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Minorias étnicas:

índios no Brasil

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25/03/2006 às 00:00
Leia nesta página:

1.3 – DOS CASOS ATROZES COMETIDOS CONTRA OS ÍNDIOS E AS REINVINDICAÇÕES E RECOMENDAÇÕES FEITAS AO ESTADO BRASILEIRO:

Feita a exposição da legislação, ficará agora, mais fácil ao leitor compreender e identificar as violações cometidas contra os direitos humanos por desrespeito à minoria étnica indígena, na realidade brasileira, a noção da diferença entre positivação e concretização desses direitos humanos.

Pois bem. Apesar de todas as leis existentes, o fato é que as atrocidades continuam sendo cometidas pelo Brasil afora, com participação do Estado, seja por ação ou omissão, como o Relatório da Justiça Global no ano de 2003 consignou [19]:

O Governo Brasileiro é responsável direto pelo estado de depauperação em que se encontram as comunidades indígenas, tomando partido, por não aplicar a lei, daqueles que empreendem as mais terríveis atrocidades em nome dos atos de lucro e da especulação imobiliária.

E conforme constatado pela Carta do 1º Congresso Municipal de Direitos Humanos de Belém [20]:

Que apesar da existência de inúmeros documentos internacionais e nacionais de proteção aos direitos humanos, especialmente a Constituição Federal de 1988, ainda hoje podemos constatar que esses direitos freqüentemente não são assegurados e protegidos em sua plenitude, especialmente pelas diversas esferas do Poder Público.

Além da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que entendeu estarem, no Brasil, ameaçadas a integridade física e cultural dos índios, e as suas terras, tanto por particulares quanto pelo próprio Estado. Demonstrando uma preocupação especial, também, com a carência da assistência na saúde, alimentação e óbices ao acesso de outros serviços públicos [21].

Com efeito. Muitos desrespeitos têm sido cometidos mesmo desde a segunda metade do século XX, época das regulamentações a nível internacional e nacional, contra os direitos dos índios. Tanto por parte do Estado, como por parte dos policiais, fazendeiros, agricultores, rizicultores, garimpeiros e suas milícias privadas.

A própria comemoração dos 500 anos de descobrimento, foi, na realidade, a lembrança de meio milênio de dizimação. Isto porque ela se deu com a construção do Museu Aberto do Descobrimento, já mencionado, dentro do território indígena Coroa Vermelha, da comunidade Pataxó simplesmente para o empreendimento turístico, o que é vedado pelo nosso ordenamento. A transformação daquele habitat submeteu a possibilidade de reforma da casa dos índios à autorização da Administração local. Ademais, houve empecilho à comemoração dos índios, com a invasão e destruição do monumento que eles construíram no local, acompanhada das práticas de constrangimento, ameaça de expulsão, lançamento de gás lacrimogêneo, etc, e com o empecilho pelas tropas de choque e cavalaria da polícia militar da Bahia à marcha indígena à Porto Seguro. Muitos saíram deste último embate feridos. Constituindo, assim, crimes de abuso de autoridades, atentados à liberdade de locomoção, à inviolabilidade de domicílio, à incolumidade física e psicológica, ensejando danos morais e materiais.

Outros casos interessantes:

à a invasão da terra Indígena Truká pela Polícia de Cabrobó/PE, sob o argumento de procurar um ladrão que tinha ali se escondido. Tais oficiais foram detidos pelo MPF e soltos pela própria polícia. Dias depois 60 oficiais invadem novamente as terras, munidos de 11 viaturas e um helicóptero e prendem e torturam diversos índios;

à o IBAMA impede a construção de uma escola e o exercício da pesca tradicional do povo Jayaí, na Terra Boto Velho (Ilha do Bananal-TO);

à o IBAMA impede o exercício da caça e da pesca pelos Munduruku;

à um juiz de Santa Catarina expede um mandado liminar contra a Comunidade Guarani do Araçaí, ordenando sua expulsão do território, o que os policiais cumpriram chegando ao local às 06;00h e destruindo tudo em cerca de 7 minutos. Tudo isto sem a intimação prévia nem da FUNAI nem do MPF;

à usufruto indevido dos recursos naturais da Comunidade Yanomami em Roraima, bem como poluição e distribuição de bebidas para os índios, além de abusos sexuais cometidos em troca de alimentos, o que ocasionou a contaminação das índias com gonorréia;

à o caso dos Kouipanká no Estado de Alagoas, que tiveram que negar sua identidade, para não serem dizimados;

à o massacre aos Xetá no Paraná que se viram obrigados a se isolar ou se integrar a outras comunidades, dos quais restarem só oito representantes, sendo que só três falavam a língua característica. Hoje estima-se que existam 250 descendentes de etnia miscigenada;

à a degradação, dependência econômica, repressão, dispersão e enfraquecimento da cultura dos Tupinikim e dos Guarani em virtude de acordo de exploração dos recursos naturais de suas terras (Espírito Santo), à época ainda não demarcadas, celebrado com a Aracruz, empresa de extração de celulose;

