Capa da publicação Crítica da culpabilidade: dirigibilidade normativa, inexigibilidade e coculpabilidade
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Notas para a crítica da culpabilidade:

dirigibilidade normativa, inexigibilidade e coculpabilidade

13/10/2020 às 17:30
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Fazemos uma investigação crítica do conceito de culpabilidade na teoria do fato punível, a partir das propostas de aperfeiçoamento conceitual de Claus Roxin, de Juarez Cirino dos Santos e de Eugênio Raúl Zaffaroni.

1. INTRODUÇÃO

A dogmática penal contemporânea edifica o conceito de fato punível com base nas categorias de tipo de injusto e da culpabilidade, concentrando nelas todos os elementos da definição analítica de crime. O conceito de tipo de injusto é constituído pelos conceitos de ação, de tipicidade e de antijuricidade. O conceito de culpabilidade é construído pelos conceitos de capacidade penal, de conhecimento da antijuricidade e de exigibilidade de comportamento diverso.

A importância do conceito analítico de crime está em permitir a identificação dos pressupostos de punibilidade, funcionar como critério de racionalidade da jurisprudência criminal e contribuir para a segurança jurídica do cidadão (CIRINO DOS SANTOS, 2007). Por isso, a teoria do fato punível será o ambiente geral deste estudo, na tentativa de fornecer elementos conceituais que possam contribuir para a construção um Direito Penal efetivamente democrático.

O conceito de culpabilidade é um produto inacabado de mais de um século de controvérsia sobre a sua estrutura. Entretanto, temos por certo que a investigação crítica do conceito de culpabilidade possui importância estratégica para a efetivação dos direitos fundamentais. A necessidade de um aprimoramento conceitual é evidenciada, na medida que o conceito de culpabilidade mostra-se insuficiente para realizar a tarefa para a qual foi proposto: compreender e valorar situações de anormal motivação da vontade.

Desta insuficiência conceitual decorre a urgente problematização deste trabalho: a procura por uma outra culpabilidade, um aprimoramento conceitual que conduza a uma nova forma de responsabilização penal pela transgressão da lei, mais condizente com a qualidade da vida humana (SILVA, 2008).

Não é por acaso que FRANZ VON LISZT já afirmava em 1881 que “é pelo aperfeiçoamento da teoria da culpabilidade que se mede o progresso do direito penal” (2006. p. 250). A abertura do conceito de inexigibilidade – para as condições reais de vida do povo – parece ser a alternativa capaz de contribuir para democratizar o Direito Penal, reduzindo a injusta criminalização de sujeitos já penalizados pelas condições de vida social.

2. CRÍTICA DA CULPABILIDADE INDOLENTE

A culpabilidade é o componente mais humano da teoria do delito (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2006), no qual se dá uma valoração social e jurídica do indivíduo em sua condição pessoal ante um fato típico e injusto. Diferentemente dos outros componentes do conceito de crime (ação, tipicidade e antijuricidade), que traduzem um juízo sobre o fato, a culpabilidade traduz um juízo sobre o autor do fato (BRANDÃO, 2007).

Na configuração do fato punível – uma vez verificada a ação humana, a tipicidade legal e a antijuridicidade – a terceira categoria da culpabilidade  tem ainda uma função integradora na teoria do delito, que consiste em trazer para a análise do fato punível todos aqueles elementos que se referem ao autor do delito e que, sem pertencer ao tipo de injusto, são também necessários para poder aplicar uma pena (MUÑOZ CONDE; GARCÍA ARÁN, 2004).

Reconhecer na culpabilidade o último degrau na escada de configuração do crime, o último filtro de limitação do poder punitivo Estatal, é também reconhecer a sua função política de garantia da liberdade individual.

Justamente por seu papel político, qualquer construção teórica da culpabilidade deve passar pela consciência das relações de poder na sociedade, levando em consideração, por exemplo, a dicotomia Estado de Direito / Estado Policial e as funções ocultas da ideologia do discurso penal.

Nesse sentido é a crítica segundo a qual os juristas estão perdendo contato com a sociedade e com a realidade, o que representa para a dogmática um prejuízo. Como aponta HASSEMER (2005), a dogmática jurídica pretende formular verdades absolutas com análises simplesmente teóricas.

