SUMÁRIO: 1. Abrangência da compra e venda no direito brasileiro; 2. Compra e venda civil e mercantil e a relação de consumo; 3. Transformações; 4. Objeto da prestação do vendedor: a coisa; 5. Objeto da prestação do comprador: o preço; 6. Deveres do Vendedor e do Comprador; 7. Efeitos do contrato de compra e venda e transmissão da propriedade; 8. Validade e eficácia do contrato de compra e venda; 9. Compra e venda internacional; 10. A matéria nos tribunais
1.Abrangência da compra e venda no direito brasileiro
A compra e venda é o contrato bilateral, oneroso e consensual mediante o qual o vendedor assume a obrigação de transferir bem ou coisa alienável e de valor econômico ao comprador, que por sua vez assume a obrigação de pagar o preço determinado ou determinável em dinheiro. A coisa pode ser corpórea ou incorpórea. É o mais importante dos contratos típicos e o mais utilizado pelas pessoas em seu cotidiano.
No direito brasileiro, o contrato por si só não gera a transmissão do domínio do bem ou da coisa, mas o direito e o dever de realizá-la. Por isso, o artigo 481 do Código Civil brasileiro não diz, como o art. 1470 do Código Civil italiano, que o contrato de venda tenha "por objeto a transferência da propriedade de uma coisa". O objeto da obrigação do vendedor é a prestação de dar a coisa e o do comprador a prestação de dar o preço. Nesse sentido, o contrato de compra e venda é meramente consensual, pois a transmissão do domínio ou da propriedade depende de modos específicos, dele decorrentes mas autônomos (registro do título, para os bens imóveis – art. 1.245; tradição, para os bens móveis – art. 1.267, ambos do Código Civil).
O contrato de compra e venda é negócio jurídico bilateral, por excelência, pois resulta de duas manifestações de vontades distintas, ainda que correspectivas. Na tradição brasileira (e portuguesa) a expressão utilizada é ampla, ou seja, "compra e venda", que vem do direito romano, ressaltando a bilateralidade obrigacional, diferentemente de outros países que restringem a denominação a contrato de venda (direito francês, direito italiano) ou a contrato de compra (direito alemão, direito inglês). A Convenção de Viena (1980) adotou a denominação Contrato de Venda de Mercadorias.
Normalmente, a compra e venda corresponde a um contrato de execução instantânea, quando a prestação do comprador sucede à do vendedor, no mesmo instante, mas pode assumir características de contrato de execução duradora (continuada ou diferida). A execução é continuada em contratos de fornecimento (água, luz, gaz), pois a prestação de dar o preço é correspondente ao consumo realizado em cada período medido. É diferida quando o preço determinado é dividido em várias prestações.
O contrato de fornecimento contínuo de coisas é espécie do gênero compra e venda [01], no direito brasileiro, situação que não se modificou com o advento do Código Civil de 2002. O contrato de fornecimento pode ser aberto quanto ao objeto e, sobretudo, quanto à quantidade do que se vai fornecer. Considera-se devido o que seja necessário, no momento do consumo, em quantidade e qualidade. O preço é correspondente ao que efetivamente foi consumido pelo comprador e às alterações decorrentes de mudanças de qualidade, de aplicação de índices de atualização monetária ou de outras circunstâncias que tenham previsão no contrato. Não se considera compra e venda os contratos de fornecimento de serviços. Considera-se compra e venda de coisas genéricas o contrato de fornecimento de coisas fungíveis com prestações sucessivas ou periódicas.
Do artigo sob comento dessumem os elementos essenciais da compra e venda que têm atravessado as vicissitudes históricas: a coisa, o preço e o consentimento.
2. Compra e venda civil e mercantil e a relação de consumo
O Código Civil de 2002, ao revogar a Primeira Parte do Código Comercial, suprimiu as distinções legais entre os contratos de compra e venda civil e de compra e venda mercantil, unificando-os segundo o modelo do primeiro. As diferenças legislativas sempre foram objeto de críticas de parcela crescente da doutrina. No que respeita ao contrato de compra e venda não se justificava que houvesse tal clivagem, privilegiando a relação contratual em que figurasse o comerciante [02]. Não há razão de fundo para diferenças substanciais nos contratos de compra e venda entre pessoas físicas, entre empresas (pessoas jurídicas ou não) e entre empresas e pessoas físicas. Os figurantes são sempre o vendedor e o comprador.
