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O fato consumado e o ônus da sucumbência

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10/05/2006 às 00:00
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Sumário: 1.Introdução. 2. Teoria do fato consumado e o julgamento por fato novo superveniente. 2.1 Julgamento por fato novo superveniente. Relatividade da estabilização da demanda. 2.2 O fato consumado como espécie de fato novo superveniente. 3. Principais teorias informadoras da responsabilidade processual pelas despesas do processo. 3.1 A teoria da sucumbência. 3.2 A teoria da causalidade. 3.3 O princípio da causalidade no direito brasileiro. 4. Reflexos do fato consumado no ônus da sucumbência: aplicação do princípio da causalidade. 5. O debate judicial. 6. Conclusão. 7. Referências.


1. INTRODUÇÃO

            O presente artigo constitui uma adaptação da monografia apresentada no Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direito Processual Civil, ministrado pelas Faculdades Jorge Amado em Salvador-BA.

            O tema escolhido foi fruto de experiência prática vivida no exercício da advocacia. E escrever sobre algo que acontece no dia-a-dia da praxe forense sempre é mais proveitoso e prazeroso. Foi advogando para uma Universidade tradicional de Salvador que o tema veio à tona.

            Nos anos de 1998 e 1999, houve, na Bahia, o chamado escândalo das transferências ex officio, fato por demais noticiado à época nos jornais de grande circulação, quando centenas de estudantes foram transferidos ilegalmente através de liminares concedidas pelo Poder Judiciário, de Instituições de Ensino localizadas em outros Estados para esta Universidade em Salvador.

            A maioria desses processos somente começou a ser julgada definitivamente a partir do ano de 2004 e, por conta do lapso temporal e conseqüente conclusão de curso desses alunos, tiveram seus pedidos julgados procedentes com base na teoria do fato consumado, tradicionalmente prestigiada pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, especialmente, no âmbito educacional, onde se encontra a sua maior aplicação.

            Ocorre que, não bastasse o mal-estar causado pelo julgamento procedente destes processos, já que na maioria dos casos a invocação da teoria do fato consumado era utilizada para validar, em sentenças, as atividades ilegais protegidas por liminares, a Universidade ainda era condenada no ônus da sucumbência, já que ficava ‘’vencida’’ nos feitos.

            Diante dessa situação, começou-se a recorrer quanto a este capítulo específico da sentença (condenação no ônus da sucumbência) e, felizmente, pode-se hoje dizer que, estatisticamente, a Universidade obteve êxito em seus recursos.

            Portanto, visa o presente artigo a fazer uma análise dogmática sobre o julgamento com base na teoria do fato consumado que, diga-se de passagem, não deixa de ser um julgamento por fato novo superveniente (art. 462 do Código de Processo Civil [01]), e o seu reflexo no ônus da sucumbência.

            Poderia o leitor questionar sobre a atualidade do tema. Com efeito, a última alteração legislativa na matéria das despesas e das multas processuais (Capítulo II, Seção III, do CPC) ocorreu em 1994 (Lei 8.952/1994), ao passo que o art. 462 do CPC, que regula o julgamento por fato novo - direito superveniente, teve sua redação determinada pela Lei 5.925/1973.

            No entanto, o tema é por demais atualizado, fato comprovado com a publicação, em 22.11.2004, do Enunciado nº 303 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ‘’Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios’’ [02], consagrando, naquela Corte, o princípio da causalidade como regra de responsabilidade dos encargos processuais.

            Ademais, pôde-se constatar que a jurisprudência continua vacilando sobre a matéria, o que será demonstrado no capítulo específico do debate judicial.

            Tem, assim, o presente artigo cunho eminentemente prático, servindo aos advogados, magistrados e demais operadores do direito, sem deixar de lado, contudo, o seu aspecto teórico como embasamento jurídico da experiência vivida.


2. TEORIA DO FATO CONSUMADO E O JULGAMENTO POR FATO NOVO SUPERVENIENTE

            Segundo relata Odim Brandão Ferreira [03], a teoria do fato consumado nasceu em alguns julgados do Supremo Tribunal Federal - STF da década de 1960. Naquela época, várias ações questionavam a possibilidade de regimentos internos de universidades exigirem de seus alunos ‘’nota cinco’’ para aprovação, até o STF editar o Enunciado da Súmula 58: ‘’é válida a exigência de média superior a quatro para a aprovação em estabelecimento de ensino superior, consoante o respectivo regimento’’. [04]

            Entretanto, a edição da referida súmula não resolvia os casos dos estudantes que obtinham liminares, ingressando em faculdades ou cursando disciplinas acadêmicas sob o pálio dessas decisões provisórias.

