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Do processo administrativo tributário no Estado do Ceará

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12/04/2006 às 00:00
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5 Da inafastabilidade do controle jurisdicional

A discussão da legalidade e da legitimidade do lançamento poderá ocorrer nas duas esferas "jurisdicionais", ou o contribuinte pode optar por apenas uma delas. No sistema jurídico brasileiro, a instância administrativa não é exauriente, uma vez que os atos administrativos ilegítimos ou ilegais, praticados pelos agentes do Estado, são passíveis de revisão por inexistir vedação ao seu conhecimento pelo Poder Judiciário.

Citamos o entendimento acima, com fulcro no repertório jurisprudencial, notadamente na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal trazida à colação:

Súmula 473 - STF. A administração pode anular seus atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

É uma particularidade do ato administrativo não produzir coisa julgada, uma vez que a interpretação da Administração é provisória, sendo passível de revisão pelo Poder Judiciário. O contribuinte que se achar ameaçado ou lesado em seu direito poderá recorrer ao Poder Judiciário, ingressando com ação visando a anulação da decisão de primeira instância administrativa.

Ainda que se faça referência expressa à ação anulatória, cumpre evidenciar que esta via recursal só é permitida ao contribuinte, caso a decisão administrativa definitiva lhe tenha sido desfavorável. Isto é assim porque a decisão definitiva em processo administrativo só faz coisa julgada contra a Fazenda Pública.

O Estado, corporificado pela Administração e todos os seus órgãos, ainda que no exercício de função atípica, é um sujeito das relações jurídicas. Quando um órgão de julgamento administrativo decide um conflito entre o particular e a Administração, é o próprio Estado, titular de relações jurídicas, que está manifestando sua vontade.

Pudesse o Estado-Administração ir a juízo para defender-se contra seus próprios atos, decretar-se-ia a inutilidade dos órgãos de julgamento administrativo. Por conseguinte, temos que a Administração Pública não poderá ingressar em juízo para questionar atos de órgão administrativo que dela fazem parte.

O contribuinte poderá dispensar o recurso à instância administrativa e provocar diretamente o Poder Judiciário. As conseqüências da opção pelo Poder Judiciário são a interrupção dos trâmites administrativos pela presunção de desistência da instância revisional e a imediata inexigibilidade do crédito tributário até o trânsito em julgado do processo judicial.

A única exceção ao princípio da inafastabilidade da jurisdição é o comando contido no parágrafo primeiro do artigo 217 da Constituição Federal, que determina o exaurimento das instâncias da justiça desportiva como requisito para acionar-se o Poder Judiciário em ações relativas à disciplina e às competições desportivas.

Acerca do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, discorre Hugo de Brito Machado Segundo (2004, p. 63)

...o Poder Judiciário detém, o monopólio da jurisdição. Outros órgãos ou entes podem exercer atividade julgadora, e assim dirimir conflitos (é o que ocorre, por exemplo, no processo administrativo tributário), mas a definitividade do pronunciamento e, especialmente, o recurso legítimo à coação jurídica com medida extrema para torná-lo eficaz , esses são exclusivos do Poder Judiciário. (grifos originais)

As únicas exceções à regra da definitividade dos pronunciamentos como atributo exclusivo do Poder Judiciário são a decisão proferida no juízo arbitral e a decisão pronunciada em processo administrativo contencioso, quando favorável ao administrado ou servidor público em litígio com a Administração.


6 Conclusão

Em face da preocupação do Estado para o aumento da arrecadação com a finalidade de suprir suas necessidades, vislumbramos a possibilidade do contribuinte oferecer uma resistência ativa, com a impugnação do crédito exigido, ainda na instância administrativa. Ademais, observada sua competência, a entidade tributante poderá disciplinar o seu processo administrativo fiscal.

A legislação procura proporcionar ao contribuinte instrumentos de defesa dos seus direitos como é o caso do Contencioso Administrativo Tributário Estadual, no julgamento de casos como a exigência de crédito tributário, restituição de impostos pagos indevidamente, e penalidades e encargos deles decorrentes.