Por ser o contrato mais importante no mercado de consumo, a compra e venda em que são partes a empresa vendedora e um adquirente destinatário final fica sujeita à incidência da legislação de defesa do consumidor, principalmente do Código respectivo. Nessa circunstância, a relação contratual convola-se em contrato de consumo e os figurantes convertem-se em fornecedor e consumidor. Assim, o antigo contrato de compra e venda mercantil, quando o comprador era consumidor, subsumiu-se no contrato de consumo, cujas normas de regência são preferenciais, uma vez que especiais. Do mesmo modo, quando a empresa mercantil for compradora e destinatária final do produto - ou seja, quando a aquisição deste não tiver finalidade de revenda – será também considerada consumidora e protegida pela legislação especial. O art. 2º da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (CDC), considera consumidor toda pessoa física ou jurídica, ou coletividade de pessoa, que adquire produto como destinatário final.
A evolução do direito brasileiro aponta para a tutela preferencial do comprador, máxime quando assume a posição de consumidor, invertendo a proteção que se conferia ao vendedor nos Códigos Civil de 1916 e Comercial, marcados por valores de acentuados individualismo e liberalismo econômico, típicos do constitucionalismo liberal do século XIX, de progresso a qualquer custo.
3. Transformações
O contrato de compra e venda origina-se da organização das sociedades e do advento da moeda ou do dinheiro. Antes, em todas as civilizações, prevaleceu a troca, a permuta ou o escambo. Constitui sinal de evolução dos povos e de simplificação da circulação e aquisição das coisas que cada pessoa necessita para viver ou deseja ter. Na medida em que cresceu a compra e venda reduziu-se a importância da troca.
No direito romano antigo, as formas, as fórmulas empregadas e a tradição eram mais importantes que o consentimento. Na mancipatio, o comprador segurava o bem com as mãos, perante testemunhas e o porta-balança, pronunciava a fórmula e batia na balança com o pedaço do cobre. Depois (provavelmente no século II), sobretudo com o jus gentium, em virtude da necessidade crescente dos negócios com outros povos que não entendiam as formas complexas dos romanos, estes passaram a admitir contratos constituídos pelo simples consentimento das partes, notadamente a compra e venda, a locação, o mandato e a sociedade [03]. No sistema romano, que apenas reconhecia situações jurídicas que fossem dotadas de ação, foram concedidas a actio ex vendito para o vendedor e a actio ex empto para o comprador, assegurando-se a paridade de armas. O esquema obrigacional romano do contrato de compra e venda exerceu forte influência que perdura até hoje, inclusive no direito brasileiro.
Na sociedade hodierna, a economia baseia-se na compra e venda, que "apanha desde os negócios jurídicos de esquina, ou de rua (vendedores ambulantes e estacionários) até os que têm por objeto patrimônios" [04], além das relações impessoais com utilização de máquinas ou da Internet.
A evolução mais sensível reside no enquadramento da compra e venda em legislações especiais voltadas à realização de valores e princípios constitucionais, que se têm amplificado no Estado regulador, principalmente as voltadas ao direito do consumidor, ao direito da concorrência e ao abuso do poder econômico. A necessidade de defender o consumidor, alçada a princípio fundamental conformador do direito infraconstitucional, introduziu a temática das cláusulas abusivas e das eficácias pré e pós-contratual, delimitando o campo de abrangência das normas comuns, estabelecidas no Código Civil, relativamente ao contrato de compra e venda, que passam a ter função supletiva.