à a criação de município totalmente inserido na Terra Uiramutã em Roraima, obstaculando a demarcação da Raposa/Serra do Sol do Povo Macuxi [22];

à assassinato do índio Galdino por jovens da classe média, queimado em Brasília;

à o Projeto de Lei do Senador Mozarildo Cavalcanti, na contra-mão dos direitos humanos, com a pretensão de redução em 50% das terras indígenas;

à o mesmo modelo de educação da comunhão nacional imposto às comunidades indígenas pelas Secretarias Municipais quanto ao currículo, calendário, gestão, formas de avaliação, o que constitui um desrespeito à autonomia e à peculiaridade das comunidades; além dos professores índios que são contratados temporariamente, sem direito a férias remuneradas, 13º salário, entre outros direitos;

Além dos casos que chegaram ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cujos trechos mais pertinentes serão aqui transcritos:

- Denúncia nº 19/89. Caso nº 11.516. Ovelário Tames. Índio da Comunidade Macuxi:

1. Em julho de 1995, a CIDH recebeu uma petição contra o Brasil de acordo com a qual Ovelário Tames, um índio Macuxi, havia sido assassinado por oficiais da polícia civil dentro da delegacia de policia da Normandia no Estado de Roraima. A petição também relatou que o assassino e a ausência de justiça em relação a isto foram violações dos direitos garantidos no art. I (vida, liberdade e segurança pessoal) da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, e artigos 8 (julgamento justo) e 25 (direito à proteção judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos e do art. 1 (obrigação de respeitar e garantir os direitos reconhecidos na Convenção). A Comissão analisou o caso e decidiu declará-lo admissível.

2. a petição alegou que o índio foi preso pelos oficiais da polícia civil estadual nas primeiras horas do dia 23 de outrubro de 1988 e, depois, foi achado morto numa cela em Normandia, no estado de Roraima, na manhã seguinte. Ela relatou que o inquérito civil nº 16/88 foi instaurado no dia 25 de outubro, justamente na mesma delegacia de polícia onde Ovelário morreu. O inquérito da polícia civil foi encerrado acusando apenas um dos dois oficiais.

3. a petição ainda relatou que concomitantemente o inquérito nº 79/88 foi conduzido pela polícia federal ao qual a conclusão do inquérito foi anexada. O inquérito da polícia civil concluído dia 24 de maio de 1989 com 6 policiais acusados de homicídio qualificado pelas circunstância de negligência intencional e conspiração. (arts. 121, 13 e 29 do CP). Entretanto, apenas os acusaram da prática de crime de lesão corporal, o que acarreta uma penalidade menor que homicídio qualificado. O caso nº 9684/88 foi instaurado depois da acusação.

4. … todos os seis policiais foram intimados a depor. Roger Afonso de Souza Cruz que, à hora do crime estava trabalhando na penitenciária, não apareceu nem justificou sua ausência. O juiz mandou o intimar por edital, o que só foi cumprido mais de 4 anos depois e mais de 6 anos após o crime... .

11. … O Governo, em sua contestação, admitiu a morosidade com que o processo estava caminhando. Baseado nisto e no fato de que oito anos depois da fase de investigação criminal nada havia sido concluído, os promoventes pediram a admissão do caso baseados no art. 42, 2,c da Convenção.. ..

A CIDH decidiu, então, declarar o caso admissível, investigar o mérito da questão e publicar a denúncia no seu Relatório Anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.

- Resolução nº 12/85. Caso nº 7615. 5 de março de 1985. Índios Yanomami:

1. vários representantes de diversas entidades de defesa dos direitos humanos manejaram uma petição contra o Governo Brasileiro, alegando violação dos direitos humanos dos índios Yanomami, citando em particular a Declaração Americana de Direitos Humanos: artigo I (direito à vida, liberdade, e segurança pessoal), artigo II (Direito à igualdade perante a Lei), artigo III (Direito à liberdade de religião), artigo XII (Direito à educação), artigo XVII (Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica e dos direitos civis) e artigo XXIII (Direito à propriedade).

2. faz referência ao que estipulam a EC nº 1/69, artigos 2 e 23 do Estatuto do Índio e o art. 6 do CC/16 e narra que na década de 60 o Governo brasileiro aprovou um plano de desenvolvimento e utilização dos vastos recursos naturais da região Amazônica. Em 1973 começou a construção da rodovia BR-210, passando no meio do território dos índios Yanomami, compelindo-os a abandonar o seu habitat e se refugiar em outros lugares; durante a dec. de 70 muitos depósitos minerais foram descoberto nas zonas de Couto de Magalhäes, Uraricäa, Surucucus, e Santa Rosa (território dos Yanomami), o que atraiu companhias mineiras e garimpeiros, o que agravou a dispersão de centenas de índios; em março de 1982, depois de intensivas campanhas e protestos, o Governo editou o Decreto Ministerial nº 025, estabelecendo a reserva de 7000 ha de território contíguo em Roraima e Amazonas para os índios Yanomami; a FUNAI propôs a demarcação de uma área de 9.419,108 ha, entretanto, a mesma não foi implementada.

