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O poder regulamentar

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SUMÁRIO: 1 O PODER REGULAMENTAR. 1.2 REGULAMENTO. 2 NATUREZA DA ATIVIDADE REGULAMENTAR. 3 FUNDAMENTOS. 4 O REGULAMENTO E A LEI. 5 O REGULAMENTO ANTE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 7 LIMITES. 9.1 LIMITAÇÕES FORMAIS. 9.1.1 Autoridade Competente. 9.1.2 Veículo de Edição. 9.1.3 Publicação do Decreto. 9.2 LIMITAÇÕES MATERIAIS. 9.2.1 Ausência de Matéria Tipicamente Regulamentar. 9.2.2 Leis que Podem Ser Regulamentadas. 11 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


1 PODER REGULAMENTAR

Consoante assevera Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, "[...] para a boa aplicação da lei, nas relações entre o Estado-poder e terceiros, surgiu a necessidade do Executivo regulamentá-la, estabelecendo as regras orgânicas e processuais para a sua execução, através de regulamentos executivos". [01]

Destarte, conforme dispõe o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, compete ao chefe do Poder Executivo expedir decretos e regulamentos para fiel execução das leis.

Para Diógenes Gasparini, poder regulamentar consiste na "atribuição privativa do chefe do Poder Executivo para, mediante decreto, expedir atos normativos, chamados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la". [02]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera que o poder regulamentar insere-se

Como uma das formas pelas quais se expressa a função normativa do Poder Executivo. Pode ser definido como o que cabe ao chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios, de editar normas complementares à lei, para sua fiel execução. [03]

A competência regulamentar caracteriza-se, primeiramente, por ser uma função típica, ou seja, intrínseca ao Poder Executivo, já que, dentre a idéia de execução das leis, está incluída a regulamentação dos referidos ditames normativos. Sobre o tema, Vanessa Vieira de Mello afirma que "[...] a competência regulamentar constitui função típica do Poder Executivo, por inserir-se no poder normativo, inerente ao detentor da chefia de referido poder". Prossegue a autora asseverando que "[...] a execução das leis constitui matéria inerente ao Poder Executivo, estando o dever de regulamentá-las nele inserto. Por essa razão, não há que se falar em atipicidade da função em comento". [04]

O poder regulamentar é outorgado aos Chefes do Poder Executivo nas três esferas governamentais, ou seja, ao Presidente da República, aos Governadores e aos Prefeitos.

Trata-se de competência privativa do chefe do Poder Executivo, sendo indelegável a qualquer de seus subordinados, consoante determina o parágrafo único do art. 84, da Constituição Federal.

Para Clèmerson Merlin Clève, o poder regulamentar consiste em atividade normativa secundária exercida pelo Poder Executivo. Segundo o autor, o mecanismo mais relevante através do qual a Administração Pública exerce a atividade normativa secundária [05], consiste no poder regulamentar, conferido constitucionalmente ao Presidente da República.Entretanto, a atividade normativa secundária do Poder Executivo não se limita à edição de regulamentos. A Administração Pública, através de suas autoridades, edita uma série de outros atos normativos, como, por exemplo, as instruções, as circulares, os regimentos, as ordens de serviço e os estatutos. [06]

Observa-se, assim, além da influência que o Poder Executivo exerce na produção dos atos normativos primários (emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções), manifesta, igualmente, atividade normativa secundária, ao editar regulamentos, contribuindo para a formação do ordenamento jurídico.

1.2 REGULAMENTO

Inicialmente, cumpre salientar que não existe um conceito universalmente válido e preciso para a espécie normativa em questão. Geraldo Ataliba afirma que "[...] todas as contribuições do direito comparado são inservíveis, porque essa competência em cada Estado é regulada de um modo; em cada contexto tem uma dimensão". [07]

No mesmo sentido, manifesta-se Celso Antônio Bandeira de Mello:

Ao contrário do que se poderia supor, regulamento não é um nomen juris que isola com precisão uma categoria de atos uniformes. Antes – e pelo contrário –, é um designativo que, em diferentes países e em diferentes épocas, tem servido para recobrir atos de virtualidades jurídicas distintas e nem sempre oriundos de fonte normativa equivalente. [08]