            Diante disso, originou-se a teoria do fato consumado, com o STF chancelando os estudos realizados com base em provimentos cautelares ilegais, sob o pretexto inicial de dúvida objetiva sobre a validade dos regimentos universitários ou até mesmo eqüidade.

            É por isso que o fato consumado nada mais é do que ‘’o argumento judicial utilizado para validar, em sentenças, as atividades ilegais protegidas por liminares, tão-somente porque o beneficiário delas já praticou o ato que lhe interessava, quando chegado o momento de decidir a causa’’ [05]. E a principal causa do fato consumado é, como bem identifica a Desembargadora Federal Marga Inge Barth [06], ‘’a criticada e combatida ‘lentidão do Judiciário’ que enseja a ocorrência da consumação dos fatos, quase sempre à revelia da lei’’.

            Seguindo à sua origem, a educação sempre foi a ‘’menina dos olhos’’ do fato consumado, o que se revela ainda mais preocupante, dado que a própria ordem constitucional vigente [07] traz como exceção a intervenção do Poder Judiciário nessa matéria. Contudo, a admissão do fato consumado tem se alastrado para outras áreas [08] também.

            Atualmente, cinco são os fundamentos apontados pela jurisprudência brasileira a justificar a invocação do fato consumado:

            (...) a) ausência da interposição de recurso voluntário contra as sentenças que reconhecem a situação de fato consolidada; b) segurança jurídica; c) prejudicialidade, pelo provimento cautelar, do pedido contido no processo principal; d) ponderação entre o dano e o sucesso hipotético do autor; e e) equidade. [09]

            Não se vai fazer aqui uma análise crítica [10] dos fundamentos que justificam a utilização de uma teoria que permite que o Judiciário tutele uma situação jurídica contrária ao Direito, posto que sem dúvidas estar-se-ia fugindo do tema deste artigo.

            Mas a teoria do fato consumado não parece ser mais uma orientação absoluta. Já existem julgados, tanto do STF quanto do STJ [11], repudiando o fato consumado. Marga Inge Barth [12] cita em sua obra voto vencido do Ministro Aliomar Baleeiro, que reproduz contundente pensamento sobre a mencionada teoria:

            Sr. Presidente, é possível que meu voto esteja influenciado pela observação de mais de vinte anos de professor, vinte anos durante os quais muito desses mandados de segurança foram concedidos aos piores estudantes da Faculdade. Vai, aqui, uma reminiscência. Meu avô costumava dizer uma frase, quando era menino, que me ficou até hoje: ‘’como eles se formam eu sei, como eles aprenderam a ler é que fico admirado’’. De modo que é possível que isso perturbe o meu espírito, neste momento. Porém, com a devida vênia dos eminentes ministros que votaram da maneira que acabamos de ouvir, rejeito os embargos. Não posso admitir que transponhamos para o direito aquilo que, no meu tempo de político, ouvi muitas vezes ser defendido, o fait accompli – o fato consumado. Ninguém pode tirar proveito do erro do juiz, sobretudo rapazes que não se empenharam em cumprir seus deveres e vão servir mal à sociedade durante a vida.

            Mas o que importa, no presente capítulo, é destacar que o julgamento com base na teoria do fato consumado é uma modalidade de julgamento por fato novo superveniente, com peculiaridades próprias.

            Antes, contudo, de esmiuçar esse preceito, cumpre trazer algumas noções sobre o que seja o julgamento por fato novo superveniente previsto no art. 462 do CPC, dispositivo que constitui exceção ao princípio da estabilidade da demanda.

            2.1 JULGAMENTO POR FATO NOVO SUPERVENIENTE. RELATIVIDADE DA ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA

            O art. 462 do CPC Pátrio admite que o juiz considere no momento de proferir a sentença o chamado fato e direito superveniente, ao preceituar que

            Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.

            Já cantava o saudoso Cazuza que ‘’o tempo não pára’’. Tal realidade, cantada às prosas pelo poeta, não está afeta ao processo, que também se sujeita aos efeitos de fatos supervenientes. E o art. 462 do CPC permite expressamente que isso aconteça.

