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A pena privativa de liberdade sob o enfoque de suas finalidades e a visão do sistema punitivo pela comunidade discente da UEPB

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23/04/2006 às 00:00
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Finalidade e significado da pena

Para Reale Júnior (2002, p.43), a justificativa para a atuação do poder-dever de punir do Estado variará de acordo com a perspectiva adotada para seu estudo. Desse modo, a finalidade da pena será diversa desde que vista sob diferentes ângulos, como o do condenado, o da sociedade e o do Estado. A finalidade atribuída à pena variará também se investigada quanto ao momento de sua cominação e execução, bem como se analisada de acordo com a natureza da sanção imposta. Por fim, a finalidade da pena pode variar, ainda, de acordo com a perspectiva adotada por cada penalista da doutrina.

Sob o aspecto do condenado, a pena será sempre um castigo, ainda que suspensa a execução da pena ou que o condenado se considere inocente. Por outro lado, sob o aspecto da sociedade, em geral, a pena será vista como punição e intimidação. Em particular para a família do condenado, a pena será vista como castigo embora, para a vítima, a pena será sempre uma vingança. Para o Estado, Reale Júnior (2002, p.45) afirma que a pena é "uma forma necessária de controle social, para garantir respeito a determinados valores, garantia que se reafirma pela execução da pena, quando este valor é afrontado por uma ação delituosa".

Quanto ao momento de sua aplicação, a pena terá as funções intimidativa e assecuratória e assumirá um caráter aflitivo e intimidativo em sua execução.

Em relação à natureza da sanção imposta, a pena de prisão terá a finalidade retributiva e efeito segregador, enquanto a pena de prestação de serviços terá as finalidades de retribuição e, possivelmente, educadora.

Ressalte-se, porém, que a perspectiva mais comumente utilizada para o estudo das finalidades da pena é a do modo como os penalistas entendem o significado da pena, cujos fundamentos já foram amplamente discutidos pela doutrina. Em razão disto, existem várias teorias com o escopo de garantir fundamentação à aplicação da pena. As chamadas "teorias da pena" são normalmente divididas pela doutrina tradicional em absolutas, relativas e mistas.

As teorias absolutas entendiam a pena como um fim em si mesmo e fundamentam a sua aplicação na realização da justiça, sendo ela um mal que se impõe ao condenado como retribuição [04]à violação da conduta.

As teorias relativas atribuíram à pena a função de prevenir a prática do delito. Embora considerem a pena como um mal necessário, este se justifica pela necessidade de prevenir que ocorram novos delitos. A teoria preventiva divide-se na prevenção geral e na prevenção especial.

Nesse sentido, Ferrajoli [05](apud BARROS, 2001, p.53) esclarece:

São teorias "absolutas" todas as doutrinas retribucionistas que concebem a pena como um fim em si mesmo, é dizer, como "castigo", "compensação", "reação", "reparação" ou "retribuição" do delito, justificada por seu valor axiológico intrínseco; por conseguinte não um meio, e menos ainda um custo, senão um dever metajurídico, que tem em si mesmo seu fundamento. São pelo contrário teorias "relativas" todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena só como um meio para a realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos.

As teorias mistas ou unificadoras são as mais adotadas na atualidade e sustentam a conciliação das teorias absolutas com as relativas, de modo a aplicar a pena com os fins de retribuição e prevenção concomitantemente. Consoante a lição de Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.120), as teorias relativas "são as mais difundidas na atualidade e, por um lado, pensam que a retribuição é impraticável em todas as suas conseqüências e, de outro, não se animam a aderir a prevenção especial".

Embora a abordagem das funções da pena pelas teorias absoluta, relativa e mista seja bastante comum nos manuais, preferiu-se adotar nesta oportunidade a mesma metodologia de Reale (2002, p.46) que apresenta as finalidades da pena mencionando diretamente a retribuição e a prevenção, bem como os posicionamentos da doutrina contemporânea, a posição axiológico-concreta adotada pelo autor e perspectiva de Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.89).