Diante disso, o jurista aponta que o elemento comum para identificar o regulamento é apenas o caráter geral e normalmente abstrato que possuem, além de não serem expedidos pelo órgão encarregado da edição das leis, mas sim pelo Poder Executivo, no exercício de uma das suas funções normativas secundárias. O autor concebe o regulamento como sendo um

Ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública. [09]

Na definição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, "[...] os regulamentos são regras jurídicas gerais, abstratas, impessoais, em desenvolvimento da lei, referentes à organização e ação do Estado, enquanto poder público [...]". [10]

José Joaquim Gomes Canotilho, por sua vez, assinala que "o regulamento é uma norma emanada pela Administração no exercício da função administrativa e, regra geral, com caráter executivo e/ ou complementar da lei [...]". [11]

A Constituição Federal prevê a edição de regulamentos apenas e tão somente como garantia a fiel execução da lei. Desta forma, o regulamento destina-se apenas a esclarecer os dispositivos legalmente previstos, através de normas complementares à lei, garantindo, assim, a sua fiel execução. Isso porque a lei deve estabelecer regras gerais, não podendo prever todas as situações que por ela serão abrangidas. Destarte, a lei não prevê os pormenores nem especifica sua forma de aplicação, tarefa esta deixada a encargo do regulamento.

Dentro desse panorama, tem-se o regulamento como o ato emanado privativamente pelo Chefe do Poder Executivo, sendo indelegável a qualquer subordinado, cuja finalidade é explicar a lei para sua correta execução.

Através dele, instituem-se regras de execução – e não de legislação –desenvolvendo os comandos legislativos, estabelecendo as regras e as providências necessárias ao fiel cumprimento e aplicação da lei.

Percebe-se, assim, que a edição de regulamentos pressupõe a prévia existência de lei, dependente de ulteriores especificações para a sua correta aplicação pelos órgãos administrativos. Nesse sentido, infere-se que o regulamento é ato subordinado e dependente de lei, características estas impostas pelo princípio da legalidade. Convém assinalar, ainda, consoante lição de Hely Lopes Meirelles, que o regulamento é ato explicativo ou supletivo da lei e inferior a ela.

Destarte, percebe-se que, da forma como a Lei Maior o concebeu, em nosso ordenamento jurídico só existem os regulamentos conhecidos no direito estrangeiro como regulamentos executivos [12], isto é, aqueles destinados à fiel execução da lei.

Importa salientar que o princípio da legalidade impõe a obrigatoriedade de lei para criar, extinguir ou modificar um direito, inexistindo, desta forma, a figura do regulamento autônomo em nosso ordenamento jurídico. Daí que, consoante assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, "[...] em nosso sistema, de direito, a função do regulamento é muito modesta". [13]


2 NATUREZA DA ATIVIDADE REGULAMENTAR

Apoiando-se na lição de Diógenes Gasparini, podemos dizer que a natureza da atividade regulamentar é originária. Isto porque executar os comandos legais é função inerente ao Poder Executivo, e, para isso ser possível, é necessário o desenvolvimento dos preceitos legais, função esta atribuída constitucionalmente ao Executivo. Por este motivo, afirma o autor, que mesmo na ausência de disposição legal ou constitucional, essa atribuição é do Poder Executivo, porque decorre de sua própria função.

Corroborando com este entendimento, Eros Roberto Grau afirma que a função normativa regulamentar é própria do Poder Executivo, sendo que "essa atribuição [regulamentar] conferida ao Executivo pelo Legislativo consubstancia permissão para o exercício de função que é própria do Executivo [...]". [14]

No mesmo sentido manifesta-se Anna Cândida da Cunha Ferraz, ao afirmar que nos sistemas presidencialistas que consagram o princípio da separação de poderes, a atribuição regulamentar é inerente às funções do Poder Executivo. Se ao Poder Legislativo cumpre editar as leis, ao Executivo cumpre executá-las. "É essa a missão precípua do Poder Executivo no quadro institucional da separação de poderes. Destarte, o ‘poder regulamentar’ não deriva de delegação legislativa; não é o Poder Legislativo que o dá ao Poder Executivo". [15]

Vanessa Viera de Mello também entende a natureza da atividade regulamentar como sendo uma atribuição originária, de caráter constitucional, a qual traz em seu cerne a competência discricionária da Administração Pública. Destarte, decorre da possibilidade do Executivo editar normas gerais complementares lei, visando sua correta execução. Entende que "[...] a discricionariedade está na dinâmica da competência, na maneira de se executar a lei, de dar aplicabilidade à norma". [16] Assim, para a autora, é nesse sentido que a competência regulamentar se insere no direito brasileiro.