A fase contenciosa do processo administrativo tributário não integra o lançamento, porém constitui uma forma de exercício do controle da legalidade do lançamento. A impugnação do crédito tributário se dá em momento ulterior à formalização deste.

Este controle administrativo da legalidade não pode ser ofertado como opção excludente do direito à jurisdição, em virtude do princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a um direito ficará fora da apreciação do mesmo. A decisão, quando lesar o direito do contribuinte, poderá ainda ser submetida ao crivo do Poder Judiciário. Ressaltamos que o contribuinte não se acha obrigado a exaurir a instância administrativa para recorrer ao Poder Judiciário.

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O respeito aos princípios gerais da Administração Pública e aos princípios específicos do processo administrativo tributário garantem que a atuação do Contencioso Administrativo Tributário seja isenta das influências políticas e de conveniências determinadas pelos agentes públicos em detrimento da legalidade do ato administrativo impugnado.

A estrutura e o funcionamento do Contencioso Administrativo Tributário estão delineados em leis específicas, não oferecendo margem à atuação discricionária da autoridade julgadora. Da maneira como está organizado, o Contencioso Administrativo Tributário pretende tornar mais célere a atividade administrativa tributária no que concerne à análise das razões de inconformismo dos contribuintes autuados.

A Administração, quando a decisão do órgão de julgamento administrativo lhe for desfavorável, não poderá pretender que o Poder Judiciário anule tal decisão, uma vez que se trata de decisão emanada do Poder Executivo, como Estado atuando em função atípica, e seria um contra-senso submetê-la à apreciação de um outro órgão estatal, qual seja, o Poder Judiciário.

A discussão do crédito tributário no âmbito administrativo mostra-se bastante salutar para a atividade administrativa em geral. O Contencioso Administrativo Tributário, além de exercer o controle administrativo da atividade da Administração Tributária, constitui um meio de solução extrajudicial de litígio e representa também uma forma de acesso à Justiça, considerando-se o conceito amplo desta, que abrange não só a prestação jurisdicional propriamente dita como também os mecanismos alternativos para dirimir controvérsias.

Cumpridas todas as exigências do processo administrativo tributário apresentadas neste trabalho, ter-se-ão respeitados e garantidos os direitos constitucionais do contribuinte, ao mesmo tempo em que a credibilidade e respeitabilidade das decisões administrativas se consolidarão, diminuindo o fluxo de busca pelo Poder Judiciário, abarrotado de ações que visam a anular atos administrativos tributários despóticos.


Notas

[1] Ac. Da 1ª S do STJ – mv – MS 6.045/DF – Rel. para o Ac. Min. Humberto Gomes de Barros – j. 26.5.1999, p. 37 – Impte.: Tales Oscar Castelo Branco; Ipdo.: Ministro de Estado da Justiça DJU I 27.9.1999, p 37 – ementa oficial – Repertório IOB de Jurisprudência nº. 22/99, c. 1, p. 630.


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Sobre a autora
Ana Paula Adriano

Profissional da área jurídica com experiência de mais de 13 anos no Poder Judiciário Estadual, tendo atuado como Diretora de Secretaria e Assistente de Unidade Judiciária, em Juizado Especial Cível e Criminal na Comarca de Fortaleza e Assistente de Apoio Judiciário em Vara Cível. Vínculo atual com Tribunal de Justiça do Estado do Ceará no cargo de Supervisora de Unidade Judiciária do 17º Juizado Especial Cível da Comarca de Fortaleza. Conhecimentos em Conciliação e Mediação Judicial, pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará - NUPEMEC/TJCE e Formação de formadores no contexto da Magistratura pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará - ESMEC em convênio com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Experiência com o Sistema PJe desde sua implantação no Sistema de Juizados Especiais do TJCE, em 2014. Integrante do Grupo de Apoio ao Trabalho Negocial do Sistema PJe do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (2020/2021). Graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza (2005), Especialização em Processo Civil pelo Centro Universitário Farias Brito (2006) e em Docência no Ensino Superior no Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI (2021) e MBA em Gestão Pública pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI (2021).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADRIANO, Ana Paula. Do processo administrativo tributário no Estado do Ceará. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1015, 12 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8237. Acesso em: 23 abr. 2024.

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