3.1.Retribuição

Bitencourt (2001, p.105) desenvolve a idéia de que as funções atribuídas à pena envolvem-se com a mudança do Estado Absolutista para o Estado Burguês. Sob o manto dessa análise, no Estado Absolutista, a pena era entendida como forma de expiação dos pecados, uma vez que no regime absolutista, o infrator ao desrespeitar o soberano, desrespeitava o próprio Deus. [06] Durante o absolutismo, a sociedade passou por um período de acúmulo de riquezas e requeria um sistema que viesse a proteger os seus bens.

Com a passagem gradativa para o Estado Burguês, a atuação jurídica estatal tornou-se mais bem delimitada e fundamentava-se no contratualismo do fim de século XVIII. Nesse contexto, a pena seria uma resposta a uma conduta infringente do contrato social e o Estado passava a atuar na repressão dos delitos com o fim último de realizar a justiça, evitando que o pacto social fosse violado.

Em resumo, a idéia central contida na retribuição é a de que a pena vem compensar um mal com outro mal, é a reação ao delito, mera resposta como conseqüência do crime.

O retribucionismo foi bem desenvolvido na filosofia de Kant, que, pautada na tese do imperativo categórico (os comandos da consciência), propunha que ninguém tratasse o outro como um meio para se alcançar um fim, mas como um fim em si mesmo. Essa formulação aplicada à pena, a justificava em razão de ter havido um desrespeito à lei, portanto, como pura aplicação da justiça. Assim afirma Kant (1993, p.176):

A pena jurídica, poena forensis¸ não pode nunca ser aplicada como um simples meio de procurar outro bem, nem em benefício do culpado ou da sociedade; mas deve sempre ser contra o culpado pela simples razão de haver delinqüido: porque jamais um homem pode ser tomado como instrumento dos desígnios de outro.

Para Kant, o homem não é instrumento para consecução de qualquer fim, de modo que castigar o delinqüente com alguma base de utilidade social não é eticamente permitido. Outro aspecto importante das formulações kantianas é a medida da pena com a lei de talião. Assim, a medida da pena é a do mal causado pelo infrator, devolvido em termos eqüitativos aos da dor por ele proporcionada. Nessa ótica, o direito de punir, ou seja, o direito penal deveria ser entendido como o direito do soberano de punir seu súdito dolorosamente pela violação da lei.

Hegel também é um influente teórico do retribucionismo. Sua principal proposição é a máxima de que o delito é a negação do direito e a pena a negação do delito. Em outras palavras, para Hegel a pena deveria ser aplicada com o fim de restabelecer a situação jurídica anterior que foi violada. O delito infringia a lei e o direito, a pena, por seu turno, viria com o efeito de renovar o direito, anulando o delito.

A teoria de Hegel sobre a pena também é contratualista, ou seja, baseia-se no contrato que fundamenta o Estado. Desta feita, o delito viola o contrato social, pois põe em risco a estabilidade jurídica, aplicando-se a pena com o objetivo de anular os efeitos do delito, trazendo de volta a tranqüilidade quebrada.

A idéia inicial de Hegel discorda da filosofia kantiana a respeito da pena no aspecto de que para o primeiro à pena não se deve ser conferida a finalidade pura de atribuir um mal para outro mal, mas em sentido mais amplo, objetivar restabelecer o equilíbrio da ordem jurídica. Zaffaroni e Pierangeli (2002, p. 285):

A pena, para Hegel, impunha-se como uma necessidade lógica e também tinha caráter retributivo talional, por ser a sanção à violação do contrato: se o delito é a negação do direito, a pena é negação do delito e (conforme a regra de que a negação da negação é uma afirmação) e a pena seria a afirmação do direito, que se imporia simplesmente pela necessária afirmação do mesmo.