Concordamos com os entendimentos acima transcritos, entendendo que o poder regulamentar consiste em função típica do Poder Executivo, pois, já que a ele incumbe a função de executar os comandos legalmente previstos, a ele também caberá a tarefa de detalhar e explicitar os mandamentos legais cuja aplicação lhe incumba.

Ademais, o Poder Executivo é titular de competência normativa, isto é, possui o poder de expedir atos administrativos normativos de caráter geral e, normalmente, abstratos. Ou seja, ao expedir regulamentos, o Poder Executivo utiliza-se de um dos instrumentos – o poder normativo – que lhe são constitucionalmente atribuídos para o melhor desempenho da atividade administrativa. Através do regulamento, são instituídas regras de execução – e não de legislação – desenvolvendo os comandos legislativos, dispondo as regras e providências necessárias ao fiel cumprimento e aplicação da lei.


3 FUNDAMENTOS

Atualmente a doutrina concorda que o fundamento constitucional – normativo – da atribuição regulamentar encontra-se no artigo 84, inciso IV, da Lei Maior.

Contudo, alguns doutrinadores apontam outros fundamentos para justificar a competência outorgada ao chefe do Poder Executivo para editar normas complementares à lei.

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Diógenes Gasparini entende que o poder regulamentar possui, também, fundamentos políticos, que residem na conveniência e oportunidade conferida ao Poder Executivo, para disciplinar os comandos legalmente previstos, visando dispor internamente sobre a estrutura da Administração ou pormenorizando o conteúdo de determinadas matérias. Destarte, o exercício da atribuição regulamentar é assegurado ao chefe do Executivo, mesmo que nada disponha o ordenamento jurídico acerca desta competência.

Anna Cândida da Cunha Ferraz aponta a existência de mais dois fundamentos nos sistemas que consagram o princípio da separação de poderes: um político-constitucional, decorrente da concepção da tripartição de poderes [17], e um constitucional, derivado da expressa outorga constitucional desta atribuição. Desta forma, a autora também entende que o exercício da atribuição regulamentar independe de expressa outorga do Poder Legislativo. [18]

Entretanto, cumpre averiguar o que abstratamente justifica a atribuição de um poder tão importante ao chefe do Poder Executivo.

Primeiramente, importa assinalar que a execução e a aplicação de determinadas leis exigem a atuação por parte do Poder Executivo, sem, entretanto, determinar pormenorizadamente a maneira exata de sua atuação. Surge, assim, a necessidade da interferência do Executivo em ditas leis – que demandem sua atuação e que dependam de posteriores precisões – expedindo normas complementares às elas, dispondo o modo através do qual a lei deverá ser cumprida.

Tais normas são suscitadas como condição ao fiel cumprimento dos dispositivos legais e ao alcance de seus objetivos. Nelas, será especificada a forma de atuação da Administração, tanto nas questões relativas ao procedimento a ser adotado, quanto na determinação dos critérios a serem utilizados como base ao cumprimento da lei. Na lição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, o regulamento deve conter "[...] regras orgânicas e processuais destinadas a pôr em execução os princípios institucionais estabelecidos por lei, ou para desenvolver os preceitos constantes de lei, expressos ou implícitos, dentro da órbita por ela circunscrita [...]". [19]

Com efeito, ao regulamentar a lei, o chefe do Executivo impõe regras de conduta correspondentes aos critérios administrativos a serem observados, necessariamente, pelos órgãos e pelos servidores da Administração na aplicação da lei aos casos concretos.

