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Investigação criminal pelo Ministério Público:

uma crítica aos argumentos pela sua inadmissibilidade

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10/04/2006 às 00:00
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3. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A PERSECUÇÃO PENAL NO BRASIL.

3.1. Desenvolvimento Histórico do Ministério Público Brasileiro.

Nenhum trabalho sobre o Ministério Público estará completo sem fornecer, ainda que de forma resumida, noções acerca da evolução histórica do órgão. Para os fins deste trabalho, importa focar no desenvolvimento institucional do Ministério Público, bem como nas suas atribuições ao longo do tempo.

O primeiro texto legislativo nacional que se refere ao Ministério Público é o diploma de 9 de janeiro de 1609, que disciplinava a composição do Tribunal da Relação do Brasil, sediado na Bahia. Neste Tribunal, o papel de Procurador da Coroa e Promotor de Justiça era exercido por um dos dez desembargadores que compunham a Corte.

A nossa primeira Constituição, a Carta Imperial de 1824 14, não tratou pormenorizadamente do Ministério Público, limitando-se a regular que a acusação dos crimes em juízo seria feita pelo Procurador da Coroa e Soberania Nacional.

No Código de Processo Criminal do Império de 1832, o Ministério Público teve trato mais sistemático, havendo sido estabelecido que podiam ser promotores de justiça aqueles que podiam ser jurados, sendo que, preferencialmente, a escolha recairia sobre aqueles que fossem conhecedores das leis do país (art. 36). Ou seja, podiam ser promotores (ou jurados) aqueles que pudessem ser eleitores e possuíssem reconhecido bom senso e probidade (art. 23).

O art. 37 do Código de Processo Criminal do Império (MACHADO, 1998, p. 17/18) estabelecia as atribuições do promotor de justiça:

Denunciar os crimes públicos e policiais, o crime de redução à escravidão de pessoas livres, cárcere privado ou homicídio ou tentativa, roubos, calúnias, injúrias contra pessoas várias, bem como acusar os delinqüentes perante os jurados, solicitar a prisão e punição dos criminosos e promover a execução de sentenças e mandados judiciais (§ 2.º); dar parte às autoridades competentes das negligências, omissões e prevaricações dos empregados na administração da justiça (§ 3.º).

Em 1889, através de um movimento civil e principalmente militar, deixou o Brasil de ser Estado Unitário gerido por uma Monarquia Parlamentarista para se tornar uma República Federativa Presidencialista. Com a radical mudança, fez-se necessária uma nova Constituição, promulgada 15 em 24 de fevereiro de 1891. Esta Carta, no entanto, apenas tratou do Ministério Público no tocante à nomeação do Procurador Geral da República, escolhido pelo Presidente dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 58, § 2.º).

Com o advento da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, houve rompimento com a ordem constitucional vigente. Foi instalado um governo provisório e eleita uma Assembléia Nacional Constituinte que promulgou a terceira Constituição brasileira em 14 de julho de 1934. Esta Carta institucionalizou o Ministério Público, dando-lhe um capítulo à parte, intitulado "dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais", sendo importante destacar os seguintes avanços: estabilidade dos membros do Parquet; regulamentação do ingresso na carreira; e paridade de vencimentos do Procurador Geral da República com os dos Ministros da Suprema Corte.

A Carta Constitucional do Estado Novo, outorgada em 1937 e elaborada por Francisco Campos, iniciou um novo regime de supressão das liberdades individuais. Nela o Ministério Público sofreu a perda da estabilidade e da paridade de vencimentos. A nova Constituição limitava-se a estabelecer que o cargo de Procurador Geral da República era de livre nomeação e demissão pelo Presidente, devendo recair a escolha em pessoa que reúna os requisitos exigidos para o cargo de Ministro do STF (art. 99).

Em 18 de setembro de 1946, com o restabelecimento da democracia, é promulgada a quinta Constituição brasileira, dando novos contornos ao Ministério Público. Os arts. 125 a 128 da Carta Magna davam título próprio à instituição, disciplinando sua organização, a escolha do Procurador Geral da República, o ingresso na carreira mediante concurso público e as garantias de estabilidade e inamovibilidade de seus membros. Foi legitimando o Procurador Geral da República a representar pela inconstitucionalidade de leis e atos normativos e foi dada competência ao Senado para aprovar a escolha do Procurador Geral, a ser feita pelo Chefe do Poder Executivo (arts. 63, I e 126).

