O Superior Tribunal de Justiça vem, reiteradamente, decidindo que a alíquota (1%, 2% ou 3%) da contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho – SAT (art. 22, II, Lei n.º 8212/1991) é determinada separadamente por estabelecimento da empresa, de acordo com o grau de risco de acidente de trabalho relativo à atividade econômica desenvolvida em cada estabelecimento. É o que se vislumbra, por exemplo, na ementa a seguir reproduzida de recente julgado:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. (...) SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. LEGALIDADE. ORIENTAÇÃO ASSENTADA NA 1ª SEÇÃO. DETERMINAÇÃO DO GRAU DE RISCO PREPONDERANTE: AFERIÇÃO POR ESTABELECIMENTO DA EMPRESA. NECESSIDADE DE REGISTRO DA UNIDADE NO CNPJ.
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2. É orientação assentada no âmbito da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aquela segundo a qual não há ofensa ao princípio da legalidade, posto no art. 97 do CTN, pela legislação infraconstitucional que institui o SAT – Seguro de Acidente do Trabalho. Precedentes: AgRg no AG 520865/RJ, 2ª Turma, Min. Peçanha Martins, DJ de 30.05.2005; AgRg no AG 628986/PR, 1ª Turma, Min. Denise Arruda, DJ de 04.04.2005.
3. A 1ª Seção do STJ, no ERESP 478.100/RS (Min. Castro Meira, DJ de 28.02.2005), assentou o entendimento de que, para fins de apuração da alíquota aplicável no cálculo da contribuição para o Seguro Acidente de Trabalho - SAT, é viável a aferição do grau de risco individual de cada estabelecimento da empresa, mas desde que se trate de estabelecimento com inscrição própria no CNPJ.
4. Assim, o atendimento de demanda visando à redução de alíquota depende da demonstração (a) da existência de inscrição individual de cada estabelecimento a ser aferido e (b) de que o resultado da aferição conduz à redução do grau de risco atualmente considerado para efeito de cálculo do tributo, matéria de fato insuscetível de ser investigada em recurso especial.
5. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ - AgRg no Ag 722829/SP - Relator Min. Teori Albino Zavascki - Primeira Turma - j. 14/3/2006 - DJ 3/4/2006)
Este entendimento, entretanto, merece reparos.
A determinação da alíquota da contribuição para o SAT deve considerar a empresa como um todo, em função do grau de risco de acidente de trabalho concernente a sua atividade econômica preponderante, nos termos do art. 22, II, "a" a "c", da Lei n.º 8212/1991, e do art. 202, I a III e § 3º, do Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto n.º 3048/1999.
Na partitura do § 3º do art. 202 do RPS/1999, a atividade econômica preponderante da empresa será aquela que congregar o maior número de segurados empregados e trabalhadores avulsos.
E, na fórmula do § 4º do art. 202 do RPS/1999, o grau de risco de acidente de trabalho para cada atividade econômica preponderante está estabelecido na Relação de Atividades Preponderantes e correspondentes Graus de Risco, encartada no Anexo V ao regulamento em apreço e que se alicerça na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).
A premissa normalmente manejada pelos contribuintes para afastar a contribuição para o SAT em função da empresa como um todo é que os riscos de acidente de trabalho devem ser aferidos separadamente por cada estabelecimento ou setor, uma vez que o valor da contribuição deveria relacionar-se à maior ou menor probabilidade de ser recebido o prêmio em caso de infortúnio. Assim, em face de os empregados que laboram em escritório estarem submetidos a um risco menor de acidente de trabalho, a alíquota da contribuição destinada ao SAT deveria, para esse setor, ser de 1%.
Onde está o equívoco dessa premissa? O equívoco está em não levar em conta que a contribuição para o SAT destina-se a financiar benefícios e prestações devidos por um sistema de Seguridade Social e não por um sistema de seguridade individual.
Detalhemos. O dever legal de recolher contribuições para a Seguridade Social independe de qualquer benefício que o contribuinte possa obter. Esse dever concretiza o postulado da solidariedade social, inscrito nos arts. 3º, I, e 195, caput, da CF. Contribui-se simplesmente por fazer parte de determinado grupo, a fim de financiar os benefícios e as prestações que venham a ser usufruídas por todos os participantes do grupo. É oportuno, neste estágio, trazer à baila a lição de Luciano Amaro [1]:
"Muito se tem discutido acerca da classificação das contribuições atualmente previstas no art. 149 da Constituição, especialmente as destinadas ao custeio da seguridade social (CF, art. 195, I, II e III e §§ 4º e 8º). Já se afirmou que as contribuições dos trabalhadores teriam a natureza de taxas (dada a sua ‘contrapartida’ dos benefícios a eles prestados ou postos à sua disposição) e as contribuições das empresas seriam impostos (em face da inexistência de ‘contrapartida’).
Por outro lado, deve-se atentar para o fato de que, em nosso sistema tributário constitucional, essas contribuições sociais (inclusive as exigidas dos trabalhadores) destinam-se ao custeio de todo o sistema da seguridade social, que abrange extenso setor da atividade estatal, ligado não só à previdência social (que é uma das seções do capítulo da seguridade social: CF, arts. 201 e 202), mas também à saúde (arts. 196 a 200) e à assistência social (arts. 203 e 204). Essa atuação estatal é dirigida à coletividade, inclusive às pessoas que jamais tenham efetuado contribuições. Vejam-se, por exemplo, o art. 196 (‘a saúde é direito de todos e dever do Estado’) e o art. 203 (‘a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social’).
