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O lançamento tributário e a modalidade do art. 150 do CTN

28/04/2006 às 00:00
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Obrigação e crédito tributários

            O lançamento tributário é ato administrativo de natureza declaratória predominante e agregador de exigibilidade aos tributos em que sua ocorrência é necessária. Essa assertiva fixa as diretrizes básicas do breve estudo que se segue.

            O Código Tributário Nacional utiliza alguns conceitos de maneira imprecisa e contém algumas disposições inconciliáveis entre si. Os problemas lógicos ficam mais evidentes ao se abordar a figura delineada no art. 150, aquela do lançamento por homologação.

            Trata-se, a toda evidência, do disfarce terminológico do tributo exigido sem lançamento. O legislador tentou escamotear o resultado de sua construção, a bem de manter uma suposta coerência que, efetivamente, não há no código. Melhor seria se deixasse claro que o lançamento faz-se quando for necessário, conforme a configuração de cada espécie.

            A obrigação tributária principal, que se traduz em dever imposto pela lei ao sujeito passivo de pagar uma soma ao sujeito ativo, surge com a realização do fato gerador. A terminologia, por um lado, e a nítida configuração de adequação típica, por outro, não devem induzir à tentação das analogias civilista e penalista, respectivamente. Essas analogias são possíveis e úteis até certo ponto, mas não conduzem a conclusões últimas válidas.

            A realidade jurídica aqui é outra e significa que acontecido um fato descrito em lei impõe-se um pagamento para o qual o devedor será expressamente chamado ou que se deverá fazer sem qualquer chamamento prévio.

            As atenções voltam-se para o fato gerador ocorrido, como elemento essencial da imposição de prestação pecuniária compulsória. Daí que se aplicará ao tributo a legislação vigente à época do fato descrito como ensejador da obrigação. Tudo indicando que a realidade da obrigação tributária é uma só, embora se possam separar cronologicamente os momentos, desde a ocorrência do fato gerador até o pagamento do tributo com a extinção do crédito que a fazenda tinha.

            O crédito tributário, esse elemento tão maltratado pelo código e tão mistificado por alguns autores, é consubstancial à obrigação, na medida em que seria extravagante imaginar um sem o outro. Não se trata, contudo, de identidade, no sentido aristotélico, mas de ter-se a mesma substância. Isso está dito sem maiores ambiguidades no CTN, que afirma o compartilhamento de natureza, no art. 139.

            Com efeito, não há obrigação sem crédito, porque seria obrigação de pagar nada, nem há crédito sem obrigação, porque seria crédito sem antecedente ocorrência de fato gerador. Enfim, o crédito está contido no vínculo jurídico criado pela lei entre os sujeitos ativo e passivo, chamado obrigação tributária, como seu objeto.

            Pode haver, é verdade, crédito inexigível. Tal possibilidade, se utilizada como objeção, não atinge a consubstancialidade da obrigação e do crédito, mas a confirma. Deixa claro, essa possibilidade, que a exigibilidade é atributo que o crédito pode ter com o lançamento ou mesmo a partir de momento anterior definido na lei.

            Chega-se, então, a uma inescapável conclusão: pode-se ter crédito não exigível, mas se uma prestação tributária é exigível, há crédito.


O lançamento tributário. Breves comentários

            O legislador, no Código Tributário Nacional, entregou-se à tarefa de definir lançamento, no art. 142, já anunciando as incoerências que chegarão ao apogeu no art. 150. Diz o código que lançamento é procedimento, onde deveria dizer ato administrativo. Este último pode ter vários antecedentes, mas não se torna por isso um procedimento. Essa, entretanto, é mera imprecisão terminológica.

            Obviamente, esse ato é privativo da autoridade administrativa a quem a lei atribui a fiscalização, arrecadação e lançamento do tributo, estando prevista no art. 142 do CTN. Essa privatividade do ato é ponto interessante, porque algumas tendências tentaram configurar uma figura de autolançamento.

            A tentativa de solução para o problema do art. 150, que seria o chamado autolançamento, manteria o dogma da necessidade de lançamento em todos os tributos, mas poria abaixo a premissa mais importante de ser o ato de lançamento privativo da autoridade administrativa.

            Não há autolançamento, porque é frontalmente contra o texto legal e não se mostra possível construí-lo a partir de visão sistemática. O sistema erigido pelo CTN não deixa entrever a possibilidade do contribuinte lançar tributo. Tampouco se deve compreender o autolançamento sob a ótica da espontaneidade, porque aí nem de ato de trataria. Entre a privatividade da administração para o ato de lançamento e a necessidade deste último em todos os casos, fica-se com a primeira sem que se comprometa a lógica do sistema.