            Chamado de ‘’norma revolucionária’’ por Araken de Assis, [13] e exaltado por Galeno Lacerda [14] como o dispositivo que ‘’rasga horizontes tão vastos e surpreendentes, que a doutrina, temerosa de aventurar-se em mundo novo e desconhecido, se encolhe acanhada e vacilante’’, o art. 462 do CPC constitui uma exceção ao princípio da estabilidade da demanda prevista no art. 264 e seu parágrafo único do mesmo diploma legal.

            O princípio da estabilidade da demanda consiste na regra de que, após a citação válida do réu, é vedado ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir sem o seu consentimento, conforme estabelece o caput do art. 264, ao tempo em que o seu parágrafo único veda, definitivamente, qualquer alteração em qualquer hipótese após o saneamento do processo.

            Aliado ao princípio da estabilidade da demanda, encontra-se o princípio da eventualidade ou da concentração da defesa na contestação, que veda ao réu depois da contestação deduzir novas alegações, salvo nas hipóteses previstas nos incisos do art. 303 do CPC, dentre elas, quando ‘’relativas a direito superveniente’’ (inciso I do art. 303 do CPC).

            Mas, como bem advertiu o prof. Araken de Assis, [15]

            É enganosa a exclusiva faculdade de o réu alegar o direito superveniente, segundo consta do há pouco mencionado art. 303, I. Na verdade, ela é bilateral. Também beneficia o autor. Resulta do art. 462 autorização ao juiz para considerar, de ofício ou a requerimento da parte – portanto, através da alegação do autor -, além de fatos modificativos ou extintivos, o fato constitutivo. O ‘fato constitutivo’ mencionado é o que compete ao autor alegar na inicial (art. 282, III), vale dizer, as causas de pedir ativa e passiva.

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            Portanto, a alegação de fato novo superveniente constitui exceção aos princípios da estabilidade da demanda e da eventualidade ou concentração da defesa na contestação, podendo, conseqüentemente, ser utilizada tanto pelo autor quanto pelo réu, sem prejuízo do reconhecimento de-ofício pelo magistrado. Nesse sentido, o prof. Galeno Lacerda [16] salienta:

            Como quer que seja, a tese, transformada em lei e adotada pelo direito brasileiro, de modo ainda mais abrangente do que o português, abala e subverte velhos princípios, como o do efeito consumptivo da litis contestatio, em sua rígida imutabilidade formal. Se não há mudança no pedido, há sem dúvida modificação entre os fatos anteriores e os posteriores à inicial e à contestação, transformação que deve, por lei, ser considerada.

            Assim, a ‘’norma revolucionária’’ do art. 462 do CPC permite que se tenha uma decisão judicial conforme o estado de fato da lide no momento do encerramento da discussão da causa. O referido dispositivo, nas exatas palavras de Sérgio Gilberto Porto, [17]

            (...) tem por objetivo permitir, exatamente, que a decisão corresponda o mais possível à situação existente no momento do encerramento da discussão, levando em conta o fato jurídico relevante, surgido no curso do processo e que faz nascer nova compreensão em torno da relação deduzida.

            Novamente, o prof. Galeno Lacerda: [18]

            O processo deixa de ater-se a um momento estático no tempo, para afeiçoar-se, ao contrário, ao dinamismo e à fluência da vida, a fim de, com olhos voltados à economia das partes e à necessidade de eliminar-se o litígio com presteza, aproveitar o já instaurado para fazer justiça ulterior ao momento inicial.

            Não obstante à sua previsão no art. 462 do CPC, o referido princípio encontra guarida no princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, no sentido de que esta deve ser exercida conforme a relação jurídica estabelecida ao tempo do conflito intersubjetivo de interesses.

            O referido dispositivo também encontra sua justificativa no princípio da economia processual, já que, ignorando o magistrado o fato superveniente para não acolher a demanda do Autor, este apenas ficaria motivado a intentar outra ação. Por muitas vezes, a admissão de fatos supervenientes no processo decorre da própria ordem natural das coisas.

