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A poliparentalidade decorrente da socioafetividade com procedimento diretamente protocolado nos cartórios extrajudiciais

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26/05/2023 às 13:05
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4. A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA À LUZ DO PROVIMENTO 63, DO CNJ COM A RECENTE ALTERAÇÃO PELO PROVIMENTO 83

Depois de vasto ativismo judicial nesta seara, o CNJ publicou, em novembro de 2017, o Provimento nº 63 que, conforme dita sua Ementa, institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais por todos o Brasil, visando à padronização dos documentos; dispõe sobre o reconhecimento voluntário de filiação em cartório; inova, dispondo sobre a possibilidade de averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A”; e, de forma inédita, regulamenta o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida.

Conforme bem observa o doutrinador Flávio Tartuce, o Provimento é o resultado prático de uma jurisprudência já firmada e de orientações doutrinárias robustas nesse sentido:

Esse reconhecimento, paulatinamente admitido na doutrina e na jurisprudência, teve a sua culminância ou ápice com a decisão do Supremo Tribunal Federal do ano de 2016, em que se analisou a repercussão geral sobre o tema com a afirmação da seguinte tese: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (Recurso Extraordinário 898.060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.09.2016, publicado no seu Informativo n. 840). Como aqui apontei, três são as consequências diretas desse julgamento: a) o reconhecimento de que a socioafetividade é forma de parentesco civil; b) a afirmação da igualdade entre o vínculo biológico e o socioafetivo e c) a admissão da multiparentalidade, com o reconhecimento de mais de um vínculo de filiação. Apesar de acórdão dizer respeito à parentalidade socioafetiva, houve também repercussões para as técnicas de reprodução assistida, como demonstrei no texto antecedente.17

Com efeito, o Provimento 63 se mostra um importante instrumento na realização dos direitos das famílias, seja porque inova, seja porque desjudicializa essas práticas, tornando-as mais céleres, mais módicas, facilitando a aquisição desses direitos pelo usuário. No entanto, desde sua publicação, em novembro de 2017, foram muitas as dúvidas quanto à aplicação das normas sobre a filiação socioafetiva nos cartórios.

No que tange ao reconhecimento da poliparentalidade decorrente da socioafetividade, o Provimento regula todas as práticas cartorárias estabelecendo critérios objetivos para a concessão desse direito, qual seja, o reconhecimento em cartório da paternidade ou maternidade socioafetivas.

No Provimento 63, há uma seção especial, denominada “Da Paternidade Socioafetiva” para tratar do tema, porém o título “paternidade” não deveria ter sido usado já que pai e mãe não biológicos podem fazer a socioafetividade. Uma primeira observação feita pelos operadores da norma foi a expressão “paternidade”. O correto seria dizer “Da Filiação Socioafetiva”, além do mais, transparece afirmado o patriarcado histórico brasileiro na expressão “paternidade”, quando o próprio Código Civil aboliu, há muito tempo, o termo pátrio poder para fazer constar poder familiar. Essa problemática não escapou da apreciação do doutrinador Flávio Tartuce: “Percebe-se que apesar de a seção relativa ao tema usar a expressão "paternidade socioafetiva", admite-se também o reconhecimento do vínculo materno, como deve ser, na linha da jurisprudência superior.”18

Antes mesmo da publicação do Provimento 63, já existiam muitas dúvidas quanto ao tema, o que fez com que o Instituto dos Advogados de São Paulo protocolasse no CNJ um PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006194-84.2016.2.00.0000 que foi um marco para a edição do Provimento 63.

Deve-se ressaltar que o Provimento 63 foi editado em resposta ao Pedido de Providências acima, e mesmo depois de publicado, continuou gerando dúvidas quanto a sua aplicação. Foram quase 3 anos de muito debate jurídico sobre a interpretação de alguns pontos do Provimento 63 e, devido à enorme repercussão no contexto acadêmico e judicial desses debates, o Provimento 63 sofreu alteração por meio do Provimento 83.

Atendendo à demanda, em agosto de 2019, o CNJ publicou o Provimento 83 que altera a Seção II, que trata da paternidade socioafetiva, mantendo, apesar das críticas, a antiga expressão “paternidade”.

