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A pena privativa de liberdade sob o enfoque de suas finalidades e a visão do sistema punitivo pela comunidade discente da UEPB

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23/04/2006 às 00:00
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A crise da pena privativa de liberdade

Carvalho Filho (2002, p.8), em obra voltada principalmente ao público leigo, introduz o tema "prisão" relacionando uma série de fatos noticiados pela mídia há poucos anos. O autor recorda a "super-rebelião" ocorrida em fevereiro de 2001 no estado de São Paulo, quando a população conheceria a organização criminosa "PCC" – Primeiro Comando da Capital, que liderou umas das maiores rebeliões já vistas no país, na qual detentos de várias unidades prisionais daquele estado protagonizaram um motim incrivelmente organizado, cujas ações se realizaram de modo simultâneo e sincronizado. Rebeliões similares ocorrem periodicamente em todo o país, manifestando o inconformismo dos presidiários com as condições físicas das prisões e apresentando o centro vivo de criminalidade que opera dentro do cárcere.

As deficiências das penitenciárias são notoriamente conhecidas pela população brasileira. Elas realçam a incapacidade do Poder Executivo em desempenhar mais uma de suas atribuições, o controle da execução penal. Porém, além de se tratar de um problema penitenciário, o grave quadro das prisões no Brasil relaciona-se com a crise da pena de prisão, largamente anunciada pelos especialistas na área. Existe um incrível consenso na doutrina do direito penal quanto ao fracasso da pena privativa de liberdade, havendo alguma divergência tão somente quanto à solução a ser adotada, se sua reforma, ou sua completa abolição.

A ideologia abolicionista, representada por Louk Hulsman e Nils Christie, surgiu impulsionada pela constatação das fraquezas da prisão e demonstrou seus exageros ao propor a própria extinção da pena privativa de liberdade. Sobre o abolicionismo Jesus (2004, p.97) afirma que a "proposta não se funda na renovação e modificação dos sistemas criminais, mas em sua própria supressão, que [...] se mostraram completamente ineficientes para o alcance dos fins propostos".

A ideologia do tratamento também surgiu face à constatação dos danos causados pelo cumprimento da pena de prisão. Suas origens remontam à criminologia da Escola Positiva, que atribuía a causa dos delitos a distúrbios individuais, devendo o condenado ser "tratado" e não "punido". Por essa corrente, o preso deve cooperar com a terapia adotada no encarceramento, por meio do bom comportamento e da disciplina A ideologia do tratamento se desdobrou na "ressocialização", cujas críticas já foram apresentadas ao longo deste trabalho. Oportuna é a lição de Thompson (2002, p.3):

Enquanto anteriormente a tônica do confinamento carcerário recaía sobre o alvo escarnamento, já a partir do século passado, pelo menos, passou a merecer ênfase especial a meta reabilitação. Designada, indiferentemente, por terapêutica, cura, recuperação, regeneração, readaptação, ressocialização e outras correlatas, ora é vista como semelhante à finalidade do hospital ora como à da escola.

Da mesma maneira, surgida na tônica de reação ao fracasso da pena de prisão, tem-se o movimento da lei e ordem, que vai de encontro com os princípios garantistas do direito penal, além da proteção dos direitos individuais. Este movimento atribui à pena a função de castigar o infrator, pregando a adoção de penas severas para os crimes de alta repercussão social, um regime de extrema severidade nos estabelecimentos penais, inclusive, com a supressão de garantias como a presunção de inocência e a curta duração da prisão temporária. Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.355), descrevendo o funcionamento da chamada nova direita, apresentam as características dessa ideologia que muito se assemelha com o movimento da lei e ordem, uma vez que prega o "posicionamento retributivo, frequentemente denominado de ‘neo-retribucionismo penal’".

