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Congresso aproveita momento de pandemia e aprova o polêmico fim do voto de qualidade no CARF

07/05/2020 às 20:10
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Congresso aproveita momento de pandemia e aprova o polêmico fim do voto de qualidade no CARF, que pode impactar as conta públicas em R$ 60 bilhões anuais, conforme estimativas.

A Procuradoria Geral da República apresentou esta semana ao Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade para tentar suspender imediatamente os efeitos do artigo 28 da Lei nº 13.988/2020. O Partido Socialista Brasileiro também ajuizou a mesma ação para que a Suprema Corte declare inconstitucional o artigo da lei.

A lei, que foi sancionada pelo Presidente da República no dia 14 deste mês, contrariando as recomendações do Ministério da Justiça e da PGR, eliminou o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF. O artigo 28 dispõe que, em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade previsto no artigo 25, §9º do Decreto nº 70.235/72, resolvendo-se a lide favoravelmente ao contribuinte.

Esta mudança foi inserida pela Câmara dos Deputados como uma emenda “jabuti” na aprovação da Medida Provisória nº 899/2019, conhecida como MP do Contribuinte Legal, que regulamenta a transação tributária, programa do governo para a negociação de dívidas tributárias com a União.

As emendas “jabutis” são aquelas que não apresentam relação de pertinência temática com a medida provisória submetida à apreciação do Legislativo. A PGR aponta vício no processo legislativo justamente pela inserção de emenda parlamentar que altera um aspecto procedimental do julgamento administrativo dentro do texto de uma MP que tem por objetivo tratar da negociação extrajudicial de créditos tributários. Já o PSB, além da inconstitucionalidade, sustenta que o Congresso, aproveitando o momento de pandemia, aprovou a lei sem o devido debate durante a sua tramitação.

O CARF é o órgão colegiado integrante do Ministério da Economia que tem a função de julgar, em segunda instância, os processos administrativos em matéria tributária e aduaneira. É um colegiado paritário, formado por conselheiros, representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes. As turmas de julgamento são constituídas por 8 Conselheiros, sendo 4 representantes da Fazenda Nacional e 4 representantes dos contribuintes. Estes são indicados pelas Confederações Econômicas de nível nacional. Em todas as turmas, o cargo de presidente é ocupado por conselheiros representantes da Fazenda Nacional.

Nas regras atuais, o voto de qualidade no CARF é dado pelo presidente do colegiado, em casos de empate. Isso não significa que todos os processos empatados são julgados em favor da União, como será demonstrado mais adiante.

Caso o contribuinte obtenha decisão favorável no julgamento do CARF, a União não pode se valer do judiciário para tentar cobrar o crédito tributário após o encerramento do contencioso administrativo. Por outro lado, se o contribuinte perde o julgamento em última instância, tem a faculdade de tentar reverter a situação, recorrendo ao Poder Judiciário. Em razão deste desequilíbrio de forças no julgamento administrativo é que se estabeleceu o voto de qualidade do representante do Fisco, quando o julgamento termina empatado no Conselho.

Outro aspecto a ser observado é o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, cuja essência está na própria razão de existir da Administração Pública. Esta atua voltada aos interesses da coletividade. Assim, numa situação de conflito entre interesse de um particular e o interesse público, este último deve predominar. É este o princípio norteador dos atributos do ato administrativo, como a presunção de veracidade e de legitimidade.

Pela nova lei, havendo empate no julgamento do processo administrativo de exigência do crédito tributário, a decisão passa a ser automaticamente favorável ao contribuinte. Se antes o julgamento poderia ser favorável ou não ao contribuinte com o voto de qualidade do presidente da turma, agora, sempre lhe será favorável. A decisão final não caberá ao Estado e, sim, ao particular, situação que fere a presunção de legitimidade do ato administrativo.

Em outras palavras, o que se quer alertar é a criação de uma situação inusitada no país: a transformação do empate no julgamento administrativo em derrota automática para a Fazenda Pública significa que a interpretação da legislação tributária passará a ser submetida aos interesses privados - é a prevalência do interesse particular.

A partir de agora, os grandes contribuintes bem assessorados por escritórios de advocacia poderão decidir pelo pagamento ou não dos tributos. Na prática, o que pode acontecer é o contribuinte optar pelo não pagamento do tributo, em determinadas situações. Não havendo o pagamento, o Fisco lançará o crédito tributário de ofício por meio do auto de infração. E aí, basta impugnar a exigência, utilizando-se da assessoria advocatícia, e levando o litígio até a última instância administrativa. Como esses casos são complexos e, normalmente, envolvem planejamento tributário, fraude e sonegação, é muito comum o julgamento terminar empatado. Com a mudança na lei, o litígio será decido favoravelmente ao contribuinte e o crédito tributário será extinto, não havendo o pagamento.

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Como consequência lógica desse novo cenário, pode-se projetar uma queda considerável na arrecadação federal. Só para se ter uma ideia, no ano passado, o total de recursos julgados por voto de qualidade no CARF atingiu o montante de 74 bilhões de reais. Desse total, R$ 60,5 bilhões foram julgados em favor da Fazenda Nacional. Já, as decisões favoráveis aos contribuintes somaram 13,5 bilhões de reais, comprovando que o voto de qualidade não é garantia absoluta da Fazenda Nacional. Nos últimos três anos, R$ 177 bilhões de créditos tributários foram julgados em favor da União por voto de qualidade. Estes dados, evidenciam o tamanho do impacto financeiro nas contas públicas que pode ser provocado pela alteração da lei.

Em tempos de crise sanitária e econômica, o que resta mesmo é o socorro do Judiciário, que tem a oportunidade de restabelecer o bom senso e a segurança jurídica nas relações tributárias entre o Estado e os contribuintes.

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Sobre a autora
Nivea Assad Ghiraldini

Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GHIRALDINI, Nivea Assad. Congresso aproveita momento de pandemia e aprova o polêmico fim do voto de qualidade no CARF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6154, 7 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81739. Acesso em: 21 nov. 2024.

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