Com a publicação do Provimento 83 surgiu um grande problema técnico para os operadores de Direito: o Provimento 83 não consolidou o Provimento 63. Na prática, quando alguém consulta a matéria paternidade socioafetiva, encontra o Provimento 63 do CNJ, disponível no site oficial, sem a consolidação das alterações formuladas pelo Provimento 83. Coexistem, portanto, 2 normas que devem ser interpretadas juntamente. Esse esforço de conjugar as 2 normas já foi suficiente para gerar mais confusão ainda, sobretudo ao operador menos atento.

Segue, abaixo, a alteração normativa do Provimento 83 do CNJ:

Art. 1º O Provimento n. 63, de 14 de novembro de 2017, passa a vigorar com as seguintes alterações:

I –o art. 10 passa a ter a seguinte redação:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

II – o Provimento n. 63, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 10-A:

Art. 10-A. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente.

§ 1º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos.

§ 2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade - casamento ou união estável - com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida.

§ 3º A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo socioafetivo.

§ 4º Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser arquivados pelo registrador (originais ou cópias) juntamente com o requerimento.

III – o § 4º do art. 11 passa a ter a seguinte redação:

§ 4º Se o filho for menor de 18 anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá o seu consentimento.

IV–o art. 11 passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como § 9º, na forma seguinte:

" art. 11 ................................

§ 9º Atendidos os requisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, o registrador encaminhará o expediente ao representante do Ministério Público para parecer.

I – O registro da paternidade ou maternidade socioafetiva será realizado pelo registrador após o parecer favorável do Ministério Público.

II – Se o parecer for desfavorável, o registrador não procederá o registro da paternidade ou maternidade socioafetiva e comunicará o ocorrido ao requerente, arquivando-se o expediente.

III – Eventual dúvida referente ao registro deverá ser remetida ao juízo competente para dirimi-la.

V –o art. 14 passa a vigorar acrescido de dois parágrafos, numerados como § 1º e § 2º, na forma seguinte:

"art. 14 ................................

§ 1ª Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno.

§ 2º A inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via judicial.

Antes de se iniciar uma análise comparativa dos 2 diplomas, vale frisar que o Provimento 83 não abrogou o Provimento 63, ele apenas o derrogou, permanecendo em vigor o que nele não foi alterado.

4.1 INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DO PROVIMENTO 83 E DO PROVIMENTO 63

Assim que foi publicado o Provimento 83, em agosto de 2019, a ARPEN BRASIL – Associação dos Registradores de Pessoas Naturais, diante de um cenário ainda mais confuso, viu a necessidade de publicar uma Nota Técnica sobre a conjunção dos 2 diplomas; em cuja Nota, esclarece aos operadores da norma, no caso os Registradores, quais os procedimentos corretos a serem adotados em suas Serventias19. O fato de o Provimento 63 não ter sido consolidado pelo posterior traz muitas confusões já que, não havendo a consolidação, ambos têm que ser interpretados em conjunto.

Pode-se dizer, em síntese, que dentre as principais alterações trazidas pelo Provimento 83 estão: o estabelecimento de idade mínima para o reconhecido ( antes era a qualquer tempo, agora somente a partir de 12 anos de idade); a necessidade de apuração objetiva da socioafetividade (traz novos critérios objetivos para balizar o registrador na conferência da existência da socioafetividade); o obrigatório encaminhamento do procedimento ao Ministério Público como condição para realização do ato averbatório do reconhecimento de filiação socioafetiva (antes não se mencionava esse encaminhamento); também estabeleceu uma limitação da multiparentalidade pelo acréscimo de um ascendente socioafetivo, seja pelo lado paterno ou materno (antes a norma deixava a entender que se poderia formar uma polipaternidade com até 4 genitores).

Essas são as principais alterações cujos temas geraram tanto debate nesses últimos anos. Nesse sentido, o primeiro ponto a ser esclarecido refere-se a questão da extrajudicialização em cartório do tema. Resta ratificado que o procedimento continua sendo feito em cartório, sem necessidade de advogado, porém, depois de autuado o procedimento com todos os documentos, de acordo com as formalidades exigidas pelo provimento 63, os autos são encaminhados ao Ministério Público local e o fato de ser remetido ao crivo do parquet não retira sua natureza administrativa e de celeridade.