O contrato de compra e venda foi profundamente afetado pelo fenômeno da massificação contratual, com a adoção inevitável das condições gerais dos contratos, que funcionam como regulação contratual privada predisposta pelo vendedor-fornecedor à totalidade dos compradores aderentes, com características de generalidade, uniformidade, abstração e inalterabilidade [05]. A esse respeito, os artigos 423 e 424 do Código Civil de 2002 estabeleceram regras gerais de tutela dos aderentes submetidos a contratos de adesão a condições gerais, inclusive pessoas jurídicas, que não possam ser considerados consumidores, isto é, quando não estejam inseridos em relação de consumo. As condições gerais dos contratos são fruto da fase pós-industrial, da passagem do sistema de economia concorrencial para o sistema de concentração de capital, do poder empresarial e da massificação das relações sociais. A globalização econômica aprofundou o fenômeno.
Quando a venda decorrer de um contrato de adesão e houver incompatibilidade entre as condições gerais nele predispostas e as normas de caráter dispositivo ou supletivo previstas nos artigos 481 a 532 do Código Civil, estas preferem àquelas. Os contratos típicos, como a compra e venda, recebem do ordenamento jurídico uma regulamentação particular, que utiliza normas cogentes e, principalmente, normas dispositivas. As normas dispositivas configuram modelos valorados pelo legislador e podem ser substituídas apenas por preceitos oriundos de efetivo acordo das partes que resolverem regulamentar seus interesses de maneira diferente. Não podem ser afastadas, todavia, pela predisposição unilateral de condições gerais, desfavorecendo o poder contratual vulnerável do aderente.
4. Objeto da prestação do vendedor: a coisa
O artigo 481 do Código Civil refere-se à "certa coisa" e ao preço. O artigo 482 alude a objeto e preço. Ambos os termos (coisa e objeto) têm idêntico significado na lei, remetendo ao objeto da prestação do vendedor. Em princípio, a coisa há de ser própria do vendedor, ainda que a coisa alheia não impeça a conclusão do contrato, dado seu caráter meramente obrigacional.
No direito do consumidor, incluindo a compra e venda decorrente de relação de consumo, o termo "coisa" foi substituído por "produto", significando "qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial" (art. 3º, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor). Para o Código Civil alemão (art. 90) coisas são apenas os objetos corporais ou materiais. No Código Civil brasileiro, como se vê no artigo sob comento, o termo coisa é usado para o contrato de compra e venda sem restrição aos objetos materiais, conforme se vê no Livro II da Parte Geral, que, por sua vez, mantém a tradição do termo "bens". Para os fins destes comentários empregar-se-á o termo coisa, para utilidade da exposição.
A coisa, corpórea ou incorpórea, deve ser juridicamente alienável, mediante contrato de compra e venda. A inalienabilidade pode resultar de convenção, mas as hipóteses mais comuns são decorrentes da lei, que geram nulidade (exemplo: art. 497 do Código Civil) ou anulabilidade (exemplo: art. 496 do Código civil). Leis especiais proíbem que certos bens sejam objeto de compra e venda.
A Constituição Federal estabelece restrições à compra e venda de certas coisas imóveis quando há relevante interesse público. O art. 49, XVII, condiciona à prévia autorização do Congresso Nacional a alienação de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares. O art. 189 onera com inalienabilidade temporária os imóveis distribuídos pela reforma agrária. O art. 190 determina que a lei regulará e limitará a aquisição de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional. A Lei n. 5.709, de 7 de outubro de 1971 limita em cinqüenta módulos rurais, em área contínua ou descontínua, para as pessoas físicas estrangeiras. O art. 231 da Constituição considera inalienáveis as terras ocupadas pelos índios.
A compra e venda nem sempre tem por objeto coisas corpóreas, bens materiais, como casa, computador, pão, máquina, ainda que sejam os mais freqüentes. Ela é suscetível, e isso é um progresso do direito, de ter por objeto um bem imaterial, intangível. Entre eles, têm-se os direitos intelectuais, cujos contratos recebem regência de legislação especial, a exemplo da Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que prevê para transferência dos direitos patrimoniais de autor os contratos de licenciamento, concessão e cessão, este muito próximo do contrato de compra e venda. O Código Civil disciplina a cessão de créditos, nos arts. 286 a 298, e a cessão de direitos hereditários, nos arts. 1.793 a 1.795. Os bens incorpóreos são transferidos a terceiros mediante contrapartida financeira, o que os aproximam da compra e venda, que deve ser o contrato utilizado toda a vez que outro análogo não seja definido expressamente em lei especial.
