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Bolsas de estudo concedidas a filhos de empregados: salário-utilidade

06/06/2006 às 00:00
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As remunerações que, pagas, devidas ou creditadas a empregados, integram bases de cálculos de contribuições previdenciárias são as que se enquadram na fórmula legislativa do inciso I do art. 28. da Lei n.º 8212/1991:

"Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;"

Em resumo, são os rendimentos destinados a retribuir o trabalho, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador, ainda que sob a forma de utilidades, nos termos da lei, do contrato, de instrumentos de negociação coletiva, ou de sentença normativa.

Para fins da tributação previdenciária, há, genericamente, duas excludentes da caracterização do salário-utilidade: 1ª) mesmo sendo pago pelo trabalho, existir expressa previsão legal; e 2ª) o fornecimento da utilidade ser necessário à própria execução do trabalho ("para o trabalho"), e não decorrer de um ganho pela mera qualidade de empregado ("pelo trabalho").

O objetivo deste breve artigo é investigar se, na seara previdenciária, a concessão de bolsas de estudo a filhos ou dependentes de empregados cuida ou não de salário-utilidade.

No tocante à primeira excludente, a única hipótese de isenção de contribuições previdenciárias sobre o ganho percebido com a concessão de bolsas de estudo está radicada na alínea "t" do § 9º do art. 28. da Lei n.º 8212/1991:

"Art. 28... ................................................

...............................................................

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:

..............................................................

t) o valor relativo a plano educacional que vise à educação básica, nos termos do Art. 21. da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e a cursos de capacitação e qualificação profissionais vinculados às atividades desenvolvidas pela empresa, desde que não seja utilizado em substituição de parcela salarial e que todos os empregados e dirigentes tenham acesso ao mesmo;"

Os requisitos para essa isenção são, pois, que: (1) o plano educacional vise ao ensino fundamental OU o curso de capacitação e qualificação profissional se vincule às atividades desenvolvidas pela empresa; e (2) todos os empregados e dirigentes tenham acesso ao plano educacional fundamental ou ao curso de capacitação e qualificação vinculado às atividades desenvolvidas pela empresa.

Como se trata de regra de isenção tributária-previdenciária, há que se determinar seus sentido e alcance sob um prisma restritivo, em virtude do disposto no art. 111, II, do CTN, que preconiza ser interpretada literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção.

A interpretação restritiva interdita que se amplie o alcance da redação do preceito legal, limitando-se-o aos estritos vocábulos contidos no dispositivo.

Com atinência à partitura da regra da alínea "t" do § 9º do art. 28. da Lei n.º 8212/1991, o segundo requisito estabelece que "todos os empregados e dirigentes tenham acesso ao mesmo". Note-se não se prever, neste preceito, que a isenção abrange os dependentes de empregados e dirigentes. A redação legal é restrita aos empregados e dirigentes.

Nesse passo, bolsas de estudo concedidas a filhos ou outros dependentes de empregados e dirigentes integram a base de cálculo de contribuições previdenciárias, haja vista esta hipótese não estar consignada expressamente na mencionada regra legal.

Averbe-se, mais, que a alteração legislativa ocorrida no art. 458. da CLT, com o acréscimo do § 2º pela Lei n.º 10.243/2001, não interfere no substrato desta NFLD. O inciso II deste § 2º estipulou não ser salarial a utilidade concedida a título de "educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material didático".

A partir da edição da Emenda Constitucional n.º 20/1998, que alterou o art. 195. da Constituição da República Federativa do Brasil, a incidência de contribuição previdenciária também alcança títulos não-salariais, o que se denota na expressão "demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço" constante da alínea "a" do inciso I deste preceptivo.

Assim, o acréscimo do § 2º do art. 458. da CLT não provoca nenhuma interferência no âmbito previdenciário, haja vista a incidência de contribuições previdenciárias alcançar verbas que não sejam estritamente salariais, mas, tão-somente, rendimentos do trabalho, como também sublinhado no inciso I do art. 28. da Lei n.º 8212/1991.

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Quanto à segunda excludente, a utilidade concedida somente se despirá do manto salarial se for destinada melhor instrumentalizar a realização do trabalho (utilidade para o trabalho). Já se a utilidade simplesmente representar um ganho pelo trabalhador, sem nenhuma correlação com a otimização do desenvolvimento de suas atividades profissionais, tratar-se-á de uma utilidade salarial (utilidade pelo salário).

Esta hipótese também conta com explícita previsão legal, por exemplo, nas alíneas "m" e "r" do § 9º do art. 28. da Lei n.º 8212/1991:

"Art. 28... ................................................

...............................................................

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:

..............................................................

m) os valores correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante da de sua residência, em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho;

..............................................................

r) o valor correspondente a vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local do trabalho para prestação dos respectivos serviços;"

(destaquei)

Doutrinariamente, convém reproduzir a abalizada lição de Alice Monteiro de Barros1 acerca da distinção entre utilidades salariais e não-salariais:

"As utilidades salariais são aquelas que se destinam a atender às necessidades individuais do trabalhador, de tal modo que, se não as recebesse, ele deveria despender parte de seu salário para adquiri-las. As utilidades salariais não se confundem com as que são fornecidas para a melhor execução do trabalho. Estas equiparam-se a instrumentos de trabalho e, conseqüentemente, não têm feição salarial."

Resta evidente, portanto, que bolsas de estudo concedidas a filhos de empregados em nada melhoram a execução do trabalho, não representando instrumentalização laboral, mas apenas ganhos auferidos pelos empregados na modalidade de menos despesas a serem efetuadas.

Por fim, não se altera este panorama em face de eventuais cláusulas de convenções ou acordos coletivos de trabalho que prevejam subsistir a concessão de bolsas de estudo para filhos ou dependentes de empregados despedidos, falecidos ou aposentados.

A questão se resolve pela prova produzida pelo sujeito passivo. No curso de ação fiscal ou em impugnação a lançamento fiscal, aquele pode produzir prova robusta de que parte das bolsas de estudo concedidas não se destinaram a filhos ou dependentes de empregados seus.

É certo que bolsas de estudo concedidas para filhos ou dependentes de ex-empregados não se agregam às bases de cálculo de contribuições previdenciárias. Mas esse fato não afasta a qualificação de salário-utilidade para as bolsas de estudo usufruídas por filhos ou dependentes de empregados.


Nota

1 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho, 2ª edição, São Paulo: LTr, 2006, p. 717.

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Sobre o autor
Ricardo Araujo Cozer

procurador do Trabalho, com lotação na Procuradoria Regional do Trabalho da 7ª Região, Ofício de Sobral (CE), bacharel em Direito pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COZER, Ricardo Araujo. Bolsas de estudo concedidas a filhos de empregados: salário-utilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1070, 6 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8478. Acesso em: 19 nov. 2024.

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