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Acidentes de trabalho em massa: responsabilidade civil do empregador na reparação do dano moral coletivo

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17/04/2020 às 17:55
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4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR

De acordo com GAGLIANO & STOLZE (2017, p. 59), o conceito de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).

Em relação à responsabilidade civil, SAVATIER a define como “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.

O emérito Desembargador Sergio Cavalieri Filho ensina que a responsabilidade civil está atrelada à ideia de contraprestação, encargo e obrigação. Ainda assim, o eminente jurista ressalta a importância de distinguir a obrigação da responsabilidade: “obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 3).

Portanto, é certo que ao empregador, em caso de dolo ou culpa (grave, leve ou levíssima), cabe a reparação ao empregado, mediante indenização por perdas e danos, materiais e/ou morais (art. 186 do Código Civil atual).

No âmbito dos acidentes trabalhistas, a atitude dolosa é aquela em que a má-fé por parte do empregador pode acabar ensejando o incidente laboral. É o que NUCCI (2014, p. 184) chama de “vontade consciente”. Já em relação à culpa, NUCCI (2014, p. 189) explica ser “o comportamento voluntário desatencioso (...) que produz resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado”.

As lesões acidentárias também podem ensejar danos patrimoniais, seja em razão do dano emergente (ex.: gastos dispendidos para custear seu tratamento médico), seja por causa dos lucros cessantes (por exemplo, redução ou perda da capacidade laborativa). Na lição do Ministro Maurício Godinho Delgado:

“Ressalte-se que tanto a higidez física, como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Constituição Federal, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88).” (DELGADO, 2017, p. 706)

Convém ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça, em entendimento sedimentado na Súmula 37[11], determinou que as indenizações pelos danos morais e materiais – ainda que decorrentes do mesmo evento – são cumuláveis.

O Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, citado por CASTRO & LAZZARI (2017, p. 707) acrescenta que, nos casos em que a lesão “compromete a harmonia física da vítima”, há a possibilidade da indenização por dano estético. Arremata Maurício Godinho Delgado:

“A ordem jurídica acolhe a possibilidade de cumulação de indenizações por dano material, dano moral e dano estético, ainda que a lesão acidentária tenha sido a mesma. O fundamental é que as perdas a serem ressarcidas tenham sido, de fato, diferentes (perda patrimonial, perda moral e, além dessa, perda estética)” (DELGADO, 2017, p. 706)

O sistema geral do novo diploma civil é o da responsabilidade subjetiva (Art. 186[12] do Código Civil), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e a culpa lato sensu (culpa – imprudência, negligência ou imperícia; ou dolo) do agente.

Subsidiariamente, parte da doutrina e jurisprudência tem entendido que o diploma civil adotou a teoria da responsabilidade objetiva. Sob essa ótica, para que houvesse o dever de indenizar, seria irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência do dano e do nexo de causalidade entre o fato e o dano. O instituto da responsabilidade objetiva tem base no artigo 927 do Código Civil, e fundamenta-se na teoria do risco, que veremos a seguir.


5 TEORIA DO RISCO E RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA

Até 1988, a súmula 229[13], do Supremo Tribunal Federal determinava que a indenização acidentária devida pelo empregador ao empregado era somente obrigatória em caso de dolo ou culpa grave de quem havia cometido a falta (MAGALHÃES, 2012, p. 4). Todavia, com o advento da Constituição Federal, (art. 7º, XXVIII), passou-se a entender que a mera culpa, ainda que levíssima, era suficiente para atender ao pressuposto da responsabilidade civil. Senão vejamos:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.”

Com a promulgação do novo diploma civil em 2002, o artigo 927, parágrafo único[14] foi além e passou a admitir também a obrigação de reparação do dano independente da culpa ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. O emérito Professor Paulo Nader registra que:

“Avanço significativo veio com o parágrafo único do art. 927, que adotou a teoria do risco criado, acompanhando uma tendência que já se manifestava na doutrina, a partir do último quartel do séc. XIX, provocada tanto pela mudança na esfera tecnológica quanto pelas novas ideias sociais” (NADER, 2016, p. 92)

Desta forma, ao posicionar a atitude do agente em segundo plano, o legislador inaugurou, no campo trabalhista, a possibilidade de se responsabilizar o empregador, sendo suficiente, para tanto, a existência do nexo causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente. É a chamada teoria do risco, conforme preleciona o memorável Sílvio Rodrigues:

“A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.” (RODRIGUES, 2002, p. 11)

SAVATIER (1951)[15] define o risco, enquanto princípio de responsabilidade, como aquele que obriga a reparar os danos causados mesmo sem culpa, em virtude de uma atividade que se exercita no interesse e sob a autoridade do agente:

“A responsabilidade nascida do risco criado é aquela que obriga à reparação dos danos produzidos, mesmo sem culpa, por uma atividade que se desenvolvia dentro do interesse do agente e sob a responsabilidade dele. Esta definição visa compreender todos os casos em que a lei ou a jurisprudência determinam a responsabilidade civil de uma pessoa não culpada” (SAVATIER, pp. 349-350, 1951, Tradução livre)

