Conclusão
Desde tempos remotos, a função do direito penal e a aplicação da pena foram discutidas pelos penalistas. Inicialmente a pena possuiu um caráter de simples vingança e em outros tempos a pena foi encarada como um modo de expiação de pecados. Antes executada com bastante crueldade, numa época em que se objetivava causar o máximo de dor ao condenado, a pena passou por um período reformador, momento em que a liberdade passou a ser o bem jurídico afetado na penalização das condutas criminalizadas e a prisão surgiu finalmente com o caráter de sanção.
O significado da pena tem sido objeto de várias teorias. A primeira delas sustenta a pena numa retribuição, como uma compensação ao crime cometido. Outro fundamento dado à pena é o da prevenção de delitos. A pena seria aplicada com vistas a alcançar fins posteriores, seja por meio da intimidação aos cidadãos em geral, seja por meio da inocuização do próprio condenado, para que este não volte a delinqüir, através de sua recuperação, dando-lhe condições de retorno à vida livre "ressocializado".
Outros fundamentos ainda foram dados à aplicação da pena, como a função de reafirmação do ordenamento jurídico e a de proteção de bens jurídicos fundada na limitação do poder de intervir do Estado. Todas as teorias foram objetos de críticas, muitas delas pertinentes.
A essa altura, após estudar boa parte das finalidades atribuídas à pena de prisão, é possível concluir que a maioria delas carece de legitimidade. Como se viu, as teorias que foram apresentadas no decorrer desse trabalho foram bastante censuradas. Sendo assim, grande é a probabilidade de que mesmo a posição que venha a ser adotada ao final desse estudo não seja a mais completa forma de fundamentar a aplicação da sanção penal.
Feita essa ressalva, não se pode ignorar que a pena cumpre com uma função de castigo, pois para o condenado o conteúdo da prisão será uma retribuição, mesmo que ele venha a ter à sua disposição medidas caracterizadas como "ressocializadoras", a exemplo da possibilidade de estudar dentro do cárcere. Não obstante, enfatize-se que a ressocialização não pode ser avocada como finalidade da pena, principalmente em face das inúmeras implicações éticas que teria a sua execução como forma de impor um padrão de comportamento. Além disso, há a seu desfavor a já tão afamada inviabilidade prática de se adotar medidas de ressocialização, em especial no sistema penitenciário brasileiro.
Outro aspecto conclusivo merecedor de destaque é a idéia de que a pena poderá ter um efeito intimidatório, como propõe a prevenção geral, embora, insista-se, trata-se tão somente de um efeito e não de um fundamento.
Ainda é preciso destacar que, dentre as doutrinas estudadas, a que apresentou o tema de forma mais coerente, é a que confere ao direito penal o papel de cumpridor da segurança jurídica, ainda que isto não tenha o condão de excluir a defesa social, o que se traduz em mais uma aferição a ser apontada. De fato, o direito penal tem a função de segurança jurídica e a pena vem garantir a proteção de bens jurídicos, por meio de uma atuação limitada do Estado. De resto, ressalte-se que o objetivo do direito penal e da pena é programático, devendo servir como orientador da interpretação e da aplicação da norma jurídica.
Quanto à prisão, após ter se tornado a principal medida punitiva do direito penal, revelou-se problemática, existindo um verdadeiro consenso sobre sua crise. Suas piores falhas são vistas pela sociedade de modo bastante equivocado, gerando a defesa da adoção de medidas de cunho repressivo, de um direito penal que puna mais, que atue com mais força. A visão do senso-comum é a de que o tratamento dado pelo direito penal à criminalidade é ineficaz, é leve demais. Essa opinião é fomentada pelo tratamento dado ao tema nos meios de comunicação. Todo esse ambiente propicia a criação de objetivos pouco racionais para o direito penal, como a vingança ou o castigo a todo custo.
Por fim, sobressai-se a conclusão de que a questão atinente às finalidades da pena merece uma rediscussão, pois é aparente sua carência de legitimidade, face ao número de propostas que já foram realizadas. No entanto, ressalte-se que em razão da dimensão dessa pesquisa, é impossível realizar propostas ou sugestões para o tema, que, aliás, não foi o objetivo traçado inicialmente.
