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É a hora de fazer um testamento?

28/08/2020 às 13:15
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O testamento é mesmo a melhor forma de distribuir os bens?

Determinadas épocas ou acontecimentos podem fazer uma pessoa pensar em planejar o futuro. Normalmente essa não é uma preocupação comum (especialmente relacionada a testamento, porque o fato "morte" está a ele associado e ninguém gosta de falar de morte...), porém o noticiado alto número de mortes por conta da atual pandemia de coronavírus – somado a isolamento, quarentena e a "pausa" nos afazeres do dia-a-dia – pode nos convidar à reflexão sobre nossa finitude, sobre os ciclos da nossa vida... sim, a vida é cíclica... Essa impressão se confirma com as notícias veiculadas recentemente: <https://www.gazetadopovo.com.br/parana/cartorios-aumento-testamentos-coronavirus/> e <https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1451902/covid-19-pedidos-de-testamento-disparam-entre-profissionais-de-saúde>.

Mas fica a pergunta: é mesmo a hora de fazer um testamento? Ouso desdobrar o questionamento: será mesmo o testamento a melhor forma de distribuir os bens do meu patrimônio?

É bom que se deixe claro desde já que – ainda que não seja costume do brasileiro pensar em testamento – o referido instrumento pode ser feito em casa, sem custos, sob a forma de Testamento Particular. Mais importante que isso, evidentemente, é ressaltar que mesmo feito em casa, pelo próprio testador, como a Lei permite (art. 1.876) será imprescindível a observação das formalidades legais - em que pese em determinados momentos a Corte Superior admitir situações excepcionais para a validade da deixa testamentária - sempre primando pelo princípio basilar que é tônica da sucessão testamentária, qual seja, a preservação da hígida manifestação de vontade do "de cujus sucessione agitur".

Melhor sorte, nos parece, sempre terá quem realiza seu Testamento com a orientação de Advogado Especialista (podendo com este lavrar um Testamento Particular muito mais bem elaborado e planejado, por isso com mais segurança) ou ainda, através da pena valiosa de um Tabelião de Notas, que por Lei (art. 7º, inc. II da Lei 8.935/94) que detém competência exclusiva para a lavratura de Testamentos Públicos e aprovação dos Testamentos Cerrados.

Seja feito em casa, seja feito com a orientação de um Advogado Especialista ou ainda aquele entabulado por um Tabelião de Notas não se pode deixar crer (como já vi sugerirem muitas novelas ao grande público leigo, num verdadeiro desserviço...) que o Testamento tenha validade "imediata" e/ou "automática": por Lei o Testamento só poderá valer depois de consumado o evento "morte" - e ouso frisar "poderá valer" - já que ele depende de um procedimento prévio, nos termos do Código de Processo Civil que objetivará seu registro, abertura e confirmação, conforme a modalidade do caso concreto (Cerrado, Público e Particular) nas hipóteses dos testamentos ordinários, que ora analisamos.

Infelizmente muita gente sem refletir muito bem sobre esses aspectos acaba realizando um testamento pensando que o só fato da sua realização já garantirá o cumprimento da sua vontade - mas isso não é 100% garantido - bastando lembrar de casos também erigidos pela mídia como dos famosos Gugu Liberato, Tim Maia, Betty Lago, Chico Anysio, Marcos Paulo, Marília Pêra e tantos outros. A disputa sobre bens veiculados num Testamento pode instaurar junto com o Inventário a desgraça, a discórdia, a desunião, a destruição da família - o que por certo não é o último desejo de ninguém... eu acho...

Pensando melhor sobre a questão - e aí já vi muito acontecer na prática, enquanto trabalhei por muitos anos como Escrevente em Tabelionato de Notas - é possível àquele que tem vontade de regular a disposição e divisão dos bens do seu patrimônio resolver a questão de forma muito mais tranquila e com um pouco mais de certeza sobre o desfecho - e tudo isso ainda vivo, neste plano. Por exemplo, pode ser possível ao titular dos bens, dependendo da forma de aquisição dos bens, da situação destes e de outros aspectos a serem apurados caso a caso, doá-los ou vendê-los e, combinando até as diversas formas permitidas pela Lei Civil, clausular a sua disposição de forma a aí sim ter o controle sobre a forma como quer planejar a distribuição dos seus bens. A consulta ao seu Advogado Especialista pode ser o grande diferencial para a melhor distribuição e planejamento patrimoniais.

Sim, é preciso também conhecer as regras da Lei para que tudo seja feito de forma impecável e não deixar margem para questionamentos que poderão desaguar na anulação - mas aqui já temos uma grande vantagem que é a presença do titular para defender sua vontade, considerando ainda estar vivo. Respeitada a legítima e observados os outros requisitos legais se mostra plenamente possível, por exemplo, ao titular do patrimônio distribuir seus bens reservando para si meios de sobrevivência, usufruto etc, garantido com isso o cumprimento de sua vontade.

Por último, é preciso anotar, com base nos recentes julgados, muito louváveis por sinal, que o simples fato da existência de um Testamento já não vai obrigar que eventual Inventário seja feito somente pela via Judicial, conhecidamente mais morosa que a via Extrajudicial: é que de uns anos para cá as Corregedorias da Justiça dos Estados já têm permitido que nas sucessões onde o falecido tenha deixado Testamento possam os herdeiros, observados determinados requisitos, resolvam a questão pela via administrativa, diretamente nos Cartórios de Notas com a assistência de Advogado, na forma da Lei 11.441/2007.

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Mais recentemente o STJ (REsp 1.808.767/RJ, j. em 15.10.2019) reconheceu a possibilidade da realização do Inventário Extrajudicial mesmo com Testamento, merecendo destaque a lição do relator Min. LUIS FELIPE SALOMÃO: "Ora, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça".

Então me despeço deixando um questionamento: preciso mesmo deixar mais este encargo (a realização de um inventário) para meus herdeiros?

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Julio. É a hora de fazer um testamento?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6267, 28 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81011. Acesso em: 22 dez. 2024.

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