            Nas modalidades de lançamento ditas por ofício da administração e por declaração do obrigado, a fazenda pública credora comunica ao sujeito passivo seu dever de pagar, quando fazê-lo e quanto deve recolher.

            São situações, aquelas do lançamento de ofício e do que se faz por declaração, que se distinguem basicamente pela quantidade de informações de que dispõe o credor. Se as possui suficientemente, lança de ofício o tributo, notificando o devedor para pagar valor certo em data certa. Se não dispõe de todos os elementos, notifica-o a partir das informações que este se vê obrigado a prestar.

            O lançamento nos casos acima é necessário, ainda que não seja exatamente aquele procedimento tendente a verificar a ocorrência do fato gerador, como quer o texto legal. Tampouco constituirá crédito contra o sujeito passivo, na medida exata de sua natureza declaratória. Conferirá exigibilidade ao crédito existente, de forma semelhante à exeqüibilidade que a inscrição em dívida ativa lhe confere.

            É, com efeito, deveras imprópria a afirmação de que o ato administrativo cria a situação jurídica da dívida ante a fazenda. O surgimento dessa situação, diga-se novamente, dá-se com a ocorrência do fato caracterizado gerador.

            O ato de lançamento não poderia obrigar – aqui em sentido amplo – o sujeito passivo da relação jurídica tributária a pagamento, porque a imposição de deveres somente cabe à lei, no nosso sistema, mormente tratando-se de patrimônio e liberdade de locomoção e expressão. Reportando-se ao enquadramento de uma situação nos moldes legais, o lançamento delimita a obrigação e a torna certa.

            A administração tributária constata que algo juridicamente relevante para implicar a obrigação de pagar certa soma ao estado ocorreu e, então, certifica essa ocorrência. Assim ocorre sempre que não for o caso de transferir todo o ônus ao sujeito passivo, conforme ocorre no caso do art. 150, eximindo-se a administração da prática de qualquer ato.

            Tudo, enfim, nitidamente declaratório, ainda que, conforme o caso, o credor tenha que cientificar o devedor da constatação que fez, do quanto deve pagar e do prazo em que deve fazê-lo.


A figura do art. 150 do CTN

            Antes de falar do chamado lançamento por homologação, convém que se dê a redação do artigo que o estabelece:

            Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

            § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.

            § 2º Não influem sobre a obrigação tributária quais quer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.

            § 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.

            § 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

            O legislador não deve ter trabalhado na feitura desse artigo com o intuito de confundir, mas confusão foi precisamente o que se obteve. Trata-se, essencialmente, de uma ficção adicionada de certos elementos de contrasenso.

            A cabeça do artigo principia a construção dizendo corretamente, sem pudores nem ambiguidades, que se trata de tributos em que a lei atribui dever ao sujeito passivo de pagar, sem qualquer atuação prévia da fazenda pública.

            Essa determinação é totalmente conforme aos parâmetros maiores contidos na Constituição Federal, porque não agride nenhuma das limitações ao poder de tributar. A lei e somente ela – em sentido formal e material – podem instituir tributo, o que é a caracterização do princípio da legalidade estrita.

            Contudo, esforçando-se por ser fiel ao dogma do lançamento constitutivo, o que estava bem configurado deturpa-se pela inserção de uma homologação da atividade do sujeito passivo, na parte final da cabeça do artigo.

            Essa atividade do sujeito passivo, a quem a lei proíbe lançar, foi o pagamento, até porque não poderá ter havido outra, nem se poderia homologar falta de pagamento. Então, com pouco esforço de interpretação, estabelece-se que o legislador pretende que a administração homologue o pagamento feito pelo devedor e que isso seja o lançamento.

            Então, mais correto seria falar-se em quitação se, de fato, acontecesse algo expresso. Com efeito, é possível afirmar que nunca se viu um ato daqueles que o CTN supõe possível. Não há mesmo ato homologatório juridicamente possível em relação desta natureza, porque de negócio sinalagmático não se trata, senão de imposição legal.

            O § 1º fala que o pagamento antecipado pelo obrigado extingue o crédito, mas insere uma suposta condição resolutória da ulterior homologação do lançamento. Pagamentos obviamente extinguem créditos, seja em âmbito de direito tributário, seja naquele do direito civil das obrigações. Há dois problemas nesse parágrafo, contudo, visíveis na antecipação e na condição de que se fala.

            Caracterizar um ato como antecipado pressupõe uma referência cronológica posterior, porque se trata de noção relativa. Ocorre que esse marco posterior em relação ao qual o pagamento se anteciparia não existe e, portanto, este pagamento não se pode qualificar de antecipado. A homologação expressa nunca se viu, porque nunca se praticou. A homologação tácita é inexistência, a despeito do esforço da codificação na sua afirmação.