A limitação do poder punitivo do Estado e sua violência contra os sujeitos, as condições precárias dos sistemas penitenciários e as conseqüências sociais relacionadas à questão penal, como o desemprego, o preconceito, os problemas psíquicos ou sociais pós-internação, tornaram-se fontes de preocupações para a doutrina mais atenta à realidade fática do sistema punitivo. “Pois não basta denunciar a implicação do discurso penal com as demandas políticas do poder, é preciso construir uma dogmática mais resistente aos abusos e asseguradora das garantias dos indivíduos” (CARVALHO SILVA, 2008. p. 124), o que demanda uma nova definição de culpabilidade, só que de natureza material.

Nesse sentido, a abertura do conceito de inexigibilidade – para as condições reais de vida do povo – parece ser a alternativa capaz de contribuir para democratizar o Direito Penal, reduzindo a injusta criminalização de sujeitos já penalizados pelas condições de vida social. Pois a culpabilidade, na medida em que possui uma definição de natureza formal, pautada no mito do homem de livre arbítrio, indolente às condições reais de vida e alheia às condições estruturais da criminalidade, permite a reprovação penal da vida humana mais frágil, como os mais pobres, os doentes, dissidentes políticos, os imigrantes, as mulheres os jovens e os negros.

Se é na legalidade que o Direito Penal moderno encontra sua legitimidade (BRANDÃO, 2002. p. 22), é bastante pertinente o alerta feito por ROBERTO LYRA FILHO (1997, p. 77) de que a dialética da segurança e da justiça não é tão simples assim, nem admite o endeusamento sumário da certeza do direito, para fins que, em última análise, traem o próprio objetivo de justiça.

Assim como não é suficiente o reconhecimento formal dos direitos fundamentais – anunciando-os no texto legal sem, porém, efetivá-los – também não é possível aplicação de pena a partir de um sistema puramente formal, sendo preciso desenvolver um conceito substancial que sirva como garantia individual contra o processo de criminalização (DIETER, 2008).

A identificação do chamado elemento empírico da culpabilidade é uma exigência do Estado Democrático de Direito que, exatamente por seu conteúdo democrático, não admite […] considerar um indivíduo culpado por um crime a partir de meras abstrações, sendo necessário indicar o fundamento concreto de qualquer reprovação institucional (DIETER, 2008. p. 18).

Contudo, apesar da aceitação majoritária da estrutura analítica da culpabilidade – que possui a natureza de uma definição formal – há enorme dissenso doutrinário sobre o fundamento ontológico da culpabilidade e a natureza material da sua conceituação. A crítica aponta a insegurança jurídica que pode surgir dessa abertura conceitual. Todavia, essa insegurança já existe, pois:

Enquanto permanecer a dúvida sobre o elemento empírico da culpabilidade a reprovação jurídico-penal seguirá oposta à ética material, porque o juízo oficial de reprovação do Estado contra o indivíduo seria possível pelo cumprimento de meros elementos formais, reduzindo a culpabilidade a um argumento técnico-jurídico a ser referido nas sentenças penais para viabilizar retoricamente metaregras punitivas, racionalizando as práticas de violência oficial ao invés de limitá-las (DIETER 2008. p. 21).

A falta de unanimidade e a insuficiência do conceito de culpabilidade é verificada por BRANDÃO, citando AFTALION (1952, p. 92-93):

Não se pense, contudo, que há um conceito unânime de culpabilidade. Para Aftalión, por exemplo, o conceito de culpabilidade é um conceito impotente. O autor escreve que: “Faz algum tempo que me permiti assinalar a impotência em que se encontram as mais correntes concepções acerca da culpabilidade, para dar conta das numerosas situações que se delineiam na experiência jurídica (…) (BRANDÃO, 2002, p. 29).

Trata-se assim, da procura por uma reconstrução do conceito de culpabilidade, que o torne menos impotente diante da necessidade de construir um direito penal menos seletivo, menos brutalizado, comprometido com os direitos fundamentais. Um direito Penal tão democrático quanto deve ser o Estado que o maneja.