Ademais, tendo em vista que os fatos geradores das contribuições sociais não são atuações do Estado (cf. art. 195), essas contribuições são irredutíveis à categoria de taxa, se aceitarmos o conceito (proclamado, aliás, no art. 77 do Código Tributário Nacional) de que o fato gerador da taxa é configurado por uma atividade do Estado.
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A referibilidade ao indivíduo que contribui também não é critério especificador das contribuições, ou seja, os indivíduos a que a atuação estatal se destina não são necessariamente os contribuintes. Por exemplo, os grupos de indivíduos destinatários da seguridade social assumem diversas configurações: os aposentados, os carentes, os idosos etc., independentemente de esses beneficiários terem, necessariamente, contribuído para o sistema de seguridade.
É a circunstância de as contribuições terem destinação específica que as diferencia dos impostos, enquadrando-as, pois, como tributos afetados à execução de uma atividade estatal ou paraestatal específica, que pode aproveitar ou não ao contribuinte, vale dizer, a referibilidade ao contribuinte não é inerente (ou essencial) ao tributo, nem o fato gerador da contribuição se traduz na fruição de utilidade fornecida pelo Estado."
(grifei)
A lição há pouco transcrita tem sua origem na monografia de Marco Aurélio Greco [2], que, após defender que o conceito básico das contribuições é a "solidariedade em relação aos demais integrantes de um grupo social ou econômico, em função de certa finalidade", traça as linhas de um segundo conceito definidor da estrutura das contribuições:
"Um segundo conceito vai definir a estrutura das contribuições. Para os impostos, este segundo conceito é o de manifestação de capacidade contributiva; para as taxas é a fruição individual da atividade estatal e, para as contribuições, é a qualificação de uma finalidade a partir da qual é possível identificar quem se encontra numa situação diferenciada pelo fato de o contribuinte pertencer ou participar de um certo grupo (social, econômico, profissional). Isto leva à identificação de uma razão de ser diferente para cada uma das figuras.
Se alguém perguntar: por que pagam-se impostos? Eu responderia que pagam-se impostos porque alguém manifesta capacidade contributiva e, por isso, pode arcar com o ônus fiscal. Por que paga-se taxa? Paga-se taxa porque o contribuinte usufrui de certa atividade estatal ou recebe certa prestação, daí a idéia de contraprestação. E, por que paga-se contribuição? Paga-se contribuição porque o contribuinte faz parte de algum grupo, de alguma classe, de alguma categoria identificada a partir de certa finalidade qualificada constitucionalmente, e assim por diante. Alguém ‘faz parte’, alguém ‘participa de’ uma determinada coletividade, encontrando-se em situação diferenciada, sendo que, desta participação, pode haurir, eventualmente (não necessariamente), determinada vantagem.
O critério apóia-se numa qualidade (= fazer parte) e não numa essência (= fato determinado) ou utilidade (= benefício/vantagem)."
(destaquei)
Enfatize-se, mais, que, definido o grupo de contribuintes, seus integrantes, pelo critério da proporcionalidade (utilizando-se como vetor diferenciador, por exemplo, a capacidade contributiva, podendo-se, contudo, lançar mão de outro vetor), podem ser chamados a contribuir de maneira diferenciada.
No tocante à contribuição para o SAT, é sabido, por expressa disposição legal (art. 22, II, "a" a "c", Lei n.º 8.212/1991), que o critério diferenciador das alíquotas a serem aplicadas depende do grau de risco da atividade econômica principal explorada pela empresa. Por conseguinte, é razoável que, para financiar os benefícios acidentários, contribuam mais aquelas empresas que desenvolvam atividades econômicas desencadeadoras, potencialmente, de uma maior quantidade de acidentes de trabalho e, por conseqüência, de uma maior quantidade de atendimentos pela rede pública de saúde e de uma maior concessão de benefícios acidentários.
Logo, as atividades econômicas que geram maiores custos sociais têm, por fundamentos de razoabilidade e proporcionalidade, de contribuir mais para o financiamento dos benefícios e prestações arcados pela sociedade. Esse é o pensamento exteriorizado por Fritjof Capra [3]:
"Um novo papel importante para a economia será o de estimar, tão precisamente quanto possível, os custos sociais e ambientais das atividades econômicas – em dinheiro, saúde ou segurança –, a fim de incorporá-los às contas de empresas privadas e públicas. Espera-se que os economistas identifiquem as relações entre as atividades específicas dos setores privados da economia e os custos sociais gerados por essas atividades para o setor público."
Demais disso, o setor administrativo da empresa não explora, isoladamente, uma atividade econômica, mas tem por finalidade organizar a empresa de modo a otimizar o desenvolvimento da atividade econômica, esta sim que se traduz na expertise empresarial. Desse modo, para fins de graduação do risco de acidente de trabalho, essencial para a determinação das alíquotas da contribuição para o SAT, o que se deve considerar é o risco relativo à atividade econômica que envolva o maior número de segurados do INSS a serviço da empresa.
Por conseguinte, em conclusão, como o princípio informador das contribuições para a Seguridade Social é solidariedade social, não há que se levar, para a contribuição para o SAT, o risco a que cada empregado está submetido individualmente, mas sim o risco potencial gerado pela atividade econômica preponderante da empresa.
Notas
- AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 9ª edição, São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 61/62 e 85.
- GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura "sui generis"), São Paulo: Dialética, 2000, pp. 83/84.
- CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação, São Paulo: Cultrix, p. 384.