Bitencourt (2001, p.116) cita vários outros autores que, além de Kant e Hegel, defenderam teses retribucionistas para a aplicação da pena, como Carrara, Binding e Welzel. Conforma apresenta o autor, Carrara aproximou-se do retribucionismo dialético hegeliano, pois defendia que a pena teria a pretensão de restabelecer a ordem jurídica. Quanto a Binding, afirma que este "considerou a pena como a retribuição de um mal por outro mal". Em Welzel [07] (apud BITENCOURT, 2001, p.116), "a pena aparece presidida pelo postulado da retribuição justa, isto é, que cada um sofra o que seus atos valem".

Bettiol [08] (apud BARROS, 2001, p.54) também é partidário do retribucionismo, conforme se infere do trecho a seguir:

[...] A pena toca ao homem em sua concreta individualidade, determina nele um sofrimento como equivalente do sofrimento que aos outros inferiu com a ação delitiva, remexe uma alma já endurecida no vício, desperta o sentimento de dignidade humana. Ela é a expressão mais típica e assinalada daquela exigência de que ao mal deve seguir o mal, como ao bem deve seguir o bem, a que está verdadeiramente esculpida no coração dos homens [...].

O retribucionismo puro sofreu inúmeras críticas, desde a sua abstrata pretensão de realização da justiça ao princípio da compensação de culpas. Com efeito, a tarefa do direito penal não é a realização da justiça, inclusive face à sua característica de ultima ratio. O direito penal almeja, como todo direito, garantir a segurança jurídica, porém só intervém subsidiariamente. Além disso, atribuir à pena a tarefa de realizar a justiça é encargo demasiadamente pesado, uma vez que a própria definição do que seja justiça é em si um problema para os juristas. Nesse sentido, vale trazer à colação o comentário de Barbosa (1984, p.8):

Entretanto, quase todas as tentativas feitas para definir a justiça reduziram-na a fórmulas simples, quando não destituídas de qualquer sentido, desde a dos romanos "dar a cada um que é seu", passando pela cristã medieval "faz o bem e evita o mal", ainda hoje aceitas sem maiores questionamentos, ou ainda outras mais recentes, como "aquilo que está em conformidade com o direito". O que é de cada um? O que é bem? Material ou espiritual? Que é direito?

Quanto ao princípio de compensação de culpas, para Barros (2002, p.55), esta é irrealizável, uma vez que seria conferir um caráter de vingança à atuação estatal em seu poder-dever de punir, o que nem sequer seria aceitável em um Estado Democrático de Direito.

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Atualmente não há registro de nenhum autor contemporâneo que insista em conferir à pena um caráter unicamente retributivo. Como foi dito no início deste trabalho, o que não se discute é que conceitualmente a pena é um castigo, porém isso não implica que seu fim único seja a retribuição. Além disso, conforme visto, a pena muda de caráter de acordo com a ótica do observador.

3.2.PREVENÇÃO

A pena para a prevenção deve buscar a consecução de fins posteriores, fundamentando-se na necessidade do grupo social. Não visa retribuir o fato delitivo cometido, mas preveni-lo. Não pune porque delinqüiu, mas para que não volte a delinqüir. Para a teoria preventiva a pena é um mal necessário, que se justifica por inibir a prática de novos crimes.

Segundo Bitencourt (2001, p.122), Feuerbach [09] deu o direcionamento definido às teorias preventivas, as quais se dividiram em preventivas gerais e especiais.

3.2.1.Prevenção Geral

A prevenção geral atribui à pena o significado de intimidação aos destinatários da norma jurídica, de modo que a ordem jurídica estaria garantida por meio da aplicação da sanção. A prevenção geral possui um sentido positivo e negativo. Em seu sentido positivo, a pena busca intimidar os cidadãos a partir da norma penal em tese. Em seu aspecto negativo, a pena confirma a ameaça prometida, por meio da aplicação da pena com a violação em concreto da norma penal. Consoante a lição de Barros (2001, p.62):

[...] A prevenção geral negativa teria por fim prevenir a perpetração de delitos por parte da generalidade. [...] A prevenção geral negativa encontraria sua expressão na intimidação causada pela lei penal ou condenação em si – podendo essa intimidação ser atribuída à gravidade da pena cominada, à quantidade da pena aplicada ou à intensidade da perseguição visando a imposição da pena [...] A prevenção geral positiva, por sua vez, teria por fim perpetrar a eficácia estabilizadora da norma através da aplicação da pena.