            Se há alguma tônica na atendibilidade dos fatos supervenientes, reside ela no princípio da economia. Tangente aos fatos surgidos após a propositura da demanda, outorgando razão ao autor, a valor da economia se afigura patente, porquanto o eventual desacolhimento do pedido, nesta contingência, apenas constrangeria a parte intentar a ação, outra vez, perdendo tempo e gerando mais despesas, para si e para a administração da justiça. Em outros casos, a recepção é imperativo da natureza das coisas, se encontra in rerum natura: a morte da mulher, no curso da ação de separação por ela movida, implica a automática dissolução da sociedade conjugal, pois rompe o vínculo matrimonial e, por decorrência inevitável, a respectiva ação se mostra intransmissível. [19]

            O fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito deve ser superveniente, o que, segundo Pontes de Miranda [20], ‘’supõe a posterioridade da ocorrência e não o ter sido omitida pela parte, por ignorância ou por desatenção a alusão ao fato’’.

            È por isso que o STJ já decidiu que não é superveniente ‘’a circunstância já existente, ainda que só apurada no curso do processo’’. [21] Essa é a distinção do fato velho, mas de conhecimento novo, que só se justifica quando alegada e provada a força maior, como bem frisou o prof. Araken de Assis [22].

            Quanto ao momento, embora o art. 462 se refira expressamente que será o fato superveniente levado em consideração quando o juiz for proferir a ‘’sentença’’, não se deve dar uma interpretação literal ao referido dispositivo. Pendente a lide de uma decisão final, poderá o fato superveniente ser alegado ou conhecido de-ofício a qualquer tempo e em qualquer fase do processo, inclusive na segunda instância, sobretudo por força do disposto no art. 517 do CPC. [23]

            Não parece correta, contudo, a restrição que faz Sérgio Gilberto Porto [24] quanto a abrangência do art. 462, ao

            (...) registrar que a proposta brasileira em torno da incidência de fato superveniente está vinculada ao mérito da causa, eis que claramente a norma enuncia que devem ser levados em conta os fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito. Quando a norma refere-se ao direito, evidentemente, está se referindo ao direito material alegado. Portanto, restringe sua área de disciplina ao mérito da causa; por decorrência, afasta a possibilidade de incidência quando se trata, por exemplo, de pressupostos processuais ou condições da ação.

            Com a devida vênia ao entendimento do ilustre autor, parece claro, ante até os casos práticos identificados, [25] que o art. 462 também se aplica aos pressupostos processuais e as condições da ação. Quanto a esta última categoria, alguns entendem que o interesse processual é usualmente afetado quando o julgamento leva em conta o chamado ‘’fato consumado’’, conforme se observará no capítulo seguinte.

            Por fim, não se pode deixar de registrar a contundente observação do prof. Araken de Assis [26] quando afirma que a autorização do juiz conhecer de-ofício o fato superveniente previsto pelo art. 462 não significa que o órgão judiciário deverá surpreender as partes no julgamento. Com efeito, feita a alegação do fato superveniente por uma das partes interessada, ‘’impõe-se a observância do contraditório, colhendo o juiz a manifestação da parte contrária e, se for o caso, admitindo a sua prova’’.

            A oportunidade do contraditório influi diretamente nos recursos cabíveis contra o capítulo da sentença relativo ao ônus da sucumbência, nos julgamentos com base na teoria do fato consumado, o que será objeto de análise no capítulo do debate judicial.

            2.2 O FATO CONSUMADO COMO ESPÉCIE DE FATO NOVO SUPERVENIENTE

            Conforme se disse, no início deste capítulo, o julgamento com base na teoria do fato consumado é uma modalidade de julgamento por fato novo superveniente.

            A peculiaridade do fato consumado é que o direito superveniente não surge de um fato estranho ao processo, provocado exclusivamente por uma das partes ou por um evento natural. O fato consumado é criado pelo próprio Poder Judiciário, geralmente por causa de uma situação jurídica decorrente de uma decisão judicial provisória, como em liminares ou mesmo sentenças sujeitas a recurso.

            Outra característica importante do fato consumado é que ele só se justifica para manter a ilicitude da decisão liminar. Isto porque em inúmeros julgados o argumento do fato consumado é utilizado para reforçar a procedência de uma ação onde, no entendimento do julgador, também, existe o direito invocado pelo autor.

            Mas este não é o verdadeiro fato consumado, no seu conceito clássico de ‘’argumento judicial utilizado para validar, em sentenças, as atividades ilegais protegidas por liminares’’ [27]. Naqueles casos, ‘’a invocação da situação de fato consolidada não faz sentido: quem já tem a legalidade a seu favor não precisa de argumento adicional para obter a vitória’’ [28].

            Essa característica é fundamental quando se chegar ao tema central deste artigo: o fato consumado e o seu reflexo no ônus da sucumbência.

