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Breves notas sobre o quinqüídio decadencial das representações do art. 96 da Lei Eleitoral

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18/04/2006 às 00:00
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3. Aplicação do direito e segurança jurídica: razões justificadoras vs. razões superiores.

Vivemos sob o signo da temporalidade e, nos dias de hoje, submetidos ao império da urgência. Fraçois Ost, em uma notável obra sobre o tempo jurídico, advertiu sobre o caráter instável e efêmero da produção legislativa contemporânea, como também dos procedimentos jurídicos de um modo geral. Para ele, "a urgência, temporalidade do excepcional, tende a impor-se como tempo normal – a exceção que infirma a regra, de alguma forma. Fazendo o curto-circuito das formas, dos prazos e dos processos, a urgência, apoiando-se no estado de necessidade (necessidade que faz lei), transforma-se assim em ‘exceção’ generalizada. Daí resulta um risco de um tipo novo, a insegurança jurídica..." [10]. A urgência passa a ser a pedra de toque do direito atual, não apenas com a vulgarização processual dos juízos sumários fundados na verossimilhança, mas também na adoção de um ativismo judicial que não admite mais esperar a decisão política do legislador, passando a criar um ordenamento jurídico pretoriano, lateral ou contrário àquele positivado, sempre em nome de princípios, que seriam a quintessência da argumentação jurídica pós-moderna.

Em nome desses princípios jurídicos suprapositivos, o juiz aplica um direito apenas retoricamente anterior à aplicação, normalmente desprendendo-se das normas positivadas que prometeu aplicar, reduzindo o princípio da legalidade a um entre tantos outros princípios a serem observados. Com essa flexibilização da base empírica da fundamentação das decisões judiciais, premida pela urgência que impede possa o legislativo disciplinar determinada matéria no futuro, o direito passa a ser praticamente construído para o caso concreto, gerando para as partes do processo a mais absoluta insegurança jurídica. Aliás, tão arraigada está ficando essa concepção relativista da interpretação jurídica e da obrigação do juiz de fundamentar as suas decisões com esteio em um direito posto (e não apenas pressuposto, para usar a expressão tornada conhecida pelo hoje Ministro do STF Eros Grau), que há autores que declaradamente admitem a criatividade pura e simples da atividade judicante, tornando a decisão judicial um simples jogo retórico estruturado a partir da subjetividade das conexões de valores do aplicador.

Chega-se ao ponto de se admitir sem mossa que há hipóteses em que as regras podem deixar de ser aplicadas, mesmo estando com as suas condições satisfeitas, simplesmente quando a sua razão justificadora for cancelada, no caso concreto, por razões consideradas superiores pelo aplicador [11]. O direito deixar de ser a aplicação de hipóteses de incidência ou suportes fáticos a partir de normas jurídicas predispostas, para se converter pura e simplesmente na aplicação de razões argumentativamente estruturadas. Por isso, assevera Humberto Ávila que "somente mediante a ponderação de razões pode-se decidir se o aplicador deve abandonar os elementos da hipótese de incidência da regra em busca do seu fundamento, nos casos em que existe uma discrepância entre eles" [12].

Levada essa tese às últimas conseqüências, hoje vivenciada em muitos meios acadêmicos como o que há de mais contemporâneo em termos de hermenêutica jurídica, toda atividade legislativa nada mais seria do que uma inutilidade, porque em última instância o que decide o caso concreto é a subjetividade do aplicador, ao dispor sobre as suas razões superiores, pautadas em suas conexões axiológicas. Todo texto jurídico positivado apenas ofereceria normas prima facie, que nada mais seriam do que um significado preliminar, submetido à construção de sentido pelo intérprete, cujo ônus de argumentação poderia ser capaz de superar, inclusive, as razões de cumprimento daquele sentido primígeno, modificando o próprio conteúdo do texto, é dizer, criando a norma do caso concreto.

Mas se as conexões axiológicas jogam de forma tão fundamental no ato de aplicação do direito, vem a talho perguntar em que essas conexões consistem. Fazendo uma análise da conhecida obra de Humberto Ávila, percebe-se que para a corrente analítica por ele defendida, as conexões axiológicas estão submetidas ao puro arbítrio do aplicador, pois, consoante leciona, elas "não estão incorporadas ao texto nem a ele pertencem, mas são, antes, construídas pelo próprio intérprete" [13]. Razão pela qual, cabe ao intérprete, por meio da argumentação, intensificar ou deixar de intensificar essas conexões valorativas [14], por meio da contribuição institucional do aplicador, vale dizer, das ponderações de suas razões.