Bentham e Beccaria são autores comumente citados como defensores da teoria da prevenção geral (BITENCOURT, 2001, p.122). Com efeito, para Beccaria (2002, p.101), "é preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que o reparar [...]". Segundo a ótica do autor, a pena ganha eficácia em face de sua exemplaridade.

Os ideais do Iluminismo estão presentes nesta concepção da pena, uma vez que, estando a condição humana estritamente relacionada com a liberdade naquele período, o indivíduo que tem livre-arbítrio estaria suscetível a avaliar calculadamente os efeitos de sua ação delitiva. Desse modo, a pena seria um fator de inibição à prática de crimes, porquanto, o indivíduo que tem condições de avaliar e julgar as características do certo e do errado poderia calcular racionalmente os efeitos jurídicos de seu comportamento ilícito, desistindo de seguir adiante.

A pena entendida com a função preventiva é instrumento de incentivo, ou mesmo, "coação psicológica" para o cumprimento da norma penal por meio da ameaça de imposição de uma pena.

A prevenção geral, no entanto, padece de várias falhas, as quais são apontadas pontualmente por Bitencourt (2001, p.127). Dentre as críticas mais relevantes, destaca-se a constatação de que o homem não é tão racional, a ponto de, na iminência de cometer um crime, ponderar que a pena será uma conseqüência tão negativa de sua conduta que não compensaria cometê-la. Além disso, a prevenção geral não inibiria os criminosos habituais, não sendo sequer possível assegurar esse efeito intimidador mesmo sobre o homem médio.

Uma das críticas mais pertinentes que recebe a prevenção geral é a de que a partir desse posicionamento, de que a pena tem a função máxima de intimidação, seria provável que se tentasse reforçar a pena tão mais severamente quanto possível, criando um regime de terror.

Além disso, grande é o risco de que a pena sendo vista dessa maneira ganhe facilmente contornos vingativos e, em um Estado de Direito, a pena jamais poderá assumir esse caráter vingativo, pois transformaria a atuação estatal em irracional e ilimitada.

Entretanto, ainda que sejam respeitadas as críticas apontadas, é necessário reconhecer que, de fato, a pena intimida. Certamente, não da maneira como se apresenta na prevenção geral, no entanto, ao menos colateralmente, a pena teria esse significado. Esse é o posicionamento de Zaffaroni e Pierangeli (2002, p105):

[...] A afirmação de que a pena cumpre juridicamente uma função de prevenção não geral não significa que socialmente não cumpra uma função de prevenção geral, ainda que de forma eventual e de maneira alguma necessária.[...] Este é um efeito tangencial da pena, mas é inadmissível que o legislador tenha em conta como seu objetivo principal e menos ainda como único.

3.2.2.Prevenção Especial

Se a prevenção geral atribui à pena o fim de evitar novos delitos, dirigindo-se à sociedade, por outro lado, a prevenção especial, direciona seus fins preventivos ao criminoso. A função preventiva especial justifica a pena com base na criação de condições para que o apenado não reincida.

Reale Júnior (2002, p. 50) destaca que a prevenção especial tem suas raízes fincadas na Escola Positiva [10], por influência do cientificismo reinante daquele período. Tratava-se de um momento em que o Estado libera encontrava-se em crise, de intenso desenvolvimento industrial e crescimento demográfico. Surgida nesse período, quando a miséria criada pelo industrialismo criava um ambiente propício ao crime, a prevenção especial consistiu numa concepção da pena como meio de proteção da sociedade.

