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Desmistificando a contagem de prazos no Código Civil

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O Código Civil, em seu art. 2028, ao disciplinar a solução do conflito intertemporal de leis, especialmente no que tange aos prazos que já estavam em curso, e que foram reduzidos pelo novo diploma legal, dispõe que:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Este, sem dúvida alguma, é um artigo que merece a nossa mais detida atenção, para que não cheguemos a conclusões absurdas.

Uma análise mais acurada do referido diploma indicará que o legislador, em inúmeras de suas normas, reduziu os prazos anteriormente previstos na lei revogada, a exemplo do prazo prescricional máximo das pretensões de natureza pessoal, que foram reduzidos de 20 para 10 anos (art. 177, CC-16 e art. 205, CC-02), ou os prazos de usucapião, que diminuíram para 15 (usucapião extraordinário) ou 5 anos (usucapião ordinário).

A razão específica da norma sob comento consiste, precisamente, em resolver a intrincada questão referente à incidência da nova lei em relação aos prazos que, iniciados na lei anterior, ainda estejam em curso na data da vigência do novo Código, se forem por este reduzidos.

Um exemplo irá ilustrar a hipótese.

Imagine-se que um determinado sujeito haja cometido um ato ilícito antes da vigência do novo Código.

Passados 12 anos, a vítima (credor) ainda não formulou em juízo, por meio da conhecida "ação ordinária de reparação civil", a pretensão indenizatória contra o agente causador do dano (devedor).

Sob a égide do Código de 1916 pretensões pessoais indenizatórias prescreviam, como se sabe, no prazo máximo de 20 anos (art. 177, CC-16). Entrando em vigor a nova lei, que reduziu o prazo prescricional de 20 para 3 anos (art. 206, § 3°, V), perguntase: quantos anos restariam para se completar o prazo máximo, 8 (segundo a lei velha) ou 3 (segundo a lei nova)?

O nosso Código estabelece, como visto, que prevalecerá o prazo da lei anterior, ainda que mais dilatado, se, na data da entrada em vigor da lei nova, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Pela expressão "mais da metade", entenda-se: "metade do prazo mais um dia", devendo-se advertir que, por se tratar de prazo de direito material, a sua contagem dar-seá dia-a-dia.

Dessa forma, no exemplo supra, já havendo transcorrido 12 anos na data da vigência do novo Código, ou seja, mais da metade do tempo estabelecido pela lei anterior (10 anos), restarão ainda 8 anos para que se atinja o prazo prescricional máximo extintivo da pretensão indenizatória.

Por mais que se afigure estranho o fato de a lei revogadora reduzir o prazo para 3, e, ainda assim, remanescer o lapso de 8 anos, esta foi a opção do legislador, que entendeu por bem manter a incidência da lei superada, se já houvesse transcorrido mais da metade do tempo previsto.

No entanto, se somente houvessem transcorrido sete anos (menos da metade do prazo estabelecido pela lei revogada), fica claro que faltariam três a contar da vigência de lei nova.

Nesse sentido, WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, analisando o Código Civil Alemão, sugere que: "Se a lei nova reduz o prazo de prescrição ou decadência, há que se distinguir: a) se o prazo maior da lei antiga se escoar antes de findar o prazo menor estabelecido pela lei nova, adota-se o prazo estabelecido pela lei anterior; b) se o prazo menor da lei nova se consumar antes de terminado o prazo maior previsto pela anterior, aplica-se o prazo da lei nova, contando-se o prazo a partir da vigência desta".(1) (grifamos)

A única conclusão a que o intérprete não deve chegar, na hipótese supra, é afirmar que a prescrição já havia se operado, sob pena de cometer o grave erro de imaginar que o Código estava vigente na data da consumação do ilícito. Ademais, estar-se-ia imprimindo uma retroatividade "astronômica" à lei nova, fulminando complemente a pretensão da vítima.

Tal aspecto poderia ter sido melhor explicitado pelo Código, estabelecendo-se um parágrafo único ao referido art. 2028, que realçasse a contagem do prazo menor, a partir da lei nova.

Todavia, mesmo na falta deste dispositivo, a contagem do prazo menor, a partir da vigência do novo Código Civil é imperativo lógico, derivado das mais comezinhas regras de direito intertemporal, dispensando profundas reflexões por parte do aplicador do direito.


Nota

01 BATALHA, Wilson de Souza Campos, in Lei de Introdução ao Código Civil, cit. por GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, in Novo Curso de Direito Civil, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 508.

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Sobre os autores
Pablo Stolze Gagliano

Juiz de Direito. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Professor da Universidade Federal da Bahia. Co-autor do Manual de Direito Civil e do Novo Curso de Direito Civil (Ed. Saraiva).

Arruda Alvim

desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, professor titular da PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAGLIANO, Pablo Stolze ; ALVIM, Arruda. Desmistificando a contagem de prazos no Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1049, 16 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8226. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo desenvolvido a partir dos originais dos "Comentários ao Código Civil" (Forense) aos artigos 2028 a 2046, por Pablo Stolze Gagliano, obra sob a coordenação cientifica do Dr. Arruda Alvim.

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