Capa da publicação Smart Fit: covid-19 e cancelamento presencial de matrículas
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Smart Fit: ilegalidade na exigência presencial para cancelamento das matrículas "descongeladas" nos municípios com flexibilização das restrições por força da pandemia

02/07/2020 às 20:14
Leia nesta página:

O ordenamento jurídico garante ao consumidor o cancelamento de sua matrícula, à distância, dispensando-se o comparecimento às unidades da empresa.

O desespero dos comerciantes e prestadores de serviços tem sido demonstrado pela ansiedade no retorno precoce de suas atividades, o que é até compreensível.

Contudo, empresas como a Smart Fit têm se valido de meios duvidosos para minimizar suas perdas por meio da manutenção involuntária de seus contratos, valendo-se da ignorância daqueles que acreditam que quaisquer cláusulas exibidas estariam aptas a obrigá-los a sujeitarem-se a seus caprichos, ou em proveito do perfil consumidor "preguiçoso" - que fará de tudo para evitar o "trabalho", dispêndio de tempo, para vencer as dificuldades criadas para efetivamente rescindir o contrato.

Em cidades como Rio de Janeiro, a Smart Fit enviou comunicado, aos clientes, festejando o "retorno das atividades", amparados pelo Decreto Rio nº 47.282 (decreto municipal), informando que, a partir da data da abertura da unidade associada ao cliente, a cobrança mensal seria automaticamente "descongelada", ou seja, retomada. Contudo, para cancelar o plano, a Smart Fit exige o comparecimento físico do cliente a uma de suas unidades, admitindo o cancelamento à distância apenas quando a contratação foi feita da mesma forma - no prazo de 7 dias, para arrependimento, previsto no Código de Defesa do Consumidor.

Isso seria legal (indaga-se o consumidor)? Asseveramos que não. Vejamos.

À luz da interpretação do Direito Civil Constitucional, não há qualquer finalidade prática de tal exigência senão a de atrair o desequilíbrio à relação contratual, sendo certo que a imposição em comento busca apenas dificultar o cancelamento da prestação de serviços, em desrespeito à dignidade da pessoa humana do consumidor, restringindo sua liberdade de escolha e impondo-lhe o ônus de deslocar-se à unidade (academia) para efetivamente cancelar a sua matrícula, ou sujeitar-se ao assédio de ser convencido a desistir.

Os motivos que influenciaram o consumidor a decidir pela rescisão do contrato estarão necessariamente restritos a:

  1. Falta de recursos financeiros face ao contexto de pandemia.

  2. O desejo, íntimo e particular, de não se expor ao risco de contágio.

  3. Mudança de planos por qualquer outra razão em virtude dos recentes acontecimentos.

Portanto, foge à razoabilidade exigir a presença física do consumidor que manifesta o desejo de não mais frequentar a academia em razão do receio de exposição ao vírus, ainda que assim deseje por deferentes motivos ensejados pela pandemia, o que, em ambos os casos, além da violação de garantias constitucionais como direito à vida (saúde), consiste em ônus excessivamente criado e oposto exclusivamente ao consumidor por força de contrato de adesão. Neste sentido, são diversos os dispositivos legais violados pelas empresas que adotem o mesmo tipo de posicionamento. Veja-se:

Art. 607. O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes. Termina, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contrato mediante aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do contrato, motivada por força maior.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Até a data e horário da publicação, o contrato de adesão aos planos da Smart Fit exibia a seguinte cláusula:

Cancelamento: Você poderá solicitar cancelamento a qualquer momento, em qualquer unidade Smart Fit, sem cobrança de multa, mediante assinatura de requerimento disponível nas unidades, com antecedência mínima de 30 dias da próxima cobrança. Se contratar pela internet, também poderá solicitar cancelamento sem multa em até 7 dias da data da adesão. Atraso superior a 30 dias no pagamento de qualquer obrigação contratual, ou três atrasos num mesmo período de vigência do plano, consecutivos ou não, mesmo que inferiores a 30 dias, poderão acarretar o cancelamento do contrato, a critério da Smart Fit. Em caso de descumprimento de outras obrigações, tanto você como a Smart Fit poderão rescindir o contrato imediatamente

A cláusula supramencionada é nula, contrária ao ordenamento jurídico, e inconstitucional, portanto antijurídica.

Por isso, deve ser assegurado ao consumidor o cancelamento por meio da mera notícia à Smart Fit, por e-mail ou qualquer meio de comunicação que possa ser comprovado, sendo vedada a exigência de comparecimento presencial às unidades (academias) da empresa.

Nesse contexto, observa-se um consumidor que cede a caprichos ilegalmente impostos, que por vezes permanece na relação jurídica contra sua vontade real, dirigindo-se ao estabelecimento comercial (ou até se esquecendo disto) ou sujeitando-se ao contato forçado com o fornecedor, expondo-se a táticas de convencimento que serão empreendidas por funcionários ávidos por comissões e orientados por metas, muitas vezes injustas e ameaçadoras, contra um consumidor que é literalmente assediado e compelido a "não cancelar", em descompasso com sua declaração de vontade e com a finalidade perseguida pelo contrato firmado entre as partes - que ganha vida própria a partir da união das declarações plurilaterais das partes, e que deverá ser interpretado à luz do ordenamento jurídico, subordinando-se a uma leitura constitucional.

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Sobre o autor
Carlos Joseph

Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM. Bacharelando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Atuou no gabinete da Promotoria do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro do II Tribunal do Júri da Capital (2010 a 2012) e Juizados Especiais Criminais (JECRIM).

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