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Inoportuna instituição do ITCMD progressivo

01/08/2020 às 14:00
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Por que enquanto outros países adiantados, ao menor sinal de recessão econômica, promovem imediatamente a redução da carga tributária, o Brasil faz exatamente o inverso?

O tradicional imposto sobre transmissão de bens imóveis e de direitos reais sobre bens imóveis, que ora vinha sendo inserido na competência tributária dos Estados, ora na competência impositiva dos Municípios, sofreu uma cisão na Constituição de 1988.

A transmissão de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis por ato inter vivo e a título oneroso (ITBI) ficou destinado aos Municípios. E a transmissão causa mortis desses bens ficou deferida aos Estados. Só que o lobby de governadores junto ao Congresso Constituinte resultou na inclusão da doação de quaisquer bens e direitos no bojo desse imposto, dando origem ao atual ITCMD.

O ITBI tem a sua alíquota livremente fixada pelo legislador municipal que pode, se quiser, estabelecer tributação progressiva.

Contudo, sob o argumento de que imposto de natureza real não comporta graduação segundo a capacidade contributiva, o STF declarou a inconstitucionalidade da tributação progressiva do ITBI instituída pelo art. 10 da Lei nº 11.154/91 do Município de São Paulo (RE nº 234.105/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 31-3-2000). Posteriormente, foi editada a Súmula nº 656 do STF nos seguintes termos: “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel”.

O equívoco é manifesto. Quem adquire um imóvel de maior valor expressa, sem dúvida alguma, capacidade contributiva maior do que aquele que adquire um imóvel de menor valor. A tributação progressiva fundada no valor venal do imóvel ajusta-se ao preceito programático do § 1º, do art. 145 da CF. O caráter real ou pessoal do imposto nada tem a ver com a capacidade contributiva, pois a obrigação tributária é sempre de natureza pessoal. Quem paga o imposto é a pessoa, física ou jurídica.

O que o STF, na verdade, visou com a declaração de inconstitucionalidade do ITBI progressivo foi a derrubada da inusitada alíquota de 6% que tradicionalmente vinha sendo estabelecida em 2%. Tivessem as alíquotas variado de 0,20%, 0,50%, 1,%, 1,5% e 2%, certamente o resultado do julgamento teria sido outro.

Tanto isso é verdadeiro que o STF reconheceu a constitucionalidade de tributação progressiva do ITCMD que tem a mesma natureza do ITBI (RE nº 562045/RS, Re. Min. Ricardo Lewandowski, em sede de repercussão geral, DJe de 13-2-2013).

O ITCMD tem a sua alíquota fixada tradicionalmente em 4%. A Constituição de 1988 delegou ao Senado a faculdade de fixar a sua alíquota máxima. A Resolução Senatorial de nº 9, de 5-5-1992 fixou a alíquota máxima desse imposto em 8%. Há pressões de governadores para elevar o teto de tributação desse imposto para 15%.

Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo está tramitando o PL nº 250/2020, que dobra a alíquota do ITCMD, a pretexto de que o combate ao coranavírus requer maiores receitas tributárias. A brutal majoração foi mitigada pela instituição de faixas de tributação segundo o valor venal dos bens transmitidos causa mortis ou por doação. As alíquotas variam de 4% até 8% em função do valor da herança ou da doação.

Um exame à luz do princípio da razoabilidade levaria à ação legislativa no sentido inverso, isto é, aliviar a carga tributária em momento de crise econômica como a que estamos atravessando em função da pandemia.

A solução está na seleção de gastos qualitativos que requer o exercício da inteligência e muita vontade política.

A exacerbação da carga tributária do ITCMD incidente apenas sobre a transmissão causa mortis, no pós pandemia, até pode ser justificável, porque esse imposto tem caráter redistributivo do patrimônio formado, sem concurso efetivo dos herdeiros. No Japão, esse imposto chega a ter alíquota superior a 50%, objetivando a desconcentração da riqueza.

O grande problema é que a inclusão da doação de quaisquer bens e direitos inviabiliza o exercício da extrafiscalidade por meio do ITCMD. A doação, como se sabe, por não trazer qualquer benefício ao doador, mas apenas ao donatário, deve ser estimulada para atingir o ideal de uma sociedade justa e solidária.

Em momentos de crise como a que estamos vivenciando é absolutamente contraproducente aumentar o peso da tributação sobre as doações. Inúmeras pessoas e instituições privadas estão fazendo doações de dinheiro, de alimentos, de produtos médicos-hospitalares. Certamente, as doações em dinheiro, bem como a doação in natura prosseguirão no período pós pandemia para socorrer a população reduzida a condições de extrema pobreza, em função da pandemia que impediu o trabalho por longo tempo.

Se retirar mais riquezas de quem está com a capacidade contributiva esgotada vai acabar agravando a sua situação, podendo até importar na supressão de sua atividade laborativa a refletir na diminuição da produção nacional, e, por conseguinte, na redução de receita tributária.

Não é por acaso que outros países adiantados ao menor sinal de recessão econômica promovem imediatamente a redução da carga tributária.

Será que os nossos legisladores não sabem disso? Provavelmente o sabem, mas querem aumentar a carga tributária, porque querem conservar, ou até mesmo elevar, as suas vantagens pessoais, mesmo enquanto a sociedade está sofrendo com a doença e com a diminuição de suas rendas.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Inoportuna instituição do ITCMD progressivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6240, 1 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84382. Acesso em: 2 nov. 2024.

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