Ao que parece, tomando-se por base os dados colhidos e confrontando-os com a simples percepção comum da realidade social, nota-se que o fato de existirem tantos ensaios científicos tendo por objeto o fundamento do poder-dever de punir do Estado ainda não foi o bastante para conferir à pena privativa de liberdade o mínimo de legitimidade.
Desse modo, por esse quadro figurar como um problema sociológico dos mais atormentadores, a maior contribuição desse trabalho é justamente pontuá-lo e delimitá-lo, de forma a concretizar o debate sobre este tema e incentivar a abertura de espaços para investidas acadêmicas e novas discussões no seio da sociedade.
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Notas
01CHERNICHIARO, Luiz Vicente. Estrutura do direito penal. 2. ed. São Paulo: José Bushatsky, 1970. p. 161
02 As casas de correção ou workhouses (casas de trabalho) foram criadas na Inglaterra e Holanda e, segundo Bitencourt (2001, p.18) "embora destinadas à pequena delinqüência, já assinalam o surgimento da pena privativa de liberdade moderna".
03 MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcel y fábrica: los orígenes del sistema penitenciário. 2. ed. México: Siglo XXI, 1985. p.41 Em vista das limitações do presente trabalho, é recomendável consultar a obra de que foi tirada a citação sobre o tema em questão.
04 Kant e Hegel são os maiores precursores do contratualismo retributivo. Além deles, outros penalistas destacaram-se como defensores desta teoria, como Carrara e Binding.
05 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del garantismo penal. 3.ed. Madrid: Trotta, 1998. p.253
06 O que a doutrina denomina de "jusnaturalismo teocrático".
07 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Trad. Busto Ramirez e Yañes Pérez. 3. ed. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1987.
08 BETTIOL, Giuseppe. El problema penal. Trad. Jose Luiz Guzman Dalbora. Buenos Aires: Depalma, 1997 p. 176-177
09 Feuerbach é o penalista mais influente para a teoria da prevenção da pena, cuja maior contribuição se deu com a teoria da coação psicológica, segundo a qual se intimida o delinqüente pela ameaça da punição.
10 A Escola Positiva teve Lombroso, Ferri e Garofalo como seus maiores expoentes, que representaram respectivamente a antropologia, a sociologia criminal e a da criminologia.
11 A Escola da Nova Defesa Social, cujos maiores expoentes foram Fillippo Gramática e Marc Ancel, incrementou no direito penal as idéias de fracasso da pena de prisão e a necessidade de se criar meios alternativos mais eficazes e mais humanos na repressão ao delito.
12 COSTA JÙNIOR, Paulo José.Curso de direito penal – parte geral. São Paulo: Saraiva,1991.p.161; DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto, DELMANTO JÚNIOR, Roberto. Código penal comentado. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1998.p.63; JESUS, Damásio E. Direito penal – parte geral. 23.ed, São Paulo: Saraiva,1999, p.519.
13 BARATTA, Alessandro. Integración-prevención: uma nueva fundamentación de la pena dentro de la teoria sistêmica. Trad. Garcia Mendes y Sandoval Huertas. Doctrina penal. Buenos Aires, 1985. p.16
14 Trata-se de uma forma de limitação ao poder-dever de punir do Estado, segundo o qual somente o fato deve ser criminalizado e não o autor do fato.
15Outro desdobramento desse movimento é o direito penal do inimigo, que vem sendo fortemente criticado pela doutrina contemporânea e caracteriza-se pela eleição de um inimigo para o direito penal combater irrestritamente, inimigo este que pode vir a ser a violência, o terrorismo, a corrupção. A mídia propicia a criação de movimentos como esses pela exaltação dada a certos delitos nos noticiários. Gomes (2005, p.1) tece inúmeras críticas a essa política criminal, destacando, dentre os seus abusos, a abstração do princípio da legalidade, a inobservância de garantias fundamentais, a concessão de prêmios ao inimigo que coopere com a atuação estatal no combate ao crime e o endurecimento das medidas de execução penal.