Com o golpe militar de 1964, a Constituição de 1946 sofre uma ruptura pois, embora vigente, passou a conviver com uma normatividade paralela: os Atos Institucionais.

O regime militar necessitava de uma Constituição que consagrasse seus anseios e sufocasse qualquer tentativa de levante. Foi como surgiu a Carta de 24 de janeiro de 1967 16, a sexta do Brasil. Com o novo Documento, o Ministério Público foi deslocado para dentro do Poder Judiciário, em posição de subordinação.

No ano seguinte, o Ato Institucional nº. 5, de 13 de dezembro de 1968 suspendeu a vigência da Constituição de 1967, dando poderes totalitários ao Presidente da República. Foi uma época de supressão dos direitos públicos e privados.

Em 17 de outubro de 1969, entrou em vigor a extensa Emenda Constitucional n.º 1 17, confeccionada por uma junta militar composta de três membros. Nesta, que é considerada materialmente a sétima Constituição do país, o Ministério Público foi colocado no capítulo referente ao Poder Executivo.

O fim do regime militar chegou com o movimento das Diretas Já e foi consolidado com a promulgação da Constituição Democrática de 5 de outubro de 1988, que consagra o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado.

Como a Constituição colocou o Ministério Público em um capítulo próprio, discute-se se ele estaria vinculado ao Poder Judiciário ou ao Poder Executivo, ou ainda se seria um quarto poder. Na verdade, esta discussão é estéril. Não importa a vinculação do órgão ministerial, já que ele não deve subordinação a ninguém, sendo-lhe asseguradas autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2.º), bem como iniciativa orçamentária (art. 127, § 3.º).

Segundo Quiroga Lavé, "quando se fala em órgão independente com autonomia funcional e financeira afirma-se que o Ministério Público é um órgão extrapoder, ou seja, não depende de nenhum dos poderes do Estado, não podendo nenhum de seus membros receber instruções vinculantes de nenhuma autoridade pública" (MORAES, 2000, PÁG 477).

Os membros do Ministério Público gozam de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Ao contrário do que se costuma dizer, não se tratam de privilégios da carreira, mas de garantias da sociedade de que o promotor será efetivamente independente no exercício de sua função (art. 127, § 1.º), resistente às pressões políticas, econômicas e institucionais, não devendo subordinação ideológica ou intelectual a quem quer que seja, podendo e devendo atuar segundo os ditames da lei, do seu entendimento pessoal e da sua consciência.

Incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF). Em última análise, cabe ao Ministério Público zelar pelo fiel cumprimento das leis e promover a Justiça.

De todo o exposto, é impossível não notar o crescimento da importância e das atribuições do Ministério Público ao longo do tempo. Por outro lado, não é por acaso que as Constituições Democráticas representaram avanços para a instituição, enquanto que, nos momentos de ruptura, truculência e ditadura, a providência primeira sempre foi suprimir os poderes e subordinar o Ministério Público.

3.1.1. Caso Fleury.

Segundo conta Paulo Rangel (2003, p. 144/145), durante o regime militar, o Delegado de Polícia Sérgio Fernando Paranhos Fleury, homem forte no sistema de segurança pública do Estado de São Paulo, liderava um chamado "Esquadrão da Morte", grupo armado ligado ao tráfico de drogas e dado a execuções sumárias.

Naqueles tempos, o Ministério Público era um órgão sem independência funcional, sujeito a toda sorte de pressões. Além disso, Fleury era figura influente. A inatividade estatal apenas foi encerrada pela insistência do Procurador de Justiça Hélio Bicudo e pelo escândalo internacional gerado pelos crimes do Esquadrão da Morte.

Designado para realizar, pessoal e diretamente, as investigações criminais sobre as atividades do grupo, o Dr. Hélio Bicudo instaurou vários processos contra Fleury. Nesta época, entretanto, o Delegado estava fortalecido pela proximidade com o Presidente Médici, havendo formado com este uma aliança para o combate à "subversão". Assim, o Procurador foi afastado das investigações e foi aprovada a Lei 5941/73, que ficou conhecida como Lei Fleury e foi encomendada para garantir a liberdade provisória do Delegado caso o processo tivesse seguimento.