Isso leva a doutrina bem comportada em face do poder, ou mesmo ingênua perante ele, a acatar qualquer interpretação judicial como juridicamente válida e admissível, porque já não haveria mais um sistema jurídico a ser aplicado, mas apenas um conjunto de razões a serem ponderadas com base nas conexões de valores do aplicador. Por isso mesmo, não causa estranheza a conclusão a que chegou, por exemplo, Humberto Ávila: "O Poder Judiciário pode desprezar os limites textuais ou restringir o sentido usual de um dispositivo. Pode fazer dissociações de significado até então desconhecidas. A conexão entre a norma e o valor que preliminarmente lhe seja sobrejacente não depende da norma enquanto tal ou de características diretamente encontráveis no dispositivo a partir do qual é construída, como estrutura hipotética. Essa conexão depende tanto das razões utilizadas pelo aplicador em relação à norma que aplica, quanto das circunstâncias avaliadas no próprio processo de aplicação... A consideração ou não de circunstâncias específicas não está predeterminada pela estrutura da norma, mas depende do uso que dela se faz" [15].

Claro que a corrente analítica do direito ainda está presa à teoria do conhecimento kantiana, voltada para a relação sujeito-objeto, sem tomar em conta a natureza intersubjetiva do ato hermenêutico ou de qualquer ato de fala. Mais ainda: é evidente o solipsismo e psicologismo dessa construção teórica, que deixa ao arbítrio do sujeito e de suas razões pessoais, ou do seu ponto de vista, a ultima ratio do ato de aplicação. Aqui não há diálogo nem sentidos construídos intersubjetivamente, que impedem o divórcio entre o texto e a norma, a tal ponto que a significação passa a poder ser dissociada do seu suporte físico, como algo absolutamente criada pelo sujeito totalitário que passa a ser o intérprete. Não estariam, assim, no ordenamento jurídico positivo os limites que prenderiam o aplicador, simplesmente porque as normas seriam simples razões que justificariam o uso da força. Razões, essas, subjetivas, nunca é demais lembrar.

Diante dessa ideologia pós-positivista e niilista, o problema da normatividade se dissolve num jogo de azar, como o "takará" do anedotário. Segundo conta o vulgo, um amigo chamou um outro para jogar com aquelas cartas de naipes diferentes, cuja regra era justamente não ter regras. O primeiro amigo, diante da estupefação do outro, iniciou a partida, dividindo o baralho em dois montes, distribuindo nove cartas diferentes para cada jogador e tirando de um dos montes a sua primeira carta. Em seguida, descartou uma outra. Sem conhecer os naipes e as regras, o outro amigo procedeu da mesma forma. Após três ou quatro descartes, o primeiro amigo baixou todas as cartas em suas mãos e gritou: "Bati. Takará!". Surpreso e sem entender o porquê do resultado, o outro amigo continuou jogando e vendo as sucessivas vitórias daquele que o havia convidado para o jogo. Cansado de perder, imaginou que a única regra válida para a aquele jogo seria a vitória de quem primeiro gritasse que havia vencido. E assim procedeu. Antes que o primeiro amigo batesse, ele se antecipou e gritou: "Bati. Takará!". O seu amigo, porém, não se comoveu. Imediatamente deu a resposta: "Não, senhor. Eu bati. Olhe aqui: takará duplo!". E jogou suas estranhas cartas sobre a mesa.

Quando as regras são criadas pelas razões superiores do aplicador, fundadas em suas conexões axiológicas e em seu ponto de vista, não há como se construir um sistema jurídico com um mínimo de segurança para os seus destinatários. O direito passa a ser área afeta aos adivinhos ou profetas, ou então um assustador jogo de Takará. Sem um mínimo de sentido comum à comunidade do discurso, vivido atematicamente no plano da ação comunicativa, não há como se construir um discurso prescritivo vivenciado simbolicamente como objetivação social que qualifica juridicamente o fático [16].