A coisa pode ser específica, quando se determina precisamente o objeto que se vende, ou genérica, quando se alude a quantidades ou gêneros de coisas sem precisar quais (ex.: tantas caixas de cerveja, sem dizer de que tipo; tantos lotes de terreno loteado, sem dizer qual deles). Em qualquer hipótese, o artigo sob comento impõe que seja coisa "certa", o que se entende como determinada ou determinável.
Tendo em vista que o contrato de compra e venda é meramente consensual e obrigacional, não tendo efeito real ou de transmissão direta da propriedade, a coisa referida no artigo sob comento pode ser alheia, isto é, o vendedor pode obrigar-se a transferir o que não está em seu domínio ou em sua posse. O contrato é válido pois os objetos de cada obrigação estão presentes (prestação de dar a coisa e prestação de dar o preço). Se o vendedor não cumpre o prometido resolve-se com o inadimplemento e suas conseqüências. Pontes de Miranda [06] esclarece que a compra e venda de bem alheio é eficaz apenas entre o vendedor e o comprador. O que importa é que o contrato se conclui e produz seus efeitos obrigacionais sem se indagar se a coisa é própria ou alheia.
Pode ocorrer que o vendedor tenha a posse mas não o domínio ou vice-versa. Em tais casos a venda de coisa alheia refere-se apenas ao que não está sob sua titularidade.
Se o vendedor promete vender o bem se vier a adquiri-lo do terceiro, então ter-se-á promessa de compra e venda e não mais contrato de compra e venda. A prestação não é mais a de dar a coisa mas a de fazer o contrato definitivo quando adquirir a coisa.
A obrigação de entregar a coisa pode ser legitimamente suspensa em virtude da exceção do contrato não cumprido, quando estiverem preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 476 do Código Civil, ou seja, em razão do inadimplemento da obrigação de pagar o preço pelo comprador, de acordo com o que as partes tiverem ajustado. De modo geral, a prestação do vendedor antecede à do comprador.
Quando a coisa não for precisa mas estiver relacionada a quantidade, o contrato tem de especificar o peso ou a medida. Se foi omisso ou pouco claro, prevalece o que determinem os usos e costumes do lugar em que deva ser cumprido, inclusive quanto a pesos bruto e líquido, a embalagens e a critérios de medição, que nem sempre observam o sistema métrico decimal. As expressões "aproximadamente" ou "cerca de" deixam o vendedor com larga margem para atendê-las.
5. Objeto da prestação do comprador: o preço
Do mesmo modo como fez quanto à coisa, a lei impõe o requisito da certeza para o preço, significando que deve ser determinado, ou ao menos determinável por terceiro e ainda por taxa de mercado, índices, parâmetros e outros critérios de fixação. Não pode ser incerto. Preço determinado é o que não necessita de qualquer critério para posterior determinação. No caso da venda a prestações, a correção monetária prevista não afeta a certeza, pois não é plus mas atualização do valor, como têm decidido os tribunais, não ferindo o princípio nominalístico adotado no Brasil.
Sem preço, em dinheiro, ainda que determinável, não há compra e venda; há outro contrato, principalmente troca. Todavia, tem admitido a doutrina que não desfigura a compra e venda se parte menor do preço for realizada mediante dação de coisa em pagamento. Se não há condições de se dizer qual o valor maior (dinheiro ou coisa dada em pagamento) entende-se que se trata de contrato misto.
A doutrina tem discutido se ainda se trataria de compra e venda a contraprestação em dinheiro acrescida de serviços ou de créditos. Entendemos que sim, desde que a parte maior seja em dinheiro.