            Sendo o fato consumado uma espécie de julgamento por fato superveniente, resta saber se ele seria constitutivo, modificativo ou extintivo do direito.

            Na conceituação de Moacir Amaral Santos [29], ‘’fatos constitutivos têm a eficácia de constituir a relação litigiosa; os extintivos acarretam a extinção dessa relação; os modificativos lhe dão nova feição’’.

            Parece que o fato consumado não tem o condão de ‘’constituir’’ o direito, uma vez que ele é justamente a manutenção de uma situação contrária ao direito. Com efeito, o tempo não tem o poder de constituir um direito que não existe, salvo nas hipóteses legais expressamente previstas [30], o que não é o caso.

            Esse entendimento já foi esboçado no Supremo Tribunal Federal [31], quando em julgamento se afirmou:

            Ora, admitir – como por vezes tem feito esta Corte – que se mantenham as situações de fato consolidadas no tempo por atraso da prestação jurisdicional não implica sustentar (o que este Tribunal jamais fez) que há direito adquirido à preservação de quaisquer de fato que, por qualquer motivo, se prolongaram no tempo. Para que haja direito adquirido se faz necessária a existência de um direito, o que, nesses casos, não ocorre a toda evidência. (grifos nossos).

            O fato extintivo do direito vem sendo utilizado como fundamento do julgamento pelo fato consumado. Com efeito, consumada pelo tempo a tutela obtida liminarmente, desaparece a necessidade da prestação jurisdicional e do próprio direito.

            É o que a praxe forense convencionou de chamar de ‘’perda do objeto’’ do processo ou que este restou ‘’prejudicado’’. Já se decidiu no STJ [32] que ‘’perdendo o objeto a impetração impõe-se a extinção do processo’’, à luz do art. 462 do CPC, ‘’uma vez que a prestação jurisdicional há de compor a lide como a mesma se apresenta no momento da entrega’’.

            Como se disse, no tópico precedente, não seria tecnicamente incoerente com as premissas dessa teoria dizer que, nestes casos, há uma perda superveniente do interesse processual, sob o fundamento de que o fato consumado traz como conseqüência o desaparecimento da necessidade da prestação jurisdicional. Com esse entendimento vem decidindo os tribunais, conforme se observa na seguinte ementa:

            O interesse do autor deve existir no momento em que a decisão é proferida. A regra do art. 462 do CPC não se dirige apenas ao juiz de primeiro grau, mas também ao do Tribunal, quando o fato novo é superveniente à sentença. Processo que se julga prejudicado, por perda de objeto e superveniente desaparecimento do interesse de agir do autor. [33]

            Todavia, ousa-se discordar do prof. Araken de Assis [34] quando afirma que diante do fato novo superveniente extintivo do direito, como no fato consumado, torna-se ‘’sem relevo prático a decisão do juiz, transformada, doravante, em resposta a simples problema teórico’’.

            Nesse passo, a análise do mérito, pelo juiz, ainda que superficialmente, faz-se necessária ao menos para que se decida quanto ao capítulo da sentença relativo ao ônus da sucumbência.

            Em certos casos, portanto, embora cessada a matéria da contenda, deixando a ação de ter objeto quanto ao mérito, de modo que uma declaração do direito não mais seria possível, ainda assim, o processo ‘continua’ até o fim, para uma decisão a respeito das despesas; e se proverá, então, reconstituindo-se a sucumbência a que seria conduzida qualquer das partes, se acaso o direito não se extinguisse. [35]

            De qualquer maneira, o magistrado deverá analisar em cada caso se é possível ignorar a análise do mérito, ante a simples ocorrência da consolidação no tempo de situação protegida pela decisão judicial provisória. Muitas vezes, entender que a causa está prejudicada ‘’consistirá em refinada denegação de justiça’’. [36]

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Sobre o autor
Daniel Martins Felzemburg

Procurador Federal, atualmente exercendo a chefia da Procuradoria Federal Especializada do INCRA no Estado do Tocantins. Graduado em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS (2003). Especialista em Direito Processual Civil pelas Faculdades Jorge Amado (2005), em Salvador-BA. Sócio honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil desde 2006. Pós-graduando Lato Sensu em Direito Público pela Universidade de Brasília - UNB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELZEMBURG, Daniel Martins. O fato consumado e o ônus da sucumbência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1043, 10 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8378. Acesso em: 2 nov. 2024.

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