3. Decadência, criatividade judicial, interesse de agir e tutela jurídica.

A decadência é a preclusão máxima do direito subjetivo. Enquanto a prescrição apenas encobre a pretensão, a decadência atinge o próprio direito, esvaziando-o até fazer-se nenhum. Esse efeito mutilador é colado ao fato jurídico do tempo, buscando estabilizar as relações jurídicas. O que decai é o exercício do direito potestativo ou formativo, voltado à constituição ou desconstituição de fatos jurídicos ou efeitos jurídicos. Os direitos potestativos são exercidos através da sujeição da esfera jurídica de terceiros, sem que haja pelo sujeito passivo qualquer contribuição da sua vontade. O sujeito passivo suporta ou tem o ônus de sujeitar-se ao agir do sujeito ativo da relação jurídica, como ocorre com o locatário com a notificação de denúncia vazia, naqueles regimes em que se admite a sua prática.

Quando, porém, a atuação do direito potestativo pode gerar efeitos reflexos que atinjam a coletividade ou criem uma situação de desconforto e intranqüilidade meta-pessoal, o ordenamento jurídico fixa prazos que limitam temporalmente o seu exercício. Esses prazos são decadenciais, atingindo o direito subjetivo em definitivo, ao ponto de esvaziá-lo por completo. O que importa para a decadência, dirá Pontes de Miranda, é o transcorrer do tempo mesmo, malgrado a atividade e do credor: "a única atividade que impede a fluência é o exercício mesmo do direito, da pretensão, da ação, ou exceção" [17]. Não exercido no prazo legal, há dies supremus, macerando o direito até a morte.

No Direito Eleitoral os prazos são submetidos ao bloco da legalidade, razão pela qual deverão ser criados pela legislação, justamente para que se preserve a segurança jurídica, impedindo que os direitos subjetivos públicos sejam mondados. Não pode o Judiciário criar prazos decadenciais, destarte, a pretexto de colmatar lacuna legal ou de dar musculatura a qualquer outro princípio jurídico, por mais relevante que seja. Aqui, não se admite legitimamente a possibilidade de manejo de "razões", superiores ou justificadoras, para alterar o ordenamento jurídico por meio de interpretações que simplesmente são expressões do voluntarismo jurídico, que deseja substituir-se ao legislador por meio de argumentações sem vínculos com o sistema jurídico que deve ser aplicado. Tampouco se admite o que o poder regulamentar concedido ao TSE ganhe tamanho elastério, chegando ao ponto de poder simplesmente alterar o ordenamento jurídico, com apodo de limite temporal ao exercício de alguma faculdade que originariamente não existia. O Tribunal Superior Eleitoral já teve oportunidade de refutar a possibilidade de criação de prazos decadenciais pelo julgador: "Representação. Prazo. – Não é dado ao julgador criar prazo de decadência de que a lei não cuida. Menos ainda invocando pretensa isonomia com o estabelecido para a resposta" [18]. Em sua fundamentação, o Ministro Eduardo Ribeiro teve o ensejo de asseverar: "Parece-me que, admitindo-se exista um prazo para o ajuizamento da ação, decorrendo do não exercício a perda do direito de fazê-lo, a hipótese seria de decadência. Ora, não há princípio algum que justifique a afirmativa de que todo direito esteja exposto à caducidade. Aceito que algum prazo extintivo deve existir, mas de prescrição e não de decadência, que essa só verificaria caso previsto em lei". E concluiu: "Afigura-se, ainda, menos feliz a solução de criar-se dito prazo decadencíal com base em pretensa isonomia com o de defesa. Trata-se de coisas distintas que não estão a reclamar tratamento idêntico (...)". As suas palavras não estão longe da posição assumida pelo Ministro Marco Aurélio.

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Analogicamente, poder-se-ia admitir a integração da lacuna do ordenamento jurídico com a aplicação do prazo decadencial de quinze dias, previsto no § 10 do art.14 da Constituição Federal. É que tanto as representações previstas no art.96, movidas para a cassação do diploma dos eleitos, como a ação de impugnação de mandato eletivo visam a um mesmo fim jurídico: a cassação do mandato ilicitamente obtido nas urnas. Aqui não haveria a criação judicial de um prazo, estribada em razões pessoais dos julgadores investidos na função legislativa, mas interpretação analógica, com a integração do ordenamento jurídico a partir dele próprio. Mais ainda: a partir do seu fundamento de validade, a Constituição Federal.

