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Crimes na lei de gestão de florestas públicas

(Lei nº 11.284/2006)

Leia nesta página:

O Presidente da República sancionou e fez publicar em 3 de março último, a Lei nº 11.284, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável, além de criar órgão e fundo nacional, concretizando auspícios de seu programa de governo, no afã de impedir o avanço da devastação da cobertura florestal nacional.

No bojo da norma legal, há três previsões de tipos penais, a saber:

"Art. 60. O ex-dirigente do SFB, durante os 12 (doze) meses seguintes ao seu desligamento do cargo, estará impedido de prestar, direta ou indiretamente, independentemente da forma ou natureza do contrato, qualquer tipo de serviço às pessoas jurídicas concessionárias, sob regulamentação ou fiscalização do SFB, inclusive controladas, coligadas ou subsidiárias.

Parágrafo único. Incorre na prática de advocacia administrativa, sujeitando-se o infrator às penas previstas no art. 321 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o ex-dirigente do SFB que descumprir o disposto no caput deste artigo.

[...]

Art. 82. A Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 50-A e 69-A:

"Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.

§ 1o Não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família.

§ 2o Se a área explorada for superior a 1.000 ha (mil hectares), a pena será aumentada de 1 (um) ano por milhar de hectare."

"Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1o Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa."

A primeira previsão alarga o conteúdo penal do tipo previsto originalmente no artigo 321 do Código Penal, que cuida do delito de nomen iuris advocacia administrativa, que prevê a conduta que, para Damásio E. de Jesus "consiste em o funcionário público patrocinar interesse de outrem. Patrocinar significa pleitear, advogar, facilitar etc. É necessário que se aproveite das condições e facilidades que o exercício da função lhe proporciona." [01]

A nova lei criminaliza a violação à imposição da chamada ´´quarentena´´, aplicável aos ocupantes de cargos públicos, e que foi constitucionalizada pela Emenda nº 45, que tratou da reforma do Judiciário, ao impor aos ex-membros da magistratura e do Ministério Público, a obrigação de não advogarem perante o juízo onde exerciam suas funções, pelo período de três anos contados da data do desligamento [02].

Assim, o ex-dirigente do Serviço Florestal Brasileiro – órgão da estrutura do Ministério do Meio Ambiente, cf. art.54 da lei – ocupante do cargo de diretor ou diretor-geral – art.56, § 1º –, após desligar-se do cargo, ficará impedido, pelo estreito período de doze meses, de prestar serviços, sob qualquer modalidade, às pessoas jurídicas concessionárias das florestas. Salutar a disposição, embora não se adeqüe fielmente à hipótese típica do artigo 321 do Código Penal, que prevê a prática da conduta não por pessoa que tenha feito parte do serviço público, mas por aquele que ainda se encontre sob o vínculo público, enquanto funcionário público – conceito lato, a teor das disposições do artigo 327, do Código Penal –, em razão de que neste caso, estaria o agente violando os deveres assumidos para com a Administração Pública, mote e ratio mesmo do dispositivo da lei penal.

Talvez fosse o caso não de equiparar a violação à ´´quarentena´´ ora estipulada ao tipo penal de advocacia administrativa, por possuir este contornos próprios, mas sim criar-se um delito específico, pois com isso não se quebraria a harmonia, tão frágil e delicada, do sistema penal positivo.

Mas, essa não é a única crítica que merece o legislador, como se verá.

O segundo delito, inserido na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 – que "dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente" – sob a ordenação 50-A, da seção dos crimes contra a flora, tipifica a conduta de quem "desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente", com a imposição da severa pena de reclusão de dois a quatro anos – na citada seção apenas o delito de causar incêndio merece idêntica pena, visto que todos os demais ficam entre as balizas de um mês a três anos, mas de detenção, a qual sabe-se só poder ser executada a partir do regime semi-aberto (art.33, CP).

Essa previsão vem no sentido de preencher-se uma lacuna normativa, visto que até então referida conduta, que de fato merece uma resposta penal mais severa por atingir terras públicas – bens públicos – ou devolutas – mais sujeitas à ataques –, seria tipificada pela norma do artigo 50 da Lei nº 9.605/98, que prevê a pena de três meses a um ano de detenção.

O § 1º do dispositivo traz norma excludente de ilicitude, se a conduta for praticada "quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família". Entendo que apenas na hipótese típica de "explorar economicamente" é que tal conduta seria enquadrável na excludente, visto que não é fácil caracterizar como necessário à subsistência pessoal ou familiar o desmatamento ou degradação, salvo, nesta primeira hipótese, se prévia à exploração econômica, é dizer, desmatou para em seguida fazer plantio.

Já o § 2º traz inovadora, e com certeza causadora de polêmica, regra de apenação, visto rezar que "se a área explorada for superior a 1.000 ha (mil hectares), a pena será aumentada de 1 (um) ano por milhar de hectare". Assim, se o agente, em sua fúria lesiva à floresta pública ou devoluta, atingir, ad exemplum, área de 50 mil hectares – equivalente a 500 mil metros quadrados, visto um hectare ser igual a 10 mil metros quadrados –, mereceria a pena de 52 anos de reclusão, o que vai fora do limite previsto pelo Código Penal em seu artigo 75, excedendo qualquer outra norma contida nos preceitos secundários dos tipos penais brasileiros, que encontram, no tipo de extorsão mediante sequestro com resultado morte [03], os patamares fixados entre 24 e 30 anos de reclusão, como sendo o cume sancionatório pátrio.

Melhor seria o legislador não demonstrar desconhecimento do sistema normativo penal em vigor, e ter fixado o limite de 30 anos, como máximo apenatório para referida conduta, com o que teríamos norma mais consentânea com as demais regras aplicáveis.