É o Art. 10 do Provimento 83 quem estabelece que o procedimento tem natureza extrajudicial e estabelece também que apenas pessoas com mais de 12 anos de idade podem ser beneficiadas com a filiação socioafetiva, pois se entende que com essa idade já se consegue manifestar vontade. Antes, o Provimento 63 dizia que poderia ser a qualquer tempo, sendo o reconhecido maior ou menor, inclusive menor de 12 anos. Nada impede a quem tem menos de 12 anos de idade de buscar esse direito, mas aí tem que ser por ação judicial própria.

Outro aspecto muito inteligente foi possibilitar que o requerente possa se dirigir a qualquer cartório de RCPN, mais próximo e mais conveniente a ele, para fazer o procedimento. Não precisa procurar o cartório de registro de nascimento do reconhecido.

O procedimento é autuado pelo Registrador, no cartório de sua preferência, seguindo as formalidades dos Provimentos 63 e 83, e submetido ao crivo do MP, somente após de concluída a instrução no cartório e sob sua responsabilidade e após o parecer favorável do MP, o Registrador encaminha os autos do reconhecimento ao cartório de registro do reconhecido, ainda que localizado em outro Estado. O cartório no qual o interessado se encontra registrado receberá os Autos do procedimento de socioafetividade e realizará a averbação no Livro A (Livro de nascimento). Muito simples, muito rápido e econômico.

Cumpre lembrar, nesse sentido, que os cartórios estão submetidos a uma Lei tributária de emolumentos de âmbito estadual. Cada Estado tem sua própria Lei de Emolumentos. Há determinação de algumas Corregedorias de Justiça de que o procedimento de socioafetividade seja gratuito e no caso de haver cobrança por parte de algum cartório cabe procedimento para a Corregedoria no sentido de afirmar a gratuidade ou não do serviço. Além do mais, sempre cabe a judicialização do entendimento das Corregedorias.

Outra questão tormentosa para o Registrador, que age sempre de forma vinculada em sua função, é decidir se estão presentes os requisitos da socioafetividade: avaliar se de fato há uma relação de socioafetividade entre ambos, pretensos filho e genitor. Visando a estabelecer uma maior vinculação do Registrador à Norma, o Provimento 83 reforça os requisitos de exigência de comprovação da socioafetividade. O Provimento 83 criou um Artigo novo, o Art. 10-A, cuja finalidade é reforçar a objetividade dos critérios através de situações práticas que podem ser comprovadas por documentos e que sejam capazes de atestar a exteriorização da socioafetividade. Desta forma, não basta uma mera declaração de afeto, há que se provar a grandiosidade desse afeto, pois não há afeto maior do que aquele decorrente da paternidade/maternidade.

Os documentos que comprovam a socioafetividade como fotografias de aniversários e viagens em família, pagamento de plano de saúde e escola, comparecimento em reunião escolar, redes sociais atestando o vínculo de filiação, ou quaisquer outros que objetivamente atestem essa condição, são essenciais para a comprovação da socioafetividade. No caso de impossibilidade de comprovação documental, é o Registrador quem decide pela aceitação ou não do vínculo afetivo. Por esta razão, havendo insuficiências de provas que não sejam capazes de fundamentar a decisão do Registrador, pode-se remeter os Autos para a apreciação do Juiz Corregedor Permanente, que aliás também será instado quando o Registrador duvidar das alegações ou verificar fraude. Mesmo se houver o encaminhamento dos Autos ao Juiz, isso não desnatura seu caráter de procedimento extrajudicial.