Com a criminalidade crescente e em conjunto com os conceitos das ciências naturais, a Escola Positiva atribuiu à pena a função de coibir a criminalidade, por meio de um sistema punitivo que fulminasse o indivíduo que punha a sociedade em risco. Para Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.296), "a pena, que agora está destinada unicamente aos setores marginalizados, à mão-de-obra barata, já não tem outra medida além daquela exigida pelo ’perigo’ que o sujeito representa para a ‘sociedade’".

Em um primeiro momento, a pena assume o caráter de profilaxia parcial, pois em uma concepção do infrator da norma penal como delinqüente, ele deve ser retirado da sociedade. Bitencourt (2001, p.130) afirma que o delinqüente, como membro doente da sociedade, dela deve ser extirpado.

Em um segundo momento, após o fim da segunda guerra mundial, surgiu no direito penal a Escola da Nova Defesa Social [11], que atribuiu à pena a finalidade preventiva, no sentido de coibir a reincidência delituosa, por meio da readaptação do preso à sociedade. Conforme registra Bitencourt (2003, p. 80), a pena obedeceria a uma idéia de ressocialização e reeducação do delinqüente, à intimidação daqueles que não necessitem se ressocializar e também para neutralizar os incorrigíveis.

Assim, a prevenção especial tem um aspecto negativo, o da inocuização e um aspecto positivo o da ressocialização. Quanto a este último aspecto, houve grande repercussão no meio jurídico e social, imprimindo a utilização de vocábulos como "reeducação" e "reinserção social".

A ressocialização trouxe grandes contribuições à teoria da pena, pois centrou suas atenções no infrator, privilegiando o princípio da individualização da pena, por meio da análise do perfil do condenado. No entanto, a ressocialização produziu perigosos efeitos, como o surgimento da ideologia do tratamento. Com efeito, a prevenção penal especial para Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.108):

Tampouco pode consistir em alguma "reeducação", nem um tratamento, que pretenda visualizar o homem como um ser carente em sentido "moral" ou "médico". [...] O criminalizado é uma pessoa com plena capacidade jurídica, à qual não se pode olhar "de cima", e sim em um plano de igualdade frente à dignidade da pessoa, que não pode ser afetada por conceito algum.

A ressocialização também é alvo de sérias críticas, que se resumem à inviabilidade prática de sua proposta, à legitimidade de sua execução. De início, registre-se a não aceitação deste termo largamente utilizado, posto que traz problemas desde a sua conceituação, afinal, o que seria "ressocializar", socializar de novo? Embora se reconheça o uso inapropriado deste termo, seguir-se-á utilizando-o, vez que assim a doutrina a ele se refere.

O problema mais óbvio da ressocialização é a sua natureza abstrata. Somente nos plano das idéias é que se admite que o indivíduo seja "ressocializado" dentro dos muros das prisões. Impossível, nesse aspecto, não transcrever a opinião de Bitencourt (2001, p.139) que afirma:

Parte-se da suposição de que, por meio do tratamento penitenciário – entendido como um conjunto de atividades dirigidas à reeducação e reinserção social dos apenados -, o interno se converterá em uma pessoa respeitadora da lei penal.[...] Na verdade, a afirmação referida não passa de uma carta de intenções, pois não se pode pretender, em hipótese alguma, reeducar ou ressocializar uma pessoa para a liberdade em condições de não-liberdade, constituindo isso verdadeiro paradoxo.

A segunda crítica recebida pela ressocialização é a tocante ao conteúdo ético de uma teoria que se proponha a "reformar" o condenado. Em uma sociedade democrática, deve–se ter liberdade para pensar e agir de acordo com as convicções pessoais, ainda que estas entrem em confronto com o que dispõe o ordenamento jurídico. Essa é tônica literal do posicionamento de Barros (2001, p.60), para quem:

O Estado não está legitimado a corrigir quem quer que seja, tampouco pode através da pena visar o arrependimento. Ao contrário, as convicções de cada um hão de ser respeitadas. O Estado não tem legitimação para impor valores morais – o pluralismo exige respeito pelas diferenças e tolerância de qualquer subjetividade humana, por mais perversa que seja.