O movimento da lei e ordem teve como desdobramento a ideologia da segurança nacional [15], que sustenta a renúncia de elementos limitadores da atuação estatal, como a necessidade de fundamentação da prisão preventiva, na busca da proteção de bens jurídicos considerados especialmente relevantes. No Brasil, a ideologia da segurança nacional encontrou terreno fértil durante o período da ditadura militar, justificando medidas como os Atos Institucionais, em benefício de um bem considerado maior, a segurança nacional. O direito penal da segurança nacional não encontra proteção jurídica na atual legislação brasileira, no entanto, Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.362) alertam para a criação do direito penal da segurança urbana:

Os atores políticos, procurando clientela eleitoral, elaboram leis repressivas, longe de qualquer contexto ideológico coerente, mesclando argumentos moralistas, perigosistas e de segurança nacional. A sociedade de comunicação contemporânea e as cruzadas nacionais e internacionais, o medo, as reações perante a quebra do estado de bem-estar e a redução do espaço político para providencias soluções reais para os conflitos sociais favorecem uma transferência do poder, que, na época da ideologia da segurança nacional, levava à hegemonia das forças armadas e que, na versão da ideologia da segurança urbana, passa para as polícias.

No quadro de violência urbana que amedronta a sociedade brasileira, os índices de criminalidade e a crescente preocupação com a segurança pública são elementos suficientes para fomentar a adoção de ideologias como as apontadas acima. A população, aliás, influenciada pelas imagens vendidas pela mídia nacional, começam a debater a "criminalidade", a "impunidade". A mídia (inclusive a escrita) fornece a idéia de que as leis brasileiras são leves, beneficiam os bandidos, favorecem a impunidade. E assim informada, a opinião pública manifesta-se pelo "endurecimento" das leis, pelo cumprimento da pena sem condenação. É visível que diante da vulnerabilidade da população, o sentimento de vingança tende a se sobrepor perante qualquer elemento racional na análise do sistema penal.

No entanto, ainda que se reconheça a falta de lucidez dessas ideologias, o direito penal carece de um movimento legitimador de sua atuação, que legalize e humanize a questão penitenciária. Para Bitencourt (2001, p.154), a crise da prisão deve encontrar a solução na sua própria reforma, porém a maior dificuldade apontada pelo autor é falta da devida atenção ao problema.


Pesquisa: "sistema carcerário: confronto entre os fins da pena e a expectativa da sociedade campinense sobre o modelo penitenciário atual".

Como foi dito no início da presente monografia, esse trabalho originou-se da pesquisa intitulada "Sistema carcerário: confronto entre os fins da pena e a expectativa da sociedade campinense sobre o modelo penitenciário atual", realizada através do Programa de Iniciação Científica da Universidade Estadual da Paraíba – PROINCI/UEPB, no período de agosto de 2004 a julho de 2005.

Seu objetivo principal foi analisar as principais finalidades da sanção penal, confrontando-as com o que espera a sociedade campinense do sistema penitenciário.

Para a consecução desses fins, contou-se com uma pesquisa bibliográfica nos manuais de direito penal e uma pesquisa de campo, cujo universo foi a comunidade discente do Centro de Ciências Jurídicas e do Centro de Educação da Universidade Estadual da Paraíba e a amostra foi de três turmas do Curso de Direito, duas turmas do Curso de Pedagogia e uma turma do Curso de Geografia.

As análises partiram das respostas aos questionários aplicados nas três turmas de Educação Superior da Universidade Estadual da Paraíba, que foram questionadas quanto a aspectos relacionados ao sistema penitenciário, como a posição assumida quanto às finalidades da pena, aspectos da situação atual dos presídios de forma geral, as alterações legislativas mais recentes em matéria de direito penal, a inserção da violência urbana e sua influência no regime de cumprimento das penas, além de outras questões.

Na presente oportunidade, optou-se por expor apenas parcela dos resultados da pesquisa, em especial, aqueles que produziram as conclusões mais relevantes. Desse modo quanto ao conceito sobre o sistema penitenciário, observe a Tabela 1.