É certo que atualmente o TSE busca encontrar uma outra fundamentação jurídica para o estabelecimento do prazo preclusivo de cinco dias para o manejo da representação do art.96 da Lei n° 9.504/97. Diante da salutar resistência do Ministro Marco Aurélio em admitir a possibilidade de criação judicial de prazo de decadência, consoante anteriormente exposto, alguns membros da Corte Eleitoral têm buscando um outro fundamento para o estabelecimento legitimo do qüinqüídio: a ausência de interesse processual do autor após esse prazo. No Agravo Regimental em Recurso Especial n° 21.508/PR, lavrou-se a seguinte ementa: "Agravo regimental no recurso especial (art. 73, I, da lei n° 9.504/97). Eleição de 2002. Recebimento como ordinário. Perda do interesse de agir (RO n° 748/PA). Representação substitutiva de recurso contra expedição de diploma ou de ação de impugnação de mandato eletivo. Inadmissibilidade. Fundamentos do despacho não infirmados. Desprovimento. É inadmissível dar à representação, por prática de conduta vedada, efeito substitutivo do recurso contra expedição de diploma ou da ação de impugnação de mandato eletivo. Esgotados os prazos destes, incabível aquela para os mesmos efeitos. Agravo regimental a que se nega provimento" [19].

O interesse de agir processualmente decorre da presença de dois binômios: utilidade e necessidade da provocação da atividade jurisdicional. Historicamente, compreendeu-se o interesse de agir como sendo a condição da ação que estaria ligada sempre, ou ao menos no mais das vezes, a alguma lesão do direito tutelado. Sem que houvesse pelo menos a afirmação da violação do direito substancial, que faria surgir a necessidade da tutela jurisdicional, quedaria fora a existência daquela condição da ação. Crisanto Mandrioli muito bem asseverou que não bastaria à demonstração do interesse do agir a afirmação de um direito subjetivo, porém far-se-ia essencial a afirmação da necessidade de tutela desse direito, demonstrada através da alegação da sua violação. Seria da necessidade de tutela jurisdicional advinda "dall’affermazione dei fatti constitutivi e dei fatti lesivi del diritto" que emergiria aquela condição da ação que se denomina interesse de agir [20]. Interesse ou necessidade não já por aquele bem que é reconhecido e atribuído pelo direito substancial, mas, segundo Mandrioli, interesse "per quell’ulteriore diverso bene (ossia la tutela giurisdizionale) che può conseguirse attraverso l’attività giurisdizionale" [21]. De tudo isso resulta que o que definiria em última análise o interesse de agir seria a existência de uma violação do direito substancial, que faria necessária a intervenção da atividade jurisdicional, provocada pelo exercício da pretensão à tutela jurídica.

Como demonstra Cristina Rapisarda, em sua importante obra sobre a tutela inibitória, o conceito de interesse de agir associado ao de violação do direito foi responsável pela pouca importância dada à tutela preventiva, sobretudo à inibitória, ficando circunscrita praticamente à ação declaratória e às ações cautelares [22]. Aliás, não por outra razão, além de fatores históricos outros que aqui não importa, as ações cautelares foram tão mal estudadas, mais da vez a ela aplicando-se impropriamente, como ocorreu com Calamandrei, a teoria das ações sumárias satisfativas, sobretudo dos processos monitórios e injuncionais.

Com o surgimento dos "novos direitos", como aqueles decorrentes da tutela dos consumidores, do meio ambiente e das relações de massa em geral, a tutela ressarcitória qualificada pela posterior defesa do direito já violado suscitou o curto circuito sistêmico daquele conceito de interesse de agir, uma vez que agora se passou a reivindicar técnicas processuais de prevenção do ilícito, justamente para impedir a violação havida. Assim, passou-se gradualmente a se entender o interesse de agir como a utilidade que o processo pode ter na tutela do direito subjetivo, inclusive para protegê-lo antecipadamente da violação. Como demonstra Rapisarda, "o conteúdo não-patrimonial dos novos direitos determina, com efeito, normalmente, a irreparabilidade da sua lesão, razão pela qual se faz essencial privilegiar formas preventivas de tutela, que permitam evitar a concreção do evento lesivo" [23].

