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Investigação criminal pelo Ministério Público:

uma crítica aos argumentos pela sua inadmissibilidade

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10/04/2006 às 00:00
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5. POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES.

5.1. Posição do Superior Tribunal de Justiça.

O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo de forma reiterada e pacífica pela possibilidade ampla de o Ministério Público realizar investigação criminal de forma direta. Ambas as Turmas com competência criminal 32 são unânimes neste sentido, não havendo nota destoante sequer na Corte Especial 33, quando este colegiado decidiu a matéria em dezembro de 2003 34 (HC 30683/MT).

Exemplos desta orientação jurisprudencial são abundantes, sendo possível selecionar trechos das decisões mais contundentes:

Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória. A simples participação na fase investigatória, coletando elementos para o oferecimento da denúncia, não incompatibiliza o Representante do Parquet para a proposição da ação penal. A atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial – o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação (RHC 8106/DF, 2001, grifamos) 35.

Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido da dispensabilidade do inquérito policial para propositura de ação penal pública, podendo o Parquet realizar atos investigatórios para fins de eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando os envolvidos são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do órgão ministerial (RHC 11670/RS, 2001, grifamos) 36.

I - Na esteira de precedentes desta Corte, malgrado seja defeso ao Ministério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, não lhe é vedado, como titular da ação penal, proceder investigações. A ordem jurídica, aliás, confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n 75/1993. (Precedentes). II - Por outro lado, o inquérito policial, por ser peça meramente informativa, não é pressuposto necessário à propositura da ação penal, podendo essa ser embasada em outros elementos hábeis a formar a opinio delicti de seu titular. Se até o particular pode juntar peças, obter declarações, etc., é evidente que o Parquet também pode. Além do mais, até mesmo uma investigação administrativa pode, eventualmente, supedanear uma denúncia (RHC 15469/PR, 2004, grifamos) 37.

A questão acerca da possibilidade do Ministério Público desenvolver atividade investigatória objetivando colher elementos de prova que subsidiem a instauração de futura ação penal, é tema incontroverso perante esta eg. Turma. Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 129, I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Essa atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor. Entender-se que a investigação desses fatos é atribuição exclusiva da polícia judiciária, seria incorrer-se em impropriedade, já que o titular da Ação é o Órgão Ministerial. Cabe, portanto, a este, o exame da necessidade ou não de novas colheitas de provas, uma vez que, tratando-se o inquérito de peça meramente informativa, pode o MP entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação penal. Ora, se o inquérito é dispensável, e assim o diz expressamente o art. 39, § 5º, do CPP, e se o Ministério Público pode denunciar com base apenas nos elementos que tem, nada há que imponha a exclusividade às polícias para investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública. - A Lei Complementar n.º 75/90, em seu art. 8º, inciso IV, diz competir ao Ministério Público, para o exercício das suas atribuições institucionais, "realizar inspeções e diligências investigatórias". Compete-lhe, ainda, notificar testemunhas (inciso I), requisitar informações, exames, perícias e documentos às autoridades da Administração Pública direta e indireta (inciso II) e requisitar informações e documentos a entidades privadas (inciso IV). Recurso desprovido (RHC 14543/MG, 2004, grifamos) 38.