3. A DIRIGIBILIDADE NORMATIVA EM CLAUS ROXIN

A moderna Teoria da Dirigibilidade Normativa, como primeira possibilidade de limitação do poder de punir a partir de critérios materiais, propõe uma nova estrutura conceitual para a teoria do delito a partir da reavaliação dos fins da dogmática, efetivando uma reconciliação entre “política criminal e o sistema do Direito Penal”. Claus Roxin, justamente por aproximar política criminal e sistema penal, abre caminho para que as decisões “valorativas políticos-criminais” entrem no sistema de Direito Penal sem que maculem sua fundamentação legal, clareza e previsibilidade. A ideia é construir um sistema formal, mas não afastado das demandas sociais:

Submissão ao direito e a adequação a fins político-criminais não podem contradizer-se, mas devem ser unidas numa síntese, da mesma forma que o Estado de Direito e Estado Social não são opostos inconciliáveis, mas compõem uma unidade dialética: uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de Direito material, e tampouco pode utilizar-se da denominação Estado Social um Estado planejador e providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito. (ROXIN, 2002, p. 20)

Claro que todo o discurso penal está de algum modo implicado com uma ordem de poder. Nesse sentido, a vinculação entre dogmática e política criminal deve ter como fundamento as garantias do Estado Democrático de Direito e os direitos humanos. São esses pilares que assegurariam a possibilidade de atuação democrática ao sistema penal proposto (SILVA, 2008).

Roxin busca um critério de limitação da responsabilidade penal que não ficaria exclusivamente restrito à culpabilidade do autor, mas também consideraria a necessidade ou não de pena do ponto de vista da prevenção geral e especial da pena. Para determinar a inexigibilidade, o autor parte do conceito de responsabilidade normativa, uma categoria superior que integra à culpabilidade um critério de política-criminal definido a partir da desnecessidade de aplicação de pena com fins preventivos (CIRINO DOS SANTOS, 2007).

A responsabilidade penal pressupõe não somente a culpabilidade do autor, senão, ademais, a necessidade da pena desde o ponto de vista preventivo geral e especial. A culpabilidade e a prevenção, ao contrário do que sucede, por exemplo, com a colocação de Jakobs, não se fundamenta em uma unidade, senão que se limitam reciprocamente; para Roxin, as necessidades preventivas nunca podem conduzir a imposição de uma pena a um sujeito que não é culpável. Mas a culpabilidade em si mesma tampouco pode legitimar a imposição de uma pena, se esta não é necessária do ponto de vista preventivo. (MUÑOZ CONDE, 2000, p. 13. apud GRECO, 2008, p. 393).

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4. A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO FUNDAMENTO GERAL E SUPRALEGAL DE EXCULPAÇÃO EM JUAREZ CIRINO DOS SANTOS

Nos moldes da concepção trazida pelo finalismo de Welzel, a culpabilidade é composta pelos seguintes elementos normativos: (a) imputabilidade, (b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato e (c) exigibilidade de conduta diversa. O conceito de exigibilidade de conduta diversa é muito amplo e abrange até mesmo os outros dois elementos normativos anteriormente mencionados (GRECO, 2008). A inexigibilidade não é uma causa de inculpabilidade, e sim a essência de todas as causas de inculpabilidade. Sempre que não há culpabilidade, é porque não há exigibilidade, seja qual for a causa que a exclua (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2006).

Em última análise, todas as causas de inculpabilidade são hipóteses em que não se pode exigir do autor uma conduta conforme o direito. Daí a necessidade de um maior estudo do conceito de exigibilidade e sua complexa natureza jurídica, ora como elemento da culpabilidade de construção dogmática ainda acanhada, ora como princípio geral do direito penal carecedor de maior desenvolvimento e aceitação jurídica.

A noção de inexigibilidade de comportamento diverso pode fundamentar situações de exculpação legais e supralegais, conforme previsão explícita ou implícita no ordenamento jurídico (CIRINO DOS SANTOS, 2007). A interpretação demasiadamente restritiva das fórmulas legais, a cunhagem defeituosa das mesmas e, inclusive, a falta de previsão de exculpantes necessárias e já consagradas pela doutrina, ou postuladas em trabalhos político-criminais, torna possível a concepção da inculpabilidade não limitada pelas causas de exculpação contidas expressamente nos textos legais (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2006).

Conforme o artigo 22 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940, com redação dada pela Lei nº 7.209/1984), as causas de exclusão da culpabilidade, com base na inexigibilidade, são a coação irresistível e a obediência hierárquica. JUAREZ CIRINO DOS SANTOS (2007, p. 336) aponta como situações de exculpação supralegais:

(a) O fato de consciência: Ações ou omissões típicas podem ser exculpadas pelo fundamento do exercício do direito fundamental de crença e consciência, desde que respeitados os direitos alheios por alternativa neutra ou em casos de lesão irrelevante.