Essa evolução do conceito de interesse de agir fez com que a doutrina processual desse um giro em relação àquele movimento doutrinário iniciado por Adolf Wach e Giuseppe Chiovenda, que apartava radicalmente o direito substancial do denominado direito de ação, visto então como um direito abstrato que faria surgir uma relação jurídica nova, de direito público. A publicização do processo, responsável pela sua autonomização em relação ao direito material, teve como uma das suas conseqüências a radicalização da separação entre os dois planos, deixando o processualista de se preocupar sobre as conseqüências práticas da tutela jurisdicional ofertada em relação à satisfação buscada pelas partes no plano do direito material. Essa a razão pela qual se fez o movimento inverso, senão para apagar a distinção de planos entre o direito material e processual, ao menos para vê-lo em uma união hipostática. Por isso, resgatou-se com muito mais força e densidade do que aquela originalmente existente, a frase lapidar de Chiovenda, segundo a qual "il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch’egli ha diritto di conseguire" [24].

A tutela jurisdicional há de ser efetiva, dando o quanto possível a quem tem um direito tudo aquilo, e somente aquilo, que ele tem direito de conseguir. Assim, sem perder de vista a publicização da relação processual, a teoria contemporânea do processo superou, embora sem tematizar a questão, o conceito de direito abstrato de agir, como já o fizera Pontes de Miranda, no segundo quartel do século passado, sem cair na teoria da ação como direito concreto de agir ou na teoria civilista da ação.

Sem aqui ingressar nessa questão complexa sobre a teoria da ação, que demandaria excessiva perda de foco do nosso tema, importa sublinhar que a contemporânea processualística civil passou a se preocupar com a satisfatividade da tutela jurídica, ou seja, sobre a incidência do dever-ser do enunciado das decisões judiciais no ser do mundo da vida. E isso apenas se tornou possível com a volta "al recupero del collegamento tra diritto sostanziale e processo" [25]. A teoria processual, e com ela o legislador, passam agora a se preocupar seriamente com a adequação dos remédios jurídicos à efetiva proteção dos direitos substanciais, deixando de lado a abstratividade da ação processual e passando a deitar olhos sobre aquilo que vem sendo chamado de "tutelas diferenciadas". Para cada direito substancial deve haver uma tutela específica, que o atenda e proteja. Consoante afirma Di Majo: "E in tale ottica che va anche ridimensionata la storica contrapposizione sub specie tutelae tra diritto e processo, giacchè, se non è certo il processo la sede nella quale si definiscono e qualificano i bisogni di tutela, bensì la legge sostanziale, e con riferimento ai rimedi ivi riconosciuti, è tuttavia il processo la sede in cui tali scelte sono destinate a tradursi in tecniche e forme adeguate" [26]. O processo para a ser a morada da satisfatividade dos direitos substanciais.

Essa breve digressão sobre a moderna teoria do processo civil se fez imperiosa para rebater o entendimento de que seria possível a estipulação de um prazo (que não seria decadencial!) para além do qual não haveria o interesse de agir para o exercício da representação do art.96 da Lei n° 9.504/97. Em primeiro lugar, resta evidente que não há relação entre interesse de agir e prazo, mas sim entre interesse de agir e utilidade, necessidade ou efetividade da tutela jurídica pretendida. Assim, não se poderia judicialmente criar um prazo, aleatório consoante se observa das discussões que resultaram no RO 748, para artificialmente arrostar a assertiva de que qualquer providência processual posterior seria sem interesse para a parte que a intentasse. Essa a razão pela qual não acatamos o entendimento do Ministro Humberto Gomes de Barros: "Em verdade, não se trata de estabelecer o prazo, mas simplesmente de presumir que, ultrapassado aquele tempo razoável para se fazer a representação, que se tem como desinteressante, ou como inexistente, prejuízo ao representante".

Ao depois, e ainda com maior relevo, é curial se guardar na retentiva que o interesse de agir, modernamente, há de ser observado a partir do direito substancial a ser tutelado, a cuja proteção serve o processo. Destarte, para se analisar se há interesse de agir na representação do art.96 ajuizada contra alguma suposta conduta vedada aos agentes públicos, necessário se observarem (a) qual o direito substancial que se quer proteger e (b) qual a tutela adequada para esse desiderato. Assim, não há solução a priori, como a tomada pelo TSE, que pudesse de antemão fixar prazo para a existência do interesse do agir.