1. O respeito aos bens jurídicos protegidos pela norma penal é, primariamente, interesse de toda a coletividade, sendo manifesta a legitimidade do Poder do Estado para a imposição da resposta penal, cuja efetividade atende a uma necessidade social. 2. Daí por que a ação penal é pública e atribuída ao Ministério Público, como uma de suas causas de existência. Deve a autoridade policial agir de ofício. Qualquer do povo pode prender em flagrante. É dever de toda e qualquer autoridade comunicar o crime de que tenha ciência no exercício de suas funções. Dispõe significativamente o artigo 144 da Constituição da República que ´A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio´ 3. Não é, portanto, da índole do direito penal a feudalização da investigação criminal na Polícia e a sua exclusão do Ministério Público. Tal poder investigatório, independentemente de regra expressa específica, é manifestação da própria natureza do direito penal, da qual não se pode dissociar a da instituição do Ministério Público, titular da ação penal pública, a quem foi instrumentalmente ordenada a Polícia na apuração das infrações penais, ambos sob o controle externo do Poder Judiciário, em obséquio do interesse social e da proteção dos direitos da pessoa humana. 4. Diversamente do que se tem procurado sustentar, como resulta da letra do seu artigo 144, a Constituição da República não fez da investigação criminal uma função exclusiva da Polícia, restringindo-se, como se restringiu, tão-somente a fazer exclusivo, sim, da Polícia Federal o exercício da função de polícia judiciária da União (parágrafo 1º, inciso IV). Essa função de polícia judiciária – qual seja, a de auxiliar do Poder Judiciário –, não se identifica com a função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, bem distinguidas no verbo constitucional, como exsurge, entre outras disposições, do preceituado no parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição Federal, verbis: ´§ 4º às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.´ Tal norma constitucional, por fim, define, é certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade. 5. O poder investigatório que, pelo exposto, se deve reconhecer, por igual, próprio do Ministério Público é, à luz da disciplina constitucional, certamente, da espécie excepcional, fundada na exigência absoluta de demonstrado interesse público ou social. O exercício desse poder investigatório do Ministério Público não é, por óbvio, estranho ao Direito, subordinando-se, à falta de norma legal particular, no que couber, analogicamente, ao Código de Processo Penal, sobretudo na perspectiva da proteção dos direitos fundamentais e da satisfação do interesse social, que, primeiro, impede a reprodução simultânea de investigações; segundo, determina o ajuizamento tempestivo dos feitos inquisitoriais e, por último, faz obrigatória oitiva do indiciado autor do crime e a observância das normas legais relativas ao impedimento, à suspeição, e à prova e sua produção. 6. De qualquer modo, não há confundir investigação criminal com os atos investigatório-inquisitoriais complementares de que trata o artigo 47 do Código de Processo Penal. 7. ´A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia. (Súmula do STJ, Enunciado nº 234). (HC 24.493/MG, da minha Relatoria, in DJ 17/11/2003). 2. Recurso improvido" 39 (RHC 13728/SP, 2004, grifamos).

5.2. Posição do Supremo Tribunal Federal.

A questão em voga já esteve em debate perante o Supremo Tribunal Federal em mais de uma ocasião. Ao contrário do ocorrido no STJ, onde o amplo poder investigatório do Ministério Público em matéria criminal é reconhecido de forma pacífica, no STF a questão ainda não assumiu contornos definitivos. Os precedentes não são fartos, nem a posição pacífica.

Em 30 de setembro de 1997, no julgamento do Habeas Corpus 75.769/MG, relatado pelo Ministro Octávio Gallotti, a Primeira Turma do STF indeferiu o pedido, acolhendo a tese do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais no sentido de que a prática de atos de investigação pelo Promotor de Justiça não o impede de oferecer denúncia. Consta da ementa: "Regular participação do órgão do Ministério Público em fase investigatória e falta de oportuna argüição de suposta suspeição. Pedido indeferido". 40 Muito embora neste caso a questão específica da condução da investigação pelo Ministério Público não tenha sido objeto de debate aprofundado no Supremo Tribunal Federal, a admissão da tese estava claramente afirmada na decisão do Tribunal Estadual e não foi objeto de censura.

Em 1º de setembro de 1998, no julgamento pela 2ª Turma do HC 77.371/SP, relatado pelo Ministro Nelson Jobim e que tratava justamente da oitiva de testemunha diretamente pelo Ministério Público, ficou consignada a possibilidade da realização da diligência:

Quanto à aceitação, como prova, de depoimento testemunhal colhido pelo Ministério Público, não assiste razão ao paciente, por dois motivos: a) não é prova isolada, há todo um contexto probatório em que inserida; e b) a Lei Orgânica do Ministério Público faculta a seus membros a prática de atos administrativos de caráter preparatório tendentes a embasar a denúncia 41 (grifamos).

No mesmo ano, em 7 de dezembro de 1998, a 2ª Turma julgou o HC 77.770-SC, relatado pelo Ministro Néri da Silveira, onde, mais uma vez, a Corte Suprema decidiu no sentido da ampla liberdade de investigação do Ministério Público. Consta do respectivo acórdão:

Com apoio no art. 129 e incisos, da Constituição Federal, o Ministério Público poderá proceder de forma ampla, na averiguação de fatos e na promoção imediata da ação penal pública, sempre que assim entender configurado ilícito. Dispondo o promotor de elementos para o oferecimento da denúncia, poderá prescindir do inquérito policial, haja vista que o inquérito é procedimento meramente informativo, não submetido ao crivo do contraditório e no qual não se garante o exercício da ampla defesa 42 (grifamos).