(b) A provocação de situação de legítima defesa: O direito inalienável de defender a própria vida pela relativização do dever de suportar a agressão provocada.

(c) Desobediência civil: A descriminalização dos cidadãos que por razões políticas resistem ao Direito, porque o fundamento de toda ordem democrática é o exercício do poder popular, que deve ser preservado e não punido, exceto em raros casos de violência desmedida.

(d) O conflito de deveres: Impede ou abranda qualquer juízo de reprovação contra indivíduos que realizam um dever ético em situações que antagonizam deveres normativos, especialmente no cenário de países periféricos ao sistema econômico global, marcado por condições sociais adversas.

Como traço característico das causas de exculpação supralegais, a maioria delas representa “conflitos entre um dever ético, vinculado à necessidade de reprodução e desenvolvimento da vida em comunidade, e um dever normativo, estabelecido pelo ordenamento jurídico” (DIETER, 2008, p. 11).

O reconhecimento progressivo de novas situações de exculpação fundadas na anormalidade das circunstâncias do fato e, consequentemente no princípio geral da inexigibilidade de comportamento diverso, parece tornar cada vez mais difícil negar à exigibilidade a natureza geral de fundamento supralegal de exculpação, como categoria jurídica necessária ao direito positivo vigente (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p. 326).

A legislação penal brasileira, ao contrário da legislação penal alemã, não proíbe a utilização do argumento da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade (GRECO, 2008), tal posicionamento é notoriamente minoritário na Europa (BIERRENBACH, 2009). Contudo, a anormalidade das circunstâncias do fato, como fundamento da inexigibilidade de comportamento adequado ao Direito, não tem origem no discurso jurídico, mas na realidade, que se impõe e justifica o afastamento do sistema normativo (DIETER, 2008).

5. A COCULPABILIDADE EM EUGENIO RAÚL ZAFFARONI

Até que ponto é crível a identificação de pessoas livres e iguais em uma sociedade demasiadamente fragmentada entre raros detentores e muitos despossuídos de conhecimento e riqueza? Nem todos os membros desta sociedade podem usufruir da liberdade de escolher entre uma ação lícita e outra ilícita, pois abaixo de certo nível de bem-estar material e social, de educação, é simplesmente negado às pessoas a participação na sociedade como cidadãos, e muito menos como cidadãos iguais (RAWLS, 1997).

Ainda que amenizada por políticas públicas, a pobreza constitui uma bruta forma de violão dos direitos humanos, apontada como a “a principal forma de negação estrutural da vida” (DIETER, 2008, p. 165), produtora de recorrentes situações de conflito.

É a partir do questionamento desta duvidosa igualdade, pressuposto de um Direito (Penal) contratualista, liberal, formal, europeu; ao lado de um olhar mais apurado sobre a problemática estrutural da América Latina, a realidade socio-econômica do capitalismo tardio, que Zaffaroni desenvolveu a Teoria da Coculpabilidade.

A coculpabilidade é um contundente princípio de exculpação: argumenta a exclusão da culpa não pela escolha do mal menor pelo agente da conduta, mas pela falta de legitimidade de o Estado em punir pessoas cujos direitos e garantias fundamentais não são resguardados e só conhecem o direito como suas vítimas.

Não é democrático censurar um indivíduo pela violação de determinados bens jurídicos quando sua vida se desenvolve na própria negação destes bens como direitos fundamentais: o que significa o dever de respeito à propriedade alheia – estabelecido pela lei penal – como bem jurídico, para quem não tem acesso à propriedade – garantida pela Constituição – como direito fundamental? (DIETER, 2008, 166)

Dessa forma, a proposta da coculpabilidade institucional de Zaffaroni é importante como critério de “valoração compensatória da responsabilidade de indivíduos inferiorizados por condições sociais adversas” (CIRINO DOS SANTOS, 2007, p. 342). O exame da culpabilidade deve ser realizado tendo em conta a responsabilidade coletiva sobre as ações individuais, pois o juízo de exigibilidade de conduta conforme a norma, na perspectiva da coculpabilidade, confronta a sociedade, em suas contradições, para negar-lhe o poder de condenar um indivíduo.