Tabela 1 – Qual seu conceito sobre o sistema penitenciário?

Conceito

Total

%

BOM

0

0,0%

REGULAR

9

6,8%

RUIM

48

36,4%

PESSIMO

75

56,8%

Vê-se, portanto, que, a respeito do sistema penitenciário, reina uma insatisfação geral e absoluta. E não poderia ser diferente. Embora seja irrisória a parcela da população que já tenha visitado alguma vez uma cadeia pública, a degradação em que elas se encontram é matéria de domínio comum, prescindindo de qualquer observação in loco.

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Quanto às finalidades da pena, embora seja quase pacífico que as teorias unificadoras passam por uma verdadeira crise de legitimidade, um grande número de respostas apontou o tripé adotado pela doutrina da prevenção geral – prevenção especial (ressocialização ou regeneração) – retribuição, com destaque para a finalidade da ressocialização, que, aliás, foi apontada em várias oportunidades. Vide Tabela 2.

Tabela 2 – Na sua opinião, qual é a finalidade que deve ser conferida à pena ?

Finalidade da Pena

Total

%

PROTEGER A SOCIEDADE E IMPINGIR MEDO

85

64,4%

REGENERAR O PRESO

107

81,1%

CASTIGAR O DETENTO

35

26,5%

CONFERIR À VÍTIMA O SENTIMENTO DE JUSTIÇA

44

33,3%

SEM RESPOSTA

1

0,8%

Interessante observar que, não obstante a finalidade preventiva especial tenha sido a preferida, conforme os resultados apresentados, o que, em tese, demonstraria uma tendência à adoção de posturas mais flexíveis, as respostas a dois questionamentos demonstram uma tendência antagônica.

Um desses questionamentos foi a respeito da redução da maioridade penal para 16 anos, o que acarretaria uma inevitável penalização maior, aumentando consideravelmente o número de detentos no sistema penitenciário. Uma imensa maioria das respostas foi a favor da redução da maioridade penal, conforme Tabela 3.

Tabela 5 - Você concorda com a redução da maioridade penal para 16 anos?

Resposta

Total

%l

SIM

93

70,5%

NÃO

39

29,5%

Por fim, o outro questionamento cujas respostas demonstram a tendência de intensificação da resposta penal é o que procura saber quais as propostas para o sistema prisional, no qual a maior parte das soluções assinaladas foi a que apontava a adoção de penas mais rígidas.

Tabela 4 - Qual seu conceito sobre o sistema prisional?

Conceito

Total

Percentual

PENAS MAIS RÍGIDAS

64

48,5%

SURSIS, TRANSAÇÃO PENAL SÃO MORDOMIAS DO PRESO

33

25,0%

DIREITOS HUMANOS DO PRESO DEVEM SER MINIMIZADOS

44

33,3%

PENAS MAIS LEVES

0,0%

SOMENTE ALGUNS CRIMES DEVEM SER PUNIDOS COM RIGOR

54

40,9%

SEM RESPOSTA

2

1,5%

Em seu término, a pesquisa realizada com o auxílio institucional do PROINCI trouxe algumas conclusões já esperadas. Com efeito, a adoção das teorias da pena que conjugam em uma única concepção as finalidades de retribuição e prevenção e a expectativa de um direito penal mais rígido, com a criação de leis mais duras fazia parte das hipóteses lançadas de início.

Destarte, a pesquisa foi bastante produtiva, pois traçou um perfil geral da visão do sistema punitivo de parcela da sociedade campinense, a comunidade discente da Universidade Estadual da Paraíba, tendo resultado num estudo aprofundado sobre as finalidades da pena de prisão que ora é apresentado como trabalho de fim de curso.

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Sobre a autora
Érika Soares Catão

bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CATÃO, Érika Soares. A pena privativa de liberdade sob o enfoque de suas finalidades e a visão do sistema punitivo pela comunidade discente da UEPB. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1026, 23 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8284. Acesso em: 26 nov. 2024.

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