Neste julgamento, referiu-se o relator a voto anterior por ele proferido perante o Tribunal Pleno naquele mesmo sentido, em março de 1997, quando do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1571-1-DF, ocasião em que asseverou:

É de se observar, ademais, que, para promover a ação penal pública, ut art. 129, I, da Lei Magna da república, pode o MP proceder as averiguações cabíveis, requisitando informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos preparatórios da ação penal (CF, art. 129, VI), requisitando também diligências investigatórias e instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII), o que, à evidência, não se poderia obstar por norma legal, nem a isso induz a inteligência da regra legis impugnada ao definir disciplina para os procedimentos da Administração Fazendária. Decerto, o art. 83 em foco quer não aja a Administração, desde logo, sem antes concluir o processo administrativo fiscal, mas essa conduta imposta às autoridades fiscais não impede a ação do MP, que, com apoio no art. 129 e seus incisos, da constituição, poderá proceder, de forma ampla, na pesquisa da verdade, na averiguação de fatos e na promoção imediata da ação penal pública, sempre que assim entender configurado ilícito, inclusive de plano tributário 43 (grifamos).

Em 15 de dezembro de 1998 – apenas uma semana depois – a mesma Segunda Turma julgou o Recurso Extraordinário 205.473-9/AL, relatado pelo Ministro Carlos Mário Velloso. Neste caso, um Procurador da República em Alagoas requisitou ao Delegado da Receita Federal no Estado a realização de algumas diligências investigatórias em uma empresa, para a apuração de ilícitos fiscais. O Delegado informou que a matéria envolvia o "caso PC Farias", cujas investigações estavam centralizadas na Coordenação Geral em Brasília. Diante da recusa, o Procurador da República requisitou a instauração de inquérito contra o Delegado da Receita. Suscitada a questão de o Ministério Público dirigir-se diretamente à autoridade administrativa, sem recorrer à autoridade policial, pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal contrariamente aos entendimentos anteriores:

Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial competente para tal (CF, art. 144, §§ 1° e 4°). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior 44 (grifamos).

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Assim, a possibilidade de investigação criminal direta pelo Ministério Público – embora, mais uma vez, não tenha sido objeto de debate mais minucioso – foi expressamente rejeitada pela 2ª Turma nessa decisão.

Em 18 de maio de 1999, foi julgado o Recurso Extraordinário 233.072-4/RJ. Neste caso, determinado Procurador da República, acreditando na ocorrência de irregularidades em procedimento licitatório de órgão do Ministério da Fazenda, requisitou o respectivo processo administrativo e convocou pessoas para serem ouvidas diretamente. Com base em tais elementos, ofereceu denúncia contra os envolvidos. O Tribunal Regional Federal da 2ª. Região concedeu Habeas Corpus para trancamento da ação penal, sob o fundamento de que o Ministério Público exorbitara de sua função. Os Ministros Néri da Silveira e Maurício Corrêa conheceram e deram provimento ao recurso, para que se desse prosseguimento à ação penal. Os Ministros Nelson Jobim e Marco Aurélio não conheceram do recurso, por entenderem que o Ministério Público não tinha competência para promover inquérito administrativo para apurar conduta criminosa de servidor público. Na seqüência, o Ministro Carlos Mário Velloso não conheceu do recurso por razão totalmente diversa. Assim, a ementa do acórdão, relatado pelo Ministro Nelson Jobim, a seguir transcrita, não expressa, a rigor, o consenso que se formou:

O Ministério Público não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não conhecido 45 (grifamos).

Em 6 de maio de 2003, o Ministro Nelson Jobim relatou o Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 81.326-7-DF, já citado neste trabalho. Neste processo, o STF reformou decisão do STJ para tornar insubsistente convocação de delegado de polícia para depor junto ao Ministério Público do distrito federal 46.

Com exceção da referida Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1571-1-DF, todas estas decisões foram das Turmas do STF, inexistindo decisão plenária sobre o tema com a atual composição da Suprema Corte.

Atualmente, conforme já referido, encontra-se pendente de decisão o Inquérito 1.968-DF, onde se espera uma decisão que cristalize o entendimento do STF sobre o tema. O julgamento tem sido acirrado e o debate empolgante. O resultado final, entretanto, é imprevisível.

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Sobre o autor
Manuel Sabino Pontes

Defensor Público no Rio Grande do Norte, lotado em Natal/RN, Especialista em Direito Constitucional e Financeiro pela Universidade Federal da Paraíba, Especialista em Direito Processual Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Manuel Sabino. Investigação criminal pelo Ministério Público:: uma crítica aos argumentos pela sua inadmissibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1013, 10 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8221. Acesso em: 26 abr. 2024.

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