Destarte, no exercício de seu poder hierárquico, o chefe do Executivo restringe os possíveis comportamentos de seus subordinados e indica a maneira de atuação dos órgãos e agentes administrativos, os quais, em virtude dos critérios por ele eleitos, passam a proceder uniformemente, tanto no aspecto material quanto no aspecto procedimental.

Fato este que se revela de suma importância diante do princípio da igualdade, consagrado no artigo 5º, da Lei Maior. Isso porque, na ausência de padrões administrativos a serem seguidos, uma mesma lei poderia ser aplicada de diversas maneiras pela Administração, posto que a atuação de cada órgão se daria segundo critérios próprios e buscando a execução da lei de acordo com seus entendimentos e interpretações, acabando por gerar um tratamento desigual aos administrados diante de situações idênticas, violando, assim, o princípio da igualdade. Donde Celso Antonio Bandeira de Mello assevera uma razão importantíssima que suscita a edição de regulamentos: "[...] a necessidade de tratar uniformemente os indivíduos, em nome do princípio da igualdade". [20]

Destarte, considerando que diversas leis deixam uma certa margem de liberdade – discricionariedade – para a posterior regulamentação pelo Executivo, a finalidade precípua do regulamento é justamente limitar, discricionariamente, a atuação dos agentes administrativos, garantindo que todos os administrados sejam tratados igualmente.

Diante de tudo o que foi dito, pode-se concluir que o princípio da igualdade, consagrado no artigo 5º, da Constituição Federal, revela-se como um fundamento importantíssimo da atribuição regulamentar, pois é através dele que o chefe do Executivo uniformiza os comandos previstos em leis, assegurando que todos os administrados sejam tratados da mesma maneira, garantindo o princípio da igualdade.


4 O REGULAMENTO E A LEI

Os regulamentos, atos administrativos normativos [21], têm em comum com a lei o fato de emanarem normas, ou seja, atos gerais e abstratos. Além disso, ambos são expedidos no exercício da competência normativa, definida por Marçal Justen Filho como "o poder de produzir normas de conduta, em virtude da qual são gerados comandos destinados a regular a conduta intersubjetiva". [22] A despeito de estabelecerem normas dotadas de abstração e generalidade, os regulamentos diferem substancialmente das leis. Vejamos.

As leis são elaboradas pelo Poder Legislativo, de acordo com processo específico previsto constitucionalmente: o processo legislativo, definido por Alexandre de Moraes como o "[...] conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção das leis e atos normativos que derivam da diretamente da própria Constituição". [23]

Os regulamentos, por sua vez, são editados privativamente pelo chefe do Poder Executivo, de acordo com o inciso IV, do art. 84, da Carta Magna. Ressalta-se, novamente, que os regulamentos não traduzem emanação da função legislativa, uma vez que se trata de atribuição privativa do chefe do Poder Executivo.

Embora ambos sejam normas, apenas a lei – ato normativo originário – tem o condão de inovar originariamente no ordenamento jurídico, revelando-se, assim, como uma fonte primária do direito. Já o regulamento não altera a lei, apenas a desenvolve e a explica, revelando-se como uma fonte secundária do Direito. Conforma destaca Geraldo Ataliba, "a lei tem cunho inaugural, inovador – e o regulamento é ato menor, inferior, de aplicação. É ato secundário e, pois, meramente administrativo". [24] Diógenes Gasparini, citado por Clèmerson Merlin Clève, critica essa concepção, afirmando que "[...] não apenas a lei, mas inclusive o regulamento inova a ordem jurídica. E deve, afinal, inová-la ‘sob pena de repetir a lei e se tornar inútil’". [25] Clèmerson Merlin Clève pondera as duas posições, afirmando que apenas a lei inova originariamente na ordem jurídica, criando direitos e obrigações e restringindo a liberdade e a propriedade dos administrados, enquanto o regulamento inova de forma derivada e subordinada, sem a autonomia da lei. [26]

Sobre o tema, Lúcia Valle Figueiredo afirma que

É forte a doutrina, e mesmo a jurisprudência, no sentido de não admitir que a Administração possa sem lei impor obrigações ou restringir direitos. Nessa acepção encontram-se os constitucionalistas e administrativistas Celso Antônio Bandeira de Mello, o nosso saudoso Geraldo Ataliba, José Afonso da Silva, Michel Temer, Sérgio de Andréa Ferreira, Paulo Bonavides, dentre outros. [27]