As atividades de estudo, trabalho, arte que forem oferecidas dentro das penitenciárias, não devem funcionar com meio de "reformar" o condenado ou de torná-lo uma pessoa diferente. Trata-se de pôr à sua disposição possibilidades de que ele não se torne tão vulnerável à criminalidade e suscetível a cometer crimes novamente. Por essa ótica, um condenado que aceitou desenvolver algum ofício dentro da prisão, ao término de sua pena, pode encontrar novas possibilidades de emprego e não ter se tornado uma pessoa "melhor".

Nessa altura, é útil voltar ao início do presente estudo que partiu da apresentação das formas de controle social. Com efeito, se o indivíduo submeteu-se às formas usuais de controle social, como a família e a escola, mais dificilmente entrará para o mundo do crime. No entanto, ainda que tenha sido alvo das formas comuns de controle social, é possível que o indivíduo venha a delinqüir. Da mesma forma, existe a proposta de que a prisão possa disponibilizar atividades para os presos que tragam em sua substância conteúdo de controle social, como o estudo e o aprendizado de algum ofício, embora, persista igualmente a possibilidade de que o preso "reincida", mesmo se houver contato dentro do cárcere com as atividades "sócio-educativas".

Ou seja, a "ressocialização" não será um fim da pena, mas pode se apresentar como uma possibilidade que é oferecida ao encarcerado para que ele se submeta ao controle social não institucionalizado, ressaltando que deve ser respeitada a sua liberdade de não aceitar esta possibilidade. Outrossim, mesmo que adotada essa postura diante da proposta de ressocialização, ela ainda carecerá de viabilidade prática dentro da realidade das penitenciárias brasileiras.

3.3.finalidade da pena para a doutrina contemporânea

Após a abordagem pormenorizada das finalidades de retribuição e prevenção, é merecedor de destaque a teoria unificadora da pena, que conjugou em um único conceito os fins retributivo e preventivo. Em resumo, para a teoria unificadora o direito penal tem a função principal de proteção da sociedade e o fundamento da pena é o próprio delito.

A teoria unificadora possui dois momentos. Em um primeiro período, propunha apenas a justaposição das finalidades retributiva e preventiva. Em um segundo momento, propôs estabelecer fins preventivos de acordo com o estágio da norma. Esta última concepção é que tem maior alcance na atualidade, sendo, inclusive, adotada pelo Código Penal Brasileiro Vigente:

Art.59.

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: [...] (Sem grifos no original)

A despeito da aceitação da teoria unificadora nos manuais de direito penal [12], ela é alvo de críticas como a de que a reunião de todas essas finalidades não suprime as falhas de cada uma, além de se demonstrar uma utopia. Thompson (2002, p.5) critica a teoria unificadora, como se percebe do trecho transcrito adiante:

O conceito da tríplice finalidade é bastante familiar mesmo ao homem comum do nosso tempo, para quem, ao menos no plano racional, o preso é colocado na penitenciária com vistas a ser punido, intimidado e, principalmente, reformado [...]. Punir é castigar, é fazer sofrer. A intimidação, a ser obtida pelo castigo, demande que este seja apto a causar terror. Ora, tais condições são reconhecidamente impeditivas de levar ao sucesso uma ação pedagógica.

Além da teoria unificadora, destaca-se na doutrina a teoria preventiva positiva, que se desdobra na prevenção geral positiva fundamentadora e na prevenção geral positiva limitadora.