Este caso, à propósito do tema, permite várias observações interessantes. Em primeiro lugar, o Ministério Público realizou investigação criminal direta em 1973, durante o regime militar e quando ainda não possuía a maioria de suas modernas atribuições. Depois, a inexistência das garantias constitucionais do Ministério Público, notadamente a inamovibilidade, facilitava o "abafamento" das investigações criminais, tudo conforme os interesses do governo. Por fim, o Delegado Fleury, que possuía farta influência política, demonstrou um poder de pressão capaz de exterminar a investigação criminal.

3.2. Características da Persecução Criminal e do Ministério Público no Brasil.

Segundo o pensamento do pré-iluminista Jean-Jacques Rousseau(2000, p. 23-25), na natureza 18, cada homem é portador de mais absoluta liberdade. Para o filósofo, a única sociedade natural é a família e, mesmo nela, os filhos deixam de se submeter aos pais quando destes não mais necessitam. As agregações de homens e de famílias, segundo o autor, surgiram por necessidade de autopreservação, quando a força individual não era mais suficiente para prevenir a extinção. Cada sociedade que nascia firmava o que ficou conhecido com um contrato social. Pelo contrato social, cada indivíduo cede parte de sua liberdade à coletividade em troca de segurança. O problema principal que a fórmula do contrato social busca resolver é garantir a convivência harmônica dentro de um grupo formado por indivíduos que, por natureza, não se submetem uns aos outros.

Para Montesquieu(2002, p. 19-22), outro percussor do Iluminismo, quando os homens passaram a viver em sociedade perderam o sentido de sua própria fraqueza. Cada sociedade passou a se sentir forte, o que gerou um estado de guerra entre as nações. Ao mesmo tempo, cada indivíduo, em cada sociedade, começou a sentir-se forte e a buscar algum tipo de vantagem de sua sociedade, gerando um estado de guerra entre os membros da agremiação. Essas duas espécies de guerra geraram a necessidade do estabelecimento de leis entre os homens.

Assim, desde que o homem começou a viver em sociedade, passou a haver a necessidade de regras de convívio social. Antes plenamente livre, o cidadão social teve de aprender a suprimir parte de seu "direito natural", em respeito ao direito e à liberdade do conviva.

Uma das primeiras expressões escritas do Direito foi o Código de Hammurabi 19, que estabeleceu a vingança privada e a Lei de Talião (do latim talionis, que significa "tal" ou "igual"). Como o Direito era eminentemente privado (especialmente em Roma 20), era o ofendido que buscava punir o infrator daquelas normas de convívio social. Nem sempre o ofendido lograva êxito, entretanto, em sua árdua missão. Por vezes, infrações não punidas ou punidas com excessivo rigor vertiam-se em intermináveis vendetas familiares, provocando verdadeiro caos social.

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Posteriormente, o Estado assumiu o jus puniendi das ofensas aos bens jurídicos mais relevantes, utilizando todo o seu poderio para garantir a punição do infrator. Ainda cabia à vítima, entretanto, o ônus de promover a acusação. Tal tarefa consistia, muitas vezes, em uma segunda violência contra o ofendido, por vezes incapacitado tecnicamente para a missão.

A sociedade precisava, então, de um órgão estatal capacitado para promover a acusação de forma eficiente, desprovido de qualquer sentimento que não seja o de Justiça e independente funcionalmente. Esta missão foi dada ao Ministério Público.

Neste ponto, devem ser relembradas as palavras de Malatesta (2003, p. 11), segundo as quais, "assim como o código das penas deve ser a espada infalível para golpear os delinqüentes, assim o código dos ritos, inspirado na teoria da lógica sã, sendo o braço que guia com segurança aquela espada contra o peito dos réus, deve também ser o escudo inviolável da inocência". Corroborando com este entendimento, Paulo Rangel (2004, p. 5-6) explica que o Processo Penal possui duas funções: é meio para se aplicar o Direito penal, mas também é instrumento para se efetivar os direitos e garantias individuais.

Neste sentido, o cidadão acusado de um crime tem o direito de ser acusado por um órgão independente, objetivo, técnico. O Direito Processual Penal garante ao infrator a observância de todos os direitos previstos na Constituição, sendo a pena aplicada apenas em último caso, diante de provas contundentes de sua culpa, após um processo justo.