Para facilitar a nossa exposição, tomemos como exemplo a lide submetida à apreciação do TSE, objeto do RO 748. Tratava-se de representação proposta pelo Ministério Público contra o candidato ao Governo do Pará, apoiado pelo governador daquele Estado, que teria sido beneficiado indevidamente com placas apostas no estádio de futebol onde se realizaram jogos da Copa dos Campeões, torneio de futebol de âmbito nacional, disputado no período de 03 a 31 de julho de 2002, com veiculação de propagandas institucionais de obras do governo do Estado através de engenhos publicitários típicos de torneios desportivos, de fácil e permanente visualização, tanto pelo público presente no estádio quanto pelos telespectadores. Ademais, placas com logotipos da administração, anunciando obras realizadas no Estado, estavam afixadas no muro de arrimo das arquibancadas do estádio, acompanhando toda a extensão lateral do campo de jogo, com seus aproximados 100 metros de comprimento bem como sobre o gramado. Essa propaganda institucional, com natureza subliminarmente eleitoral, teria sido veiculada no período vedado pelo art.73, inciso VI, alínea "b" da Lei n° 9.504/97. O resultado do segundo turno das eleições teria ocorrido no dia 5 de novembro de 2002 e a diplomação dos eleitos no dia 17 de dezembro de 2002. A representação teria sido proposta pelo Ministério Público após as eleições e antes da diplomação, exatamente no dia 13 de novembro de 2002.

O objeto da controvérsia processual entabulada pelos membros do TSE estaria na necessidade de impedir estoque de demandas eleitorais para serem manejadas apenas após o resultado do pleito, o que ensejaria uma deturpação da finalidade das ações eleitorais, como exposto em detalhes anteriormente. O Ministro Madeira invocou em favor da sua tese a norma veiculada pelo § 4° do art.73 daquele diploma legal: "O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR". A suspensão imediata da conduta vedada é medida liminar satisfativa, impedindo a continuidade da violação já iniciada. Atende ao interesse público de proibir o dano ao bem jurídico tutelado, mantendo a isonomia entre os candidatos e vergastando o abuso de poder político em desfavor da liberdade do voto. Aqui, por evidente, há provimento de urgência a ser concedido, cujo interesse de agir apenas se põe de manifesto se a medida judicial buscada for célere. A demora ou a inércia dos interessados faz consumar a violação do ordenamento jurídico às inteiras.

A questão a saber, então, é se há conseqüência jurídica para a violação da norma do art.73, VI, "b" da Lei das Eleições. Aqui, já não há falar em tutela de urgência, visando impedir a continuidade da conduta ilícita e as suas conseqüências eleitorais, razão pela qual seria impertinente a invocação do § 4° do art.73. Nesta sazão já há o ato ilícito eleitoral praticado e consumado. Agora, impende perguntar se há para esse fato jurídico ilícito alguma sanção. Prescreve o § 5° do art.73 da Lei n° 9.504/97, com a redação que lhe deu a Lei n° 9.840, de 28/09/1999: "Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos I, II, III, IV e VI do caput, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma".

Ora, o legislador revisor da Lei n° 9.504/97 estipulou duas sanções para as condutas vedadas no art.73, VI, "b": a cassação de registro ou a cassação do diploma. A cópula disjuntiva "ou" é aí includente [27]: cassação do registro e, se já diplomado o candidato, também do diploma. Ora, se a tutela jurídica buscada, em razão da violação da norma do art.73, VI, "b", é inclusive a cassação do diploma, como fixar um prazo de cinco dias da ocorrência ou do conhecimento do fato ilícito, além do qual faleceria interesse de agir? Tomando-se em conta que, em razão da própria norma jurídica glosada, a sanção a ser aplicada é a de cassação do diploma e perda do mandato, parece-nos por demais evidente que o interesse de agir, compreendido como utilidade da tutela jurídica, está mais do que patente.

Insisto aqui no ponto: a tutela jurídica para a sanção do § 4° do art.73 é preventiva satisfativa (sem natureza cautelar); a tutela jurídica para a sanção do § 5° do art.73, reintegratória. Sim, visa ela reintegrar o status quo ante, cortando do beneficiário do ato ilícito eleitoral a vantagem dele advindo: a manutenção da candidatura, pela cassação do registro, ou o mandato, pela cassação do diploma.

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Sobre o autor
Adriano Soares da Costa

Advogado. Presidente da IBDPub - Instituição Brasileira de Direito Público. Conferencista. Parecerista. Contato: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Adriano Soares. Breves notas sobre o quinqüídio decadencial das representações do art. 96 da Lei Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1021, 18 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8259. Acesso em: 25 abr. 2024.

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