5 Da inafastabilidade do controle jurisdicional
A discussão da legalidade e da legitimidade do lançamento poderá ocorrer nas duas esferas "jurisdicionais", ou o contribuinte pode optar por apenas uma delas. No sistema jurídico brasileiro, a instância administrativa não é exauriente, uma vez que os atos administrativos ilegítimos ou ilegais, praticados pelos agentes do Estado, são passíveis de revisão por inexistir vedação ao seu conhecimento pelo Poder Judiciário.
Citamos o entendimento acima, com fulcro no repertório jurisprudencial, notadamente na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal trazida à colação:
Súmula 473 - STF. A administração pode anular seus atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
É uma particularidade do ato administrativo não produzir coisa julgada, uma vez que a interpretação da Administração é provisória, sendo passível de revisão pelo Poder Judiciário. O contribuinte que se achar ameaçado ou lesado em seu direito poderá recorrer ao Poder Judiciário, ingressando com ação visando a anulação da decisão de primeira instância administrativa.
Ainda que se faça referência expressa à ação anulatória, cumpre evidenciar que esta via recursal só é permitida ao contribuinte, caso a decisão administrativa definitiva lhe tenha sido desfavorável. Isto é assim porque a decisão definitiva em processo administrativo só faz coisa julgada contra a Fazenda Pública.
O Estado, corporificado pela Administração e todos os seus órgãos, ainda que no exercício de função atípica, é um sujeito das relações jurídicas. Quando um órgão de julgamento administrativo decide um conflito entre o particular e a Administração, é o próprio Estado, titular de relações jurídicas, que está manifestando sua vontade.
Pudesse o Estado-Administração ir a juízo para defender-se contra seus próprios atos, decretar-se-ia a inutilidade dos órgãos de julgamento administrativo. Por conseguinte, temos que a Administração Pública não poderá ingressar em juízo para questionar atos de órgão administrativo que dela fazem parte.
O contribuinte poderá dispensar o recurso à instância administrativa e provocar diretamente o Poder Judiciário. As conseqüências da opção pelo Poder Judiciário são a interrupção dos trâmites administrativos pela presunção de desistência da instância revisional e a imediata inexigibilidade do crédito tributário até o trânsito em julgado do processo judicial.
A única exceção ao princípio da inafastabilidade da jurisdição é o comando contido no parágrafo primeiro do artigo 217 da Constituição Federal, que determina o exaurimento das instâncias da justiça desportiva como requisito para acionar-se o Poder Judiciário em ações relativas à disciplina e às competições desportivas.
Acerca do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, discorre Hugo de Brito Machado Segundo (2004, p. 63)
...o Poder Judiciário detém, o monopólio da jurisdição. Outros órgãos ou entes podem exercer atividade julgadora, e assim dirimir conflitos (é o que ocorre, por exemplo, no processo administrativo tributário), mas a definitividade do pronunciamento e, especialmente, o recurso legítimo à coação jurídica com medida extrema para torná-lo eficaz , esses são exclusivos do Poder Judiciário. (grifos originais)
As únicas exceções à regra da definitividade dos pronunciamentos como atributo exclusivo do Poder Judiciário são a decisão proferida no juízo arbitral e a decisão pronunciada em processo administrativo contencioso, quando favorável ao administrado ou servidor público em litígio com a Administração.
6 Conclusão
Em face da preocupação do Estado para o aumento da arrecadação com a finalidade de suprir suas necessidades, vislumbramos a possibilidade do contribuinte oferecer uma resistência ativa, com a impugnação do crédito exigido, ainda na instância administrativa. Ademais, observada sua competência, a entidade tributante poderá disciplinar o seu processo administrativo fiscal.
A legislação procura proporcionar ao contribuinte instrumentos de defesa dos seus direitos como é o caso do Contencioso Administrativo Tributário Estadual, no julgamento de casos como a exigência de crédito tributário, restituição de impostos pagos indevidamente, e penalidades e encargos deles decorrentes.
A fase contenciosa do processo administrativo tributário não integra o lançamento, porém constitui uma forma de exercício do controle da legalidade do lançamento. A impugnação do crédito tributário se dá em momento ulterior à formalização deste.
Este controle administrativo da legalidade não pode ser ofertado como opção excludente do direito à jurisdição, em virtude do princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a um direito ficará fora da apreciação do mesmo. A decisão, quando lesar o direito do contribuinte, poderá ainda ser submetida ao crivo do Poder Judiciário. Ressaltamos que o contribuinte não se acha obrigado a exaurir a instância administrativa para recorrer ao Poder Judiciário.
O respeito aos princípios gerais da Administração Pública e aos princípios específicos do processo administrativo tributário garantem que a atuação do Contencioso Administrativo Tributário seja isenta das influências políticas e de conveniências determinadas pelos agentes públicos em detrimento da legalidade do ato administrativo impugnado.
A estrutura e o funcionamento do Contencioso Administrativo Tributário estão delineados em leis específicas, não oferecendo margem à atuação discricionária da autoridade julgadora. Da maneira como está organizado, o Contencioso Administrativo Tributário pretende tornar mais célere a atividade administrativa tributária no que concerne à análise das razões de inconformismo dos contribuintes autuados.
A Administração, quando a decisão do órgão de julgamento administrativo lhe for desfavorável, não poderá pretender que o Poder Judiciário anule tal decisão, uma vez que se trata de decisão emanada do Poder Executivo, como Estado atuando em função atípica, e seria um contra-senso submetê-la à apreciação de um outro órgão estatal, qual seja, o Poder Judiciário.
A discussão do crédito tributário no âmbito administrativo mostra-se bastante salutar para a atividade administrativa em geral. O Contencioso Administrativo Tributário, além de exercer o controle administrativo da atividade da Administração Tributária, constitui um meio de solução extrajudicial de litígio e representa também uma forma de acesso à Justiça, considerando-se o conceito amplo desta, que abrange não só a prestação jurisdicional propriamente dita como também os mecanismos alternativos para dirimir controvérsias.
Cumpridas todas as exigências do processo administrativo tributário apresentadas neste trabalho, ter-se-ão respeitados e garantidos os direitos constitucionais do contribuinte, ao mesmo tempo em que a credibilidade e respeitabilidade das decisões administrativas se consolidarão, diminuindo o fluxo de busca pelo Poder Judiciário, abarrotado de ações que visam a anular atos administrativos tributários despóticos.
Notas
[1] Ac. Da 1ª S do STJ – mv – MS 6.045/DF – Rel. para o Ac. Min. Humberto Gomes de Barros – j. 26.5.1999, p. 37 – Impte.: Tales Oscar Castelo Branco; Ipdo.: Ministro de Estado da Justiça DJU I 27.9.1999, p 37 – ementa oficial – Repertório IOB de Jurisprudência nº. 22/99, c. 1, p. 630.
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