O terceiro e último dispositivo penal criado pela lei de gestão de florestas públicas, é aquele inserido sob o número 69-A, na seção que cuida dos crimes contra a administração ambiental, também da Lei nº 9.605/98, com a previsão de aplicação da pena de três a seis anos de reclusão, à conduta que se subsumir na hipótese de "elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão".

Transportando-nos para o capítulo do Código Penal que trata da falsidade documental, de logo se percebe a inovação do legislador ao falar do documento ´´enganoso´´, visto que tal conceito é desconhecido entre os dispositivos ali arrolados, que apenas fazem menção aos documentos falsificados, material ou ideologicamente.

Vê-se que a falsidade abrangida pelo novel tipo penal pode ser aquela por ação, onde se insere informações não verdadeiras – hipótese de falsidade ideológica, a princípio, mas que não afasta a possibilidade de falsidade material – e também por omissão, conduta que já era prevista pela primeira conduta arrolada no artigo 299 do Código Penal.

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O ser o documento enganoso, situação que se quis diferençar do falso, nos indica situação em que não sendo ideologicamente falso o documento, é apto a enganar o leitor, é dizer, assemelha-se ao ardil do crime de estelionato, de todos conhecido – visto que o artifício diz com aparatos materais, encenação [04] – que é o engano praticado por meio de insídia, o ser traiçoeiro.

Semelhantes previsões legais encontram-se nos artigos 66 e 67, do Código de Proteção do Consumidor – Lei nº 8.078/90 –, ao utilizarem ambas do adjetivo enganoso, tanto ao descrever a conduta de prestação de informação sobre produtos e serviços, como no fazer publicidade. Neste mesmo diploma legal encontramos a definição do que se deve entender por publicidade enganosa, interessante subsídio a servir na íngreme tarefa de interpretar e aplicar a lei penal: "qualquer modalidade de informação. .., inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro. ..". É o que pretendíamos dizer, apenas não tendo encontrado as palavras certas, mas, como o ordenamento positivo é um sistema, nada melhor do que se valer de disposições constantes de outras normas, para completar a intelecção de certo dispositivo.

A síntese do que seja documento enganoso pode ser afirmado como sendo aquele capaz de induzir em erro o intérprete.

O § 1º deste novo tipo penal faz inédita inserção, ao prever a hipótese do crime de falso culposo, com a fixação da sanção entre um e três anos de detenção.

Novamente nos abeberando das disposições penais contidas no capítulo que cuida da falsidade documental do Código Penal, não se divisa qualquer previsão de modalidade culposa para tais delitos, visto ser mesmo – ao que parecia até então –, natureza dessa espécie delitiva a ação dolosa, direcionada a atingir determinado fim, bem distante de simples agir culposo, situações coloridas por uma entre três modalidades da culpa: negligência, imperícia ou imprudência.

Para não parecermos excessivamente críticos, tentando extrair sempre o máximo de legitimidade entre o tipo penal inovador, poderemos pensar em uma situação capaz de configurar hipótese de culpa consciente, que é aquela na qual o agente prevê o resultado ilícito, mas confia levianamente que não ocorrerá, por haver circunstância impeditiva ou que possa evitá-lo, também conhecida como culpa com previsão [05]. Voltando os olhos para o delito criado, em sua modalidade culposa, pode ser hipotetizada conduta em que o agente se vale de documento produzido por terceiro, com conteúdo falso ou enganoso mas, não se inteirando dessa sua qualidade ilícita, ou não acreditando que produza resultado, o utiliza em licenciamento, concessão florestal ou outro procedimento administrativo congênere.

Por fim, previu-se causa especial de aumento de pena, quando se cuidar de causação de significativo dano ao meio ambiente, decorrente do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa; em havendo tal situação, a pena sofrerá acréscimo de um a dois terços. A menção a ser a informação incompleta quer se referir à falsidade por omissão.

Aqui o legislador não foi prudente, visto ter se utilizado de forma excessivamente subjetiva, ao elencar como causa especial de aumento de pena a ocorrência de "significativo dano", conceito vago e aberto, que viola, a princípio, o princípio da legalidade estrita, a vigorar em seara penal.

Considerando que cuida-se de lei com conteúdo eminentemente administrativo / ambiental e não penal, tal falha poderia ser minorada com a fixação de critérios mais técnicos, evitando-se legar ao juízo pessoal do magistrado penal a identificação do que venha a ser dano significativo. Poderíamos sugerir que em tal possibilidade o juiz se valha de perícia ambiental, única forma de assegurar a aplicação dessa causa especial de aumento como mínimo de subjetividade, com o que estar-se-ia sendo legalista e técnico, visto que o dano que é significativo em relação a uma nascente de um afluente, não o é em relação ao leito de um grande curso d´´água.

Com certeza as novas disposições penais merecerão opiniões de cultores do Direito mais abalizados, de forma a aclarar os conceitos trazidos pelo legislador, contribuindo para a difícil exegese penal.


Notas

01Código Penal Comentado, Saraiva, 13ªed. p.973, lembrando que o tipo original é assim descrito no Código Penal: "Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário".

02 Artigo 95, inciso V e 128, § 4º, da CF, com a redação dada pela EC 45.

03 § 3º, do artigo 159, do CP.

04 Jesus, Damásio E. de, ob.cit., p.631.

05 idem, p.78.

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Sobre o autor
Jorge César Silveira Baldassare Gonçalves

advogado da União em Brasília (DF), ex-advogado da Funap (Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo), membro da Comissão de Assuntos de Natureza Penal da Advocacia-Geral da União

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Jorge César Silveira Baldassare. Crimes na lei de gestão de florestas públicas: (Lei nº 11.284/2006). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 986, 14 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8096. Acesso em: 23 dez. 2024.

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