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            Então, esse pagamento imposto pela lei não se antecipa a manifestações da administração tributária porque tais manifestações, ou melhor, prática de atos de acertamento, não são necessárias aqui. Paga-se tributo e extingue-se o correspondente crédito, na medida do que se pagou.

            O pagamento que se diz antecipado, nos termos do parágrafo em evidência, teria a propriedade de extinguir o crédito apenas sob condição resolutória de posterior lançamento. Condição é acontecimento futuro e eventual cuja implementação pode confirmar ou desfazer uma situação jurídica. Condição resolutória é aquela cuja implementação significa a resolução da relação jurídica, ou seja, seu aniquilamento.

            O CTN provavelmente queria falar que a homologação seria a confirmação do efeito extintivo do crédito, que tem o pagamento, não em desfazimento de alguma coisa. Mas, não foi isso que se disse, nem se pode tomar o sentido literal do dispositivo, sob pena de admissão da incoerência.

            O que acontece, purgando-se a norma de suas inconsistências lógicas, é que o pagamento não se antecipa ao lançamento, porque este inexiste, e extingue o crédito, sem quaisquer condições. Extingue na medida do que foi pago e, assim, se o pagamento for menor que o valor devido, ainda haverá crédito, que pode ser verificado e lançado de ofício em cinco anos contados do fato gerador.

            Os parágrafos 2º e 3º tentam suportar a contraditória idéia segundo a qual o pagamento extingue o crédito sem extinguir, contida no parágrafo primeiro. Por tal viés, os atos do sujeito passivo visando à extinção total ou parcial do crédito – pagamentos ou compensações, obviamente – não atingiriam a obrigação subjacente, inobstante a norma transpareça a intenção de admitir sua propriedade extintiva. A confusão é flagrante.

            O parágrafo terceiro é uma homenagem ao obscurantismo e visa a dizer que os pagamentos ou compensações, chamados eufemisticamente de atos visando a extinção, serão tomados em conta quando a administração constatar pagamentos a menor e proceder ao seu lançamento e à imposição de multas. Não poderia ser diferente, na medida em que não se poderiam desprezar pagamentos.

            Por fim, a chamada homologação por transcurso dos cinco anos de que fala o § 4º, com a inércia da administração tributária. Essa inação não ocasiona homologação alguma, mas significa a perda da oportunidade de lançar eventuais diferenças entre o que se devia e o que foi pago. Ou seja, a fazenda pública credora dispõe de cinco anos para verificar se o crédito foi totalmente pago ou se o foi a menor. Caso se verifique a diferença a menor, pode a administração tributária lançá-la de ofício.


Conclusões

            Sem muito esforço, constata-se que essa modelagem atende aos interesses da fazenda pública, na medida em que evita a necessidade de manutenção de uma estrutura fiscalizadora ainda maior que a existente. Por outro lado, essas construções normativas visando apenas às conveniências da administração tributária padecem das incoerências sistemáticas que se vêm apontando e deixam o contribuinte à mercê do fisco.

            A dinâmica dos tributos que se sujeitam à modalidade do art. 150, com fatos geradores muito freqüentes e de periodicidade certa, realmente implica que se cobrem sem lançamento, mas isso não quer dizer que o modelo foi bem desenhado. As coisas poderiam ser ditas sem disfarces, porque o sistema tributário infraconstitucional prendeu-se a dogmas desnecessários.

            Trata-se, enfim, de tributos exigidos sem lançamento, dependentes apenas da ocorrência do fato definido em lei como gerador. Os pontos adiante podem ser fixados como característicos da modalidade.

            A lei impõe ao sujeito passivo o pagamento do tributo, independentemente de qualquer manifestação da administração tributária. Há, portanto, crédito, que é o objeto da obrigação, surgida com a ocorrência do fato gerador. O pagamento é extintivo do crédito na medida do quanto foi pago.

            A administração, por seu turno, dispõe de cinco anos contados do fato gerador para verificar eventual diferença a menor e lançá-la de ofício, bem como aplicar a multa cabível. Esse é prazo do perecimento do direito de lançar diferenças de ofício, não é prazo de homologação tácita, categoria em que não se enquadra o ato de lançamento.

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Sobre o autor
Andrei Lapa de Barros Correia

procurador federal em Campina Grande (PB), lotado no órgão de arrecadação da Procuradoria Geral da Fazenda

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREIA, Andrei Lapa Barros. O lançamento tributário e a modalidade do art. 150 do CTN. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1031, 28 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8306. Acesso em: 19 abr. 2024.

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