Tal interpretação fez com que notáveis juristas passassem a defender a responsabilidade objetiva do empregador, entre eles o insigne Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Cláudio Brandão, em sua dissertação de mestrado:

“O trabalhador possui um direito de proteção à saúde, elevado ao patamar de norma constitucional com natureza jurídica de direito fundamental e que o empregador possui responsabilidade objetiva pelos danos a ele causados, em virtude de acidentes do trabalho ocorridos no desenvolvimento de atividades de risco acentuado, o que representa a consagração, no plano interno, da tendência internacional de priorizar o homem como centro da proteção dos sistemas jurídicos”

No mesmo sentido, CASTRO & LAZZARI (2017, p. 424) entendem que não se deve excluir a aplicação da regra do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, no caso das doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. Senão vejamos:

“Há que se ter em conta que a responsabilidade civil tem seu regramento na lei civil, e os parâmetros para a proteção da vítima de danos são elencados ali, indistintamente, para todas as hipóteses em que ocorra a lesão a direitos patrimoniais ou morais. Fere o bom senso, com a devida vênia, imaginar que num acidente causado, por exemplo, pelo uso de explosivos ou inflamáveis, o empregado vitimado pelo acidente seja menos protegido que o cidadão que, não tendo relação de trabalho, também seja atingido em algum de seus direitos.”

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De acordo com CASTRO & LAZZARI (2017, p. 423), outra corrente doutrinária sustenta não aplicação do art. 927, em função da literalidade do dispositivo constitucional (art. 7º) que prevê a responsabilização do empregador “em caso de dolo ou culpa”, e que a responsabilidade objetiva, no caso, seria somente da Previdência Social (teoria do risco social). Senão vejamos:

ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA x OBJETIVA. TEORIA DO RISCO. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. Quanto à indenização por danos material e moral provenientes de infortúnios do trabalho, o ordenamento jurídico adota a teoria da responsabilidade subjetiva do empregador. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional consignou que, conforme consignado na sentença, houve – culpa exclusiva do autor (ato inseguro), contra o que sequer se insurge o autor (alegar, à fl. 397v, que não teve intenção de se autoflagelar não é propriamente impugnação à sentença, já que esta reconheceu sua culpa – negligência, no evento, jamais referindo-se a dolo), limitando-se a invocar a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva do empregador quanto aos acidentes do trabalho, a qual, data venia, não encontra amparo constitucional (fls. 509). Dessa forma, consoante o quadro expresso pelo Tribunal Regional, não tendo sido demonstrada a ocorrência de culpa da reclamada, a qual importaria no surgimento do dever de indenizar, não há falar em condenação da reclamada. Recurso de Revista de que se conhece e a que se nega provimento. (TST, RR 168400-24.2008.5.12.0038, Rel. João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 04.11.2011)

Ao nosso ver, o Enunciado 37[16] da I Jornada de Trabalho veio a contribuir para a solução da controvérsia, explicando que o dispositivo constitucional não impede a aplicação da norma civil, “visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores”. Neste sentido, Amauri Mascaro do Nascimento conclui que:

“Desde então, tem-se entendido que, regra geral, a responsabilidade do empregador pelo acidente do trabalho é subjetiva por imposição constitucional. Excepcionalmente, aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva do Código Civil fundada no risco advindo da execução do serviço em atividade perigosa ou de risco.” (NASCIMENTO, 2017, p. 881)

Desta forma, seria preciso esclarecer a responsabilidade do empregador pelos acidentes de trabalho, auferindo se ele agiu de forma errônea, facilitando ou causando o acidente.

Impende lembrar que o artigo 932[17] do novo diploma civil também estende a responsabilidade civil do empregador aos atos de terceiros, ou seja, “seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.

Embora existam divergências em relação a aplicação dos sistemas de responsabilidades, tem se percebido a busca incessante das nossas Cortes Trabalhistas[18] por um equilíbrio entre a proteção do trabalhador e a garantia da livre iniciativa no exercício da atividade econômica.

Assim, é lapidar a lição dos magistrados Cássio e Luciana Mahuad (2015, p. 78): “Dentro desse contexto, diversos tipos de responsabilidade, com pressupostos ou requisitos próprios (decorrentes da necessidade de cada fato ou relação real), teriam espaço para conviver pacificamente e sem limitação da evolução necessária”.

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Sobre o autor
Otavio Morato de Andrade

Doutorando em Direito (UFMG). Possui mestrado em Direito (UFMG); pós-graduação em Direito Civil (PUC-MG); graduação em Direito (UFMG) e graduação em Administração (PUC-MG). Exerce a advocacia em Belo Horizonte, com ênfase em Direito Imobiliário, Direito Constitucional, Direito de Família e relações consumeristas. É autor do livro "Governamentalidade algorítmica: democracia em risco?", assim como de diversos artigos publicados nacional e internacionalmente, tratando das mais variadas áreas jurídicas. Ministrou aulas, palestras e conferências no campo do Direito Civil. É parecerista das Revistas Direito em Debate e E-Civitas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORATO, Otavio Andrade. Acidentes de trabalho em massa: responsabilidade civil do empregador na reparação do dano moral coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6134, 17 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81215. Acesso em: 24 dez. 2024.

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Artigo originalmente publicado na Revista do TRT3

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