Por outro lado, embora o Ministério Público seja obrigado a propor a ação penal pública, não deve esta obrigatoriedade ser confundida com a necessidade de proposição, a qualquer custo, da ação penal. A obrigatoriedade surge apenas diante da presença de um fato típico, ilícito e culpável, significando então que, havendo elementos que viabilizem o exercício da ação penal, não tem o Ministério Público discricionariedade para oferecer denúncia ou não. Tem que fazê-lo.

Por vezes, mesmo havendo o lastro probatório mínimo para a propositura da ação penal, ao final da instrução criminal, resta convencido o promotor da insuficiência de provas ou mesmo da inocência do acusado. Embora seja vetado ao promotor desistir da ação penal, no uso de sua independência funcional lhe é permitido pronunciar-se pela absolvição do réu, o que acontece em inúmeras oportunidades.

Da mesma forma, na busca do cumprimento da lei, é atribuição ministerial recorrer de sentença em benefício do condenado quando, por exemplo, acreditar que o juiz falhou na dosimetria da pena. Neste mesmo sentido, se o promotor tiver acesso a uma prova exculpatória, não pode se furtar a trazê-la ao processo, devendo, aliás, lutar para que seja ela apreciada.

Não se trata, pois, de uma parte propriamente dita, mas de uma parte imparcial, objetiva, técnica. Parte propriamente dita defende um interesse próprio, enquanto que o Ministério Público age como substituto processual da sociedade, desejando unicamente que seja feita a Justiça. E Justiça, no campo do Processo Penal, é condenar o culpado e absolver o inocente. A visão do Ministério Público como mero órgão acusador não condiz com a moderna feição da instituição dada pela Constituição Cidadã. É visão ultrapassada.

O promotor não deve ser imaginado com os dentes cerrados, buscando a condenação a qualquer custo, mas lutando incansável e serenamente para que a lei seja aplicada e, acima de tudo, para que a Justiça seja alcançada. Trata-se, afinal, de promotor de JUSTIÇA, não de promotor da LEI, muito menos de promotor de CONDENAÇÃO.

Assim, impróprio considerar o Ministério Público meramente um "órgão investido de funções nitidamente persecutórias", como já o fez Frederico Marques (1998, p. 213). Da mesma forma, não assiste razão à Tourinho Filho (1998, p. 351), quando afirma que o Ministério Público "não pode ficar eqüidistante das partes", pois se funda no falso pressuposto de aquela instituição é parte no sentido ordinário da palavra.

Importante observar que as atribuições e poderes ministeriais previstos expressamente na Carta Magna (art. 129) 21 não são um rol exaustivo 22, sendo que diversos diplomas legais ordinários vieram a os ampliar. Como exemplo, pode-se citar o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.079/90), que incluiu os interesses individuais homogêneos do consumidor sob a proteção do Ministério Público (art. 82, I c/c art. 81, parágrafo único, III). 23 24

No Brasil, a apuração dos fatos criminosos é responsabilidade da polícia, que é subordinada ao Poder Executivo, entretanto, a dispensabilidade do inquérito policial para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público é questão pacífica na doutrina, desde que ele possua outros elementos para formar a sua opinio delicti. Sobre o tema, Tourinho Filho:

O inquérito policial é peça meramente informativa. Nele se apuram a infração penal com todas as suas circunstâncias e a respectiva autoria. Tais informações têm por finalidade permitir que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o ofendido, possa exercer o jus persequendi in judicio, isto é, possa iniciar a ação penal.

Se essa é a finalidade do inquérito, desde que o titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido) tenham em mãos as informações necessárias, isto é, os elementos imprescindíveis ao oferecimento de denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito será perfeitamente dispensável (TOURINHO FILHO, 1997, p. 196).

Enfim, convém lembrar que, como corolário do princípio do in dúbio pro reo 25, o ônus da prova da autoria e materialidade, no Processo Penal, é exclusivo do Ministério Público.

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Sobre o autor
Manuel Sabino Pontes

Defensor Público no Rio Grande do Norte, lotado em Natal/RN, Especialista em Direito Constitucional e Financeiro pela Universidade Federal da Paraíba, Especialista em Direito Processual Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Manuel Sabino. Investigação criminal pelo Ministério Público:: uma crítica aos argumentos pela sua inadmissibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1013, 10 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8221. Acesso em: 5 nov. 2024.

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