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Por fim, o Provimento 83 resolve uma dúvida tenaz acerca da poliparentalidade. O Provimento 63 em seu Art. 14 dizia:

Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento. (grifos nossos)

Pela leitura do Art. 14 acima – revogado- surgiram duas correntes. Uma corrente, mais progressista, se prendia à parte final do Artigo “não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento”, fazendo crer que só se poderia ter até 2 genitores de cada lado, podendo-se chegar até 4 genitores: 2 de cada lado. Outra corrente se prendia à primeira parte da norma que diz que “somente poderá ser realizado de forma unilateral”; então, somente um dos lados poderia ser beneficiado pela socioafetividade. Nesse caso, o cenário seria de uma multiparentalidade de apenas 3 genitores, sejam de que sexo fossem.

A corrente na qual se entendia ser possível até 2 pais e 2 mães, totalizando até 4 genitores para o mesmo filho, foi muito divulgada, inclusive foi defendida em muitos trabalhos, gerando infindáveis debates. Todavia, o Provimento 83, acatando a corrente mais conservadora, altera o Art. 14 para fazer constar:

art. 14 ................................

1ª Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno.

2º A inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via judicial.

Assim, fica restringida a socioafetividade a apenas mais 1 genitor; a limitação é quantitativa.

No entanto, vale observar, que o Provimento estabelece um parágrafo que deixa a cargo do Judiciário a apreciação de mais genitores. Não se fecha a porta à multiparentalidade, apenas se judicializa, restando pacificado que 3 genitores podem ser reconhecidos por procedimento em cartório.

Vale ressaltar que resta em vigor na resolução 63 algumas vedações utilizadas pela adoção que são aplicadas ao reconhecimento da filiação socioafetiva, como por exemplo: a exigência de o genitor ser pelo menos 16 anos mais velho que o reconhecido; vedação de reconhecimento aos irmãos e ascendentes; autorização do maior de 18 anos de idade; idade mínima de 18 anos de idade do genitor; anuência dos pais registrais originários; ainda exige a livre manifestação de vontade do reconhecido com mais de 12 anos de idade. Ademais, como ocorre nos processos de adoção, se houver ação questionando a paternidade, não será possível realizar a socioafetividade registral, porém caso esta se realize, não há impedimentos futuros para o ajuizamento de ações de paternidade.

4.2 NOTAS TÉCNICAS: REGULAMENTAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA EM CARTÓRIO

Muito importante revelar que além dos 2 Provimentos, existe uma orientação técnica formulada pela ARPEN, seção Brasil, já mencionada anteriormente, que estabelece um guia de procedimentos a serem adotados pelos Registradores e que deve ser divulgado amplamente aos usuários que são as pessoas interessadas na concretização desse direito. A Nota Técnica foi elaborada pela associação de classe dos Registradores ao nível nacional, portanto se dirige a Registradores de todo o Brasil.

Segue um resumo do conteúdo dos Provimentos 63 e 83 do CNJ, à luz do que determina a mencionada Nota Técnica, lembrando que o Provimento 83 não tendo consolidado o Provimento anterior, criou 2 normas que devem ser analisadas em conjunto:

  • Base legal do procedimento de filiação socioafetiva: Provimentos 63 e 83 do CNJ;

  • Competência: o pedido deve ser formulado no cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento de nascimento do reconhecido, conforme for mais cômodo aos interessados;

  • Legitimidade ativa (quem pode reconhecer): pai ou mãe socioafetivo, desde que: maior de 18 anos; independentemente do estado civil; não seja irmão ou ascendente do reconhecido; seja pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido; não haja discussão judicial sobre o reconhecimento de paternidade/maternidade ou de adoção;

  • Legitimidade passiva (quem pode ser reconhecido): pessoa maior de 12 anos de idade, devendo-se sempre colher seu consentimento; o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral, somente sendo permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno. A inclusão de mais de 3 genitores socioafetivos deverá tramitar pela via judicial;

  • Recomenda-se anuência dos pais registrais quando se tratar de menor: no caso de reconhecimento de menor de 18 anos, o Oficial exigirá a anuência dos pais “registrais” do reconhecido, remetendo-se o procedimento ao juiz competente nos termos da legislação local nos casos de falta ou impossibilidade de manifestação válida destes; não é necessária a anuência dos pais “registrais” quando o reconhecido for emancipado ou maior de idade. No caso de ausência de vênia do genitor registral, o encaminhamento do procedimento pelo Registrador ao Juiz não desnaturaliza seu caráter extrajudicial;