Que a massiva penetração de invasores na área tem ensejou conseqüências físicas e psicológicas devastadoras aos índios; causou a quebra da sua organização social; introduziu a prostituição entre as mulheres, algo que até então era desconhecido, e causou muitas mortes, em razão de epidemias de gripe, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis, sarampo e outras.

Que os projetos encabeçados pelo INCRA não produziram os resultados desejados, ao contrário, ensejaram a perda de suas terras e a transferência compulsória para comunidades agrícolas que não correspondiam aos seus costumes e tradições;

Considerando, então, a necessidade de implementação do Estatuto do índio, e que as violações dos direitos humanos se originaram da construção da Rodovia BR-210, considerando a inércia do Governo, a autorização para explorar os recursos do subsolo dos seus territórios, a permissão da invasão dos territórios por intrusos portadores de várias doenças contagiosas que causaram muitas vítimas na comunidade indígena, além da falta do tratamento necessário das pessoas afetadas, e, finalmente, por remover os índios de suas terras tradicionais, com conseqüências negativas para sua cultura, tradições e costumes.

Que a proteção aos índios tem sido um sagrado compromissos dos Estados, que a Comissão, muitas vezes, tem tomado conhecimento de casos de abuso de poder por parte dos oficiais e agentes públicos, o que enseja uma gravíssima injúria aos direitos humanos dos membros das comunidades indígenas.

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Que da apreciação das razões de ambas as partes, constatou que com a construção da BR, o território foi invadido pelos construtores, geologistas, mineiros, fazendeiros, que trouxeram doenças à comunidade. Que os índios abandonaram suas vilas e se tornaram mendigos ou prostitutas, e o Governo quedou-se silente.

A CIDH, então, resolveu:

. Declarar que há informação e evidências suficientes para concluir que, por falha do Governo Brasileiro, a situação resultou na violação dos direitos reconhecidos na Declaração Americana de Direitos Humanos: o direito à vida, liberdade e segurança pessoal, o direito de habitação e de locomoção e o direito à preservação da saúde.

. Reconhecer, entretanto, a importância das medidas tomadas pelo Governo nos últimos anos, desde 1973;

. Recomendar que o Governo continue tomando medidas preventivas e curativas para a proteção da vida e saúde dos índios expostos às doenças contagiosas; que o Governo, através da FUNAI, proceda a demarcação integral das terras tradicionais dos Yanomami; que o Governo informe à Comissão acerca das medidas implementadas para o cumprimento da recomendação;

. Incluir esta Resolução no seu Relatório Anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.

É certo que muitas medidas têm sido tomadas pelo Governo Brasileiro, nos últimos anos, como por exemplo a criação do Banco da Terra, a Ouvidoria Agrária Nacional, o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e Étnica, O PNDH (Programa Nacional de Direitos Humanos), com a interação da FUNAI e Ministério da Saúde, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional que prevê a formação bilíngüe e inter-cultural dos índios, a demarcação do território Yanomami e também a recente [23] declaração do Ministério da Justiça pela demarcação integral das terras das comunidades indígenas Tupinikim e Guarani, do Espírito Santo. O que resultou num crescimento da população indígena em 2,8% ao ano.

Mas há ainda, exageradamente, muito que se fazer.

As reivindicações dos índios e recomendações dos órgãos Internacionais e nacionais de defesa dos direitos humanos são no seguinte sentido: parcerias agrícolas para que as comunidades façam as terras produzir; consideração, na saúde, das práticas de medicina natural dos grupos; instituição de medidas compensatórias efetivas na educação e saúde; assessoria dos povos; cumprimento integral das demarcações de terras; paralisação do processo de municipalização nas áreas de habitação indígena; aumento da vigilância e da punição contra os violadores dos direitos humanos; regularizar e disintrusar as terras; formação de indivíduos da própria comunidade, como professores e agentes de saúde, para atuarem em suas áreas; melhoramento da comunicação, do transporte; linhas de crédito para projetos indígenas; formação de escolas técnicas, como as agropecuárias; a reestruturação da FUNAI, com a investigação e destruição da prática de corporativismo dentro do Órgão; o combate às agressões ambientais (monoculturas, agropecuária extensiva, contaminação das águas); tratamento dos índios como cidadãos brasileiros, com pleno exercício dos seus direitos políticos; recuperação da memória histórica da etnia através de medidas de incentivo cultural.

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Sobre o autor
Williane dos Santos Teixeira

assessora jurídica da Procuradoria-geral de Justiça do Estado da Paraíba, bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Williane Santos. Minorias étnicas:: índios no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 997, 25 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8164. Acesso em: 28 mar. 2024.

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