A expressão "preço em dinheiro" diz respeito à moeda de curso legal, quando se tratar de compra e venda nacional. Na compra e venda internacional é admitido o preço em moeda estrangeira, conforme prevê o art. 2º do Decreto-Lei n. 857, de 11 de setembro de 1969, relativamente a importação ou exportação de mercadorias e aos contratos de compra e venda de câmbio em geral. A Lei n. 10.191, de 14 de fevereiro de 2001, que dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real, estabelece que as estipulações de pagamento de quaisquer obrigações pecuniárias exeqüíveis no território nacional deverão ser feitas em Real, pelo seu valor nominal. Salvo quanto à ressalva já referida, não mais se admite o pagamento do preço em contrato de compra e venda com ouro ou moedas estrangeiras, sob pena de nulidade da cláusula que o fixar.
O Código Civil reintroduziu a lesão como defeito do negócio jurídico em geral (art. 157). Sua maior incidência é no âmbito da compra e venda, ocorrendo quando o vendedor, em virtude de premente necessidade ou de inexperiência, concorda com preço que se caracteriza como manifestamente desproporcional ao valor real ou de mercado da coisa vendida. A conseqüência é a anulabilidade do contrato que pode ser pleiteada pelo vendedor, no prazo de quatro anos contados da data em que se realizou o negócio jurídico. As duas hipóteses (necessidade e inexperiência) serão apuradas, caso a caso, segundo o princípio da razoabilidade, pois o Código evitou a quantificação do valor excedente, que presumia a lesão, como estabeleciam as Ordenações Filipinas [07].
O preço não pode ser flagrantemente irrisório, para que não esconda uma doação simulada. Essa hipótese gera ausência de elemento essencial ao contrato de compra e venda. Todavia, salvo no caso de lesão, não se exige o preço justo, pois depende da livre apreciação subjetiva dos contratantes, na compra e venda comum. Quando o contrato de compra e venda resultar de relação de consumo, o preço não pode consistir em "prestações desproporcionais" ou em violação ao "justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes" (arts. 6º, V, e 51 do Código de Defesa do Consumidor), o que leva à modificação das cláusulas respectivas ou à nulidade por serem consideradas abusivas.
O preço não é totalmente livre. O Estado social caracteriza-se pela limitação da atividade econômica (ordem econômica e social), independentemente das etapas e vicissitudes por que vem passando, de provedor ou de bem-estar social para predominantemente regulador. A intervenção nas relações econômicas privadas é de sua natureza, para realização dos princípios adotados na Constituição (art. 170). Assim, os preços nos contratos de compra e venda podem estar eventualmente limitados ou fixados pelo Poder Público, reduzindo-se a autonomia dos particulares.
O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 93.066-3/PR [08], entendeu que não há contrato de compra e venda quando o preço for pago em retenção de parte das árvores extraídas pelo comprador do imóvel do vendedor (este reservou para si, quinze centímetros, em cada metro cúbico, livres de quaisquer despesas). A falta de determinação do preço e de seu pagamento em dinheiro fez com que o contrato não contivesse "os requisitos exigidos na lei para caracterização de um contrato de compra e venda". O credor hipotecário do vendedor ingressou com ação de cobrança, tendo sido penhorado o imóvel. Houve embargos de terceiro, opostos pelo comprador das árvores, objetivando liberar da penhora "flora vegetal", sob alegação de ter sido celebrado o contrato antes da escritura da hipoteca. O Tribunal de Justiça do Paraná fundou-se na falta de registro público e de requisito do preço. O primeiro fundamento é equivocado pois as árvores quando são identificadas para corte constituem bens móveis, não sendo exigido o registro público, neste caso não se aplicando a regra de aderência do acessório ao principal. Se o preço em dinheiro tivesse sido determinado a venda teria sido perfeita pois o Supremo Tribunal Federal tem entendimento assim firmado (RTJ 35/466): "Tratando-se de coisa móvel, a venda se completa com o pagamento do preço e a sinalização das árvores compradas, não havendo necessidade do registro do instrumento contratual. A venda efetuada antes do compromisso de compra e venda das terras deve ser respeitada pelo compromissário comprador".