No mesmo sentido manifesta-se Oswaldo Aranha de Mello, ao afirmar que

[...] Não cabe aos regulamentos, por iniciativa própria e sem texto legal, prescrever penas, seja qual for a espécie; estabelecer restrições à igualdade, à liberdade e à propriedade ou alterações ao estado das pessoas, prever tributos ou encargos de qualquer natureza, que repercutam sobre o patrimônio das pessoas de direito; dar organização administrativa às repartições governamentais, através da criação de cargos e prescrição de novas competências. [28]

Convém assinalar, entretanto, que os regulamentos criam direitos e obrigações, mas apenas e tão-somente para os subordinados hierárquicos do chefe do Poder Executivo, editor do ato normativo. "Pelo regulamento ele expede ordens a todos os seus subordinados. Os precípuos destinatários dos regulamentos são os subordinados do editor, que sobre eles tem poder hierárquico". [29] Dentro desse contexto, o regulamento revela-se inovador, pode criar obrigações e deveres para os subordinados do chefe do Poder Executivo e para os órgãos sujeitos à sua tutela, tendo sempre em mira o fiel cumprimento da lei.

Indiretamente, porém, os particulares podem ser atingidos pelos preceitos regulamentares quando, em virtude da lei, devam tratar com os servidores públicos sujeitos aos comandos regulamentares. [30]

A despeito de estabelecerem – os regulamentos – normas dotadas de abstração e generalidade, não são leis em sentido formal, visto que estas são elaboradas pelo Poder Legislativo. Entretanto, são considerados leis em sentido material, ou seja, "[...] provimentos executivos com conteúdo de lei, com matéria de lei. Esses atos, por serem gerais e abstratos, têm a mesma normatividade da lei e a ela se equiparam para fins de controle judicial". [31] Destarte, Diógenes Gasparini afirma que, por serem leis em sentido material, os regulamentos observam o mesmo – ou quase o mesmo – regime da lei, no que tange à técnica legislativa, à vigência, à publicação, à nulidade, à revogação, à referenda ministerial e a vacatio. Observa, ainda, que as disposições da Lei Complementar Federal nº 95/98 (conforme determina o seu art. 1º, parágrafo único) aplicam-se, no que couber, aos regulamentos. [32]

Não sendo lei em sentido formal, não pode o regulamento criar direito novo, em obediência ao inciso II do art. 5º, da Constituição Federal, que estabelece que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Assim, o princípio da legalidade impede que o administrador imponha qualquer restrição ou obrigação senão em virtude de lei, considerando que esta reflete a expressão da vontade geral.

De todo o exposto neste tópico, pode-se dizer que a primeira distinção que pode ser feita entre a lei e o regulamento diz respeito à origem, sendo este emanado pelo Poder Executivo e aquela pelo Poder Legislativo. Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "por seu conteúdo, portanto, identifica-se com a lei, da qual difere basicamente pela proveniência, já que aquela é ato típico do legislador e ele é um ato de administração". [33]

Outra distinção revela-se na posição da supremacia da lei sobre o regulamento, fazendo com que este não possa contrariar a lei, firmando, assim, seu caráter subordinado em relação a ela. Sendo inferior à lei, o regulamento não pode contrariá-la nem ir além do que ela permite, não pode impor obrigações que esta não preveja, destinando-se apenas a indicar os meios necessários para o cumprimento das obrigações impostas pela lei. A esse respeito, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello assevera que:

Formalmente, o regulamento subordina-se à lei, pois nela se apóia como texto anterior, para a sua execução, seja quanto a sua aplicação, seja quanto à efetivação das diretrizes por ela traçadas na habilitação legislativa. Sujeita-se, então, o regulamento à lei, como regra jurídica normativa superior, colocada acima dele, que rege as suas atividades, e ser por ele inatingível, pois não pode se opor a ela. [34]

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Sobre a autora
Lívia Marcela Benício Ribeiro

advogada especialista em direito processual civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Lívia Marcela Benício. O poder regulamentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1064, 31 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8431. Acesso em: 19 abr. 2024.

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