  • Instrução documental: documento de identificação original com foto dos requerentes e do reconhecido; certidão original de nascimento do reconhecido; comprovação do vínculo afetivo: a paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente (posse de estado de filho). Para comprová-la, deverá o Registrador se valer de apuração objetiva por intermédio de elementos concretos tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; inclusão do pretenso filho como seu dependente em declaração de imposto de renda; declaração de testemunhas com firma reconhecida e outros;

  • Ônus da prova: como consequência do princípio da instância, caberá ao requerente a demonstração da existência da afetividade ao Registrador. Dentre os meios de comprovação em direito admitidos, privilegiou-se a forma documental, tendo o Provimento 83 trazido expressamente sete modalidades de documentos que poderão demonstrar a filiação socioafetiva. Não foi estabelecida a obrigatoriedade da apresentação de todos os documentos ali elencados. Pelo contrário, foi utilizada a expressão “tais como”, indicando tratar-se de rol meramente exemplificativo;

  • Termo próprio: o Anexo VI do Prov. 63 da CNJ traz um formulário para preenchimento obrigatório que tem natureza de requerimento administrativo;

  • Documento público ou particular de disposição de última vontade: o reconhecimento da socioafetividade pode ser feito indiretamente através desses documentos;

  • Vista do MP: atendidos aos requisitos para o reconhecimento da paternidade/ maternidade socioafetiva, o Registrador encaminhará o expediente ao representante do Ministério Público para parecer conclusivo. Se favorável ao reconhecimento, o Registrador procederá à averbação da paternidade ou maternidade socioafetiva. Se desfavorável, o Registrador não procederá à conclusão do reconhecimento e comunicará o ocorrido ao requerente, arquivando o expediente. Se houver dúvida por parte do Ministério Público, o procedimento deverá ser encaminhado ao juízo competente para dirimi-la. Nada impede que o requerente, diante da negativa do MP, constitua advogado e ajuíze ação própria;

  • Recusa ao requerimento de socioafetividade: havendo suspeição de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o Registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local. Importante assinalar que mesmo que o juiz acompanhe os fundamentos do Registrador e negue o pedido, os interessados sempre podem ajuizar ação própria para obter seu direito.

  • Efeitos do reconhecimento: o ato é irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação; não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica; o reconhecido passará a ter todos os direitos legais de filho (sucessórios, alimentícios, nome, etc) em igualdade com os filhos biológicos ou adotivos, sem distinção.

  • Publicidade: depois de findo o processo, os Autos de Reconhecimento serão encaminhados ao cartório de registro do reconhecido, caso não seja o mesmo cartório; será lavrada uma averbação no assento de nascimento do filho reconhecido; não será emitida certidão contendo informações sobre o procedimento de reconhecimento; no campo genitores aparecerão os 3 genitores sem menção a serem maternos ou paternos; os avós também em número de 6, não terão qualquer indicação de serem maternos ou paternos; certidão de inteiro teor (certidão que contém todos os dados do registro de nascimento) somente será emitida ao próprio se capaz ou por ordem judicial. Por fim, os documentos de identidade civil também contemplarão no campo filiação os 3 genitores.

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Sobre a autora
Mariangela Ariosi

Sou tabeliã e registradora no interior do estado de São Paulo. Carioca, fiz meus estudos no RJ; mestrado em Direito na UERJ. Cursei o doutorado em Direito na USP, sem concluir a Tese, interrompido pois estava estudando para vários concursos, todos na área de cartório. Cursei algumas Pós na área cartorária e atualmente me preparo para retornar e concluir o doutorado. Também , fui professora de Direito durante quase 20 anos em algumas universidades do RJ como UCAM, São José, Castelo Branco e UNIRIO, dentre outras. Atualmente continuo estudando e escrevendo sobre temas afetos às atividades cartorárias. Estou a sua disposição para conversarmos sobre esses temas e trocar informações.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARIOSI, Mariangela. A poliparentalidade decorrente da socioafetividade com procedimento diretamente protocolado nos cartórios extrajudiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7268, 26 mai. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81733. Acesso em: 4 mai. 2024.

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