Embora seja certo que a co-responsabilidade da sociedade organizada não pode ser generalizada como fundamento de todos os casos de conflito, sobretudo os que não tem origem em situações de vida produzidas pela desigualdade econômica e social, “a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 580).

Assim, no momento da reprovação da culpabilidade, não seria possível sobrecarregar o sujeito atribuindo-lhe as causas sociais que foram responsáveis pela redução do âmbito de autodeterminação desse sujeito condicionado (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não seria possível esgotar o tema, e nem a tanto se propõe esse trabalho, cujo objetivo é fomentar o debate sobre uma teoria do direito penal comprometida com a democracia. Procura-se, assim, contribuir para o desenvolvimento da teoria do fato punível com o estudo de conceitos dogmáticos abertos a considerar as premissas ideológicas do poder punitivo e as condições materiais da vida.

Por ser um artigo de introdução ao tema, a apresentação rápida e simplificada não permite o desenvolvimento a fundo da teoria e da crítica das três novas propostas de aprimoramento do conceito de culpabilidade consideradas: a dirigibilidade normativa, a inexigibilidade como fundamento geral e supralegal de exculpação e a coculpabilidade. De qualquer modo, é possível reconhecer o mérito dessas propostas no ambiente da dogmática penal: considerarem, no juízo de reprovabilidade – que é a essência da culpabilidade – a concreta experiência social dos réus, as oportunidades que se lhes depararam e a assistência que lhes foi ministrada pelo Estado e pela sociedade (BATISTA, 1990).

Reduzir a criminalização de sujeitos fragilizados pelas condições de vida é realizar de fato uma justiça mais justa, porque considera desigualmente sujeitos concretamente desiguais (CIRINO DOS SANTOS, 2007).

Repensar o conceito de culpabilidade é antes de tudo repensar o próprio sistema penal numa sociedade que não exerce, a partir de sua própria forma de organização, a solidariedade e a fraternidade, ou cujas práticas políticas não conheçam a experiência da tolerância e da participação. Uma problemática cara ao moderno direito penal: a culpabilidade numa sociedade, em suma, organicamente violenta e produtora de violência.


7. REFERÊNCIAS

AFTALION, Enrique. La Escola Penal Técnico-Jurídica y otros Estudios Penales. Buenos Aires: Librería Jurídica, 1952. apud BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao Direito Penal: análise do sistema penal à luz do princípio da legalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Renavan, 1990.

BIERRENBACH, Sheila. Teoria do Crime. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao Direito Penal: análise do sistema penal à luz do princípio da legalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

______. Teoria Jurídica do Crime. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A Criminologia Radical. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

______. Direito Penal: Parte Geral. Curitiba: ICPC/Lúmen Juris, 2007.

______. Teoria da Pena: fundamentos políticos e aplicação judicial. Curitiba: ICPC Lumen Júris, 2005

DIETER, Maurício Stegemann. A inexigibilidade de comportamento adequado à norma penal e as situações supralegais de exculpação. 2008. Dissertação (mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/15149>.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

HASSEMER, Winfried. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. Tradução: Pablo Rodrigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005.

LYRA FILHO, Roberto. Criminologia Dialética. Brasília: Ministério da Justiça, 1997.

MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho Penal: Parte General. Valencia (Espanha): Tirant lo blanc, 2004. apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Introdução. In: ROXIN, Claus. La evolución de la política criminal, el derecho penal y el proceso penal. Valencia (Espanha): Tirant lo blanc, 2000. apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução: Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico penal. Trad. Luiz Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

SILVA, Luana de Carvalho. O princípio da culpabilidade e a produção de sujeitos. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/14223>.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1991.

LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal Àllemão. 2 Volumes. Coleção história do direito brasileiro. Tradução de: Lehrbuch des deutschen stranfrechts, 1881. Tradução José Hygino Duarte Pereira. Brasília: Ed. fac-sim. - Senado Federal, 2006. Disponível em <https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496219>.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Volume 1: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

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Sobre o autor
Glerger Alcantara Sabiá

Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus (FDDJ, 2013). Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Federal do Tocantins (UFT, 2012). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2010). Foi Analista de Planejamento da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010-2014). Atualmente é Advogado na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e Professor de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SABIÁ, Glerger Alcantara. Notas para a crítica da culpabilidade:: dirigibilidade normativa, inexigibilidade e coculpabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6313, 13 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83649. Acesso em: 2 nov. 2024.

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