso e cruelmente torturado pelo regime militar de Medici tão elogiado por ele. Como diz minha mãe: “se o ensino não vem pelo amor, de toda maneira virá, nem que seja pela dor”.

Espera-se do brasileiro e seus representantes entenderem, sem maiores tragédias com perdas insubstituíveis, que ao final do jogo todos somos brasileiros e moramos no mesmo planeta terra, tanto reis quanto peões devem, todos, agir em prol do bem comum, pois todos voltam para mesma caixa, ou seja ambos residem no mesmo país e planeta terra. E deixa-se o debate, a posteriori, momento em que serão colocados os “pingos nos is”, no tempo oportuno: nas urnas

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Sobre a autora
Polyana Lígia Layme

Analista Judiciário-área judiciária do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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