A prevenção geral fundamentadora, denominada por Reale Júnior (2002, p.55) como idéia de reafirmação do ordenamento, cria para o direito penal uma função ético-social de garantia de valores e para a pena a função de reafirmar a ordem violada, reforçando junto aos membros da coletividade a validade das normas. Conforme aponta o autor, esta concepção aproxima-se da teoria hegeliana, para a qual a pena é negação da negação do direito.

Uma das críticas que mais se destaca a respeito da prevenção geral fundamentadora é a realizada por Baratta [13] (apud Bitencourt, 2001, p.147), para quem esta finalidade atribuída à pena seria conservadora e legitimadora da intensificação da resposta penal aos problemas sociais.

A prevenção geral positiva limitadora, adotada por Bitencourt (2001, p.150) e Barros (2001, p.66), preconiza que a pena deve ser imposta com a finalidade de prevenção geral, porém dentro dos limites estabelecidos pela proporcionalidade e pelo direito penal do fato [14] ao Estado. O direito penal permanece com a função de garantia da juridicidade, de modo que a atuação estatal não pode desrespeitar os direitos individuais do cidadão.

Ainda merecedora de destaque é "a posição axiológica-concreta" de Reale Júnior (2002, p.56) quanto à pena, segundo a qual seria um castigo que se justifica como reafirmação de um valor consagrado na lei e cuja finalidade é a de retribuir com um mal a ação intentada contra o valor descrito legalmente. Para o autor, embora não considere que a prevenção instrumentaliza o homem, não concorda com a exemplaridade da pena, afirmando apenas que ela pode ser intimidativa. Segundo sua ótica, tanto a idéia de reafirmação do ordenamento, como a finalidade preventiva especial são efeitos co-laterais da pena de prisão, podendo a finalidade ressocializadora estar presente tão somente na aplicação da pena restritiva de direitos.

Por fim, uma última concepção da pena que convém ser ressaltada é de Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.89) que afirmam que usualmente são dadas duas respostas excludentes para o objetivo da sanção penal. A primeira das respostas dá ao direito penal a função de segurança jurídica e à pena o caráter de prevenção geral, através da sanção retributiva. A segunda resposta é que confere ao direito penal a função de proteção da sociedade e à pena o caráter de prevenção especial, através da retribuição e ressocialização. Para os autores, no entanto, a meta de segurança jurídica não exclui a de defesa social, pois definindo a segurança jurídica como a proteção de bens jurídicos que assegurem a coexistência, esta se aproxima notavelmente da defesa social.

Em resumo, para os autores citados, a pena constitui-se numa afetação de bens jurídicos que se justifica pelo interesse geral de conservar a paz social e a segurança jurídica. Ainda aduzem que na afetação de bens jurídicos o Estado deve reconhecer um âmbito de liberdade moral, de modo que à pena não pode ser dada a função de castigo, consistente em uma função moral e não de garantia de bens jurídicos.

Em outra oportunidade, ao expor a crise de legitimidade do sistema penal, Zaffaroni (1991, p.203), afirma que a pena possui um conteúdo inequívoco de irracionalidade, pois não ser capaz de promover a solução de conflitos. A pena é aplicada depois de ocorrido o conflito. Porém, o autor conclui que por mais irracional que seja a aplicação da pena, esta irracionalidade deve ser sempre mitigada, por meio de princípios como o da lesividade e o do intervenção mínima.

Vislumbra-se, nesse contexto, o sentido de discutir o significado da pena como sendo o de buscar um direito penal menos deslegitimante. Ainda que autores como Bitencourt (2001, p.153) afirmem que as discussões sobre as teorias da pena sejam inúteis do ponto de vista prático, por outro lado, existem posições como a de Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.91) que confirmam a relevância da discussão dos objetivos da legislação penal, que será a única forma de criticá-la e interpretá-la.

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Sobre a autora
Érika Soares Catão

bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CATÃO, Érika Soares. A pena privativa de liberdade sob o enfoque de suas finalidades e a visão do sistema punitivo pela comunidade discente da UEPB. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1026, 23 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8284. Acesso em: 26 nov. 2024.

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