A audiência de custódia como direito fundamental do preso e seus benefícios para o processo penal

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4. Críticas e obstáculos à realização de audiências de custódia no país

Embora a utilização das audiências de custódia no Brasil apresente inúmeros benefícios para o direito brasileiro, a sua implantação gera muitas divergências doutrinárias. O principal obstáculo para a não utilização desse instituto a análise de custo e benefício, fundamentando que os benefícios trazidos são poucos e os custos muito elevados.

Além disso, muitos doutrinadores afirmam que pelo fato do Brasil não apresentar uma estrutura judiciária de qualidade, os resultados desejados pelo instituto não serão alcançados da forma como se espera. Assim, muitos doutrinadores têm disseminado o seu descrédito e apontado que o aumento no número de prisões não tem relação com a cultura de encarceramento ou de falha de estrutura judiciária, mas sim, relação com questões sociais que favorecem o crescimento da criminalidade.

Para Cassiolato (2014) a população carcerária brasileira é realmente muito elevada, porém, grande parte desse número decorre de questões sociais, como por exemplo, desigualdade social, preconceitos, falta de oportunidades, entre outros fatores. Para o autor, o elevado número de presos não deriva da falta de condições e instrumentos processuais, mas sim, única e exclusivamente de questões sociais.[8]

Outro ponto de extrema importância levantado pelos doutrinadores é o etiquetamento social, segundo Barbosa (2015, p, 25):

Em outras palavras, a audiência de custódia é reflexo de uma política com discurso humanista, mas com manutenção da prática do labeling approach, pois de nada adianta o juiz ver ou "olhar no olho" do conduzido, se tem uma mentalidade de entiquetamento. A capacitação deveria ultrapassar a esfera da forma, do procedimento, e alcançar uma política minimalista de alterações estruturais com vistas à expansão da liberdade, aumentando as ferramentas para a manutenção da presunção de inocência, o que também é previsto no art. 8, item 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Além disso, o renomado doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2015) enumerou uma série de argumentos que considera obstáculos para a implementação da audiência de custódia no Brasil.

Em suma: a) durante 23 anos, o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos é o mesmo; somente agora, alguns descobriram que o Brasil o descumpre seguidamente; b) se é um direito humano fundamental, em todos os lugares onde não há audiência de custódia, os flagrantes devem ser imediatamente relaxados, pouco importando o caso concreto; c) se juízes precisam conversar com o réu para dar-lhe algum benefício, devemos transportar o interrogatório novamente para o início da ação penal; d) o projeto-piloto em S. Paulo (é interessante um experimento com direito humano fundamental indisponível…) vale-se do DIPO (Departamento de Inquéritos Policiais), onde os juízes são designados e removíveis a qualquer tempo; e) o sistema no Brasil não consegue transportar réus para as audiências, mas certamente haverá um imenso número de agentes (policiais?) para levá-los todos os dias à frente do juiz; f) a audiência de custódia, se tão importante, deveria estender- se ao Tribunal, para que também o desembargador/ministro possa conversar com o réu e sensibilizar-se; g) se a avaliação da autoridade policial não vale nada, visto que o preso precisa ir à frente do juiz, o destino dos delegados vai mudar completamente; passarão a sair às ruas para investigar e, prendendo, leva-se direto ao juiz; o auto de prisão em flagrante é inútil; h) os defensores, hoje, da audiência de custódia, como um direito fundamental, demoraram a acordar para isso (apenas 23 anos); mas já que o fizeram e estão despertos, convém levar logo ao STJ e ao STF a questão, por meio do habeas corpus para padronizar para todo o Brasil se sim ou se não a audiência de custódia; h) não há essa previsão no CPP; o STF tem a tendência de equiparar tratados a lei federal; de todo modo, mesmo que se considere a referida Convenção acima de qualquer lei, segundo nos parece, quem deve legislar sobre o procedimento nacional a ser adotado para a audiência de custódia é o Poder Legislativo e não o CNJ, nem qualquer Tribunal Regional ou Estadual. A isto se chama legalidade, que vem sendo vilipendiada por um número excessivo de portarias, resoluções, provimentos e similares, originários dos mais diversos órgãos, sem o menor apego à função do legislador em matéria de direito criminal. Enfim, o mito dessa audiência é que ela é essencial para tirar presos provisórios do seu calvário.

Segundo Nucci (2015) a audiência de custódia não passa de um mito, onde os benefícios trazidos por ela estão muito aquém da expectativa. Esse também é o sentimento de diversos julgadores que defendem a ideia de que a audiência de custódia e o contato pessoal com o preso não muda em nada a análise sobre a legalidade da prisão e eventual liberdade do acusado. Desse modo, diversos são os posicionamentos acerca da aplicabilidade da audiência de custódia, suas vantagens e desvantagens.

4.1 Vantagens da audiência de custódia

A aplicabilidade das audiências de custódia divide as opiniões dos doutrinadores. Muitos considerado o instituto muito vantajoso para o procedimento penal, como por exemplo Aury Lopes Junior e Caio Paiva (2014). Para os autores, inúmeras são as vantagens trazidas pelas audiências de custódia, como por exemplo, tornar o processo penal brasileiro compatível com os tratados internacionais de direitos humanos, reduz a superlotação carcerária e promove a humanização da prisão através do contato entre juiz e preso.

Segundo Mesquita (2015, p. 11), além da diminuição da população carcerária, o instituto diminui ilegalidade das prisões, prisões desnecessárias e demais erros formais em relação às prisões de maneira eficiente. Além disso, o autor também afirma que a humanização do processo penal torna a prisão mais eficiente, uma vez que é requisito essencial para a realização da audiência a presença de seu advogado, garantindo assim o princípio constitucional do contraditório e ampla defesa. Na mesma oportunidade, caso o juiz entenda pela liberdade do acusado, poderão ser definidas medidas cautelares diversas de prisão.

Embora apresente inúmeras vantagens, os doutrinadores reconhecem o longo e árduo caminho que deve ser seguido para que os resultados desse instituto sejam efetivamente os desejados. Segundo Aury Lopes e Caio Paiva (2014), para que as audiências de custódia realmente produzam seus efeitos, devem ser seguidas algumas regras, como por exemplo, a apresentação dos presos em qualquer dia da semana, incluindo fins de semana e feriados, o judiciário deverá apresentar uma estrutura compatível com as atividades que serão exercidas e o controle constante dos resultados dessa experiência. Assim, afirmam os autores que o instituto é capaz de trazer inúmeros benefícios ao processo penal, porém, são necessários esforços para que os resultados sejam eficientes.


5 CONCLUSÃO

Após inúmeras análises legislativas e bibliográficas é possível perceber a existência de conflitos e questionamentos sobre a aplicabilidade das audiências de custódia no direito brasileiro. Porém, embora o instituto apresente elevado custo financeiro e demande uma estrutura judiciária capaz de atender as suas necessidades, os resultados trazidos por ele são eficientes.

A audiência de custódia se tornou uma forma de solução da superlotação carcerária e, além disso, um método de humanização da prisão. A partir da análise rápida acerca da legalidade da prisão e dos direitos do preso, verificada a desnecessidade da prisão, o juiz poderá conceder liberdade ao preso. Além disso, o tratamento direto e pessoal permite uma maior eficiência da legislação penal, que busca a prevenção de delitos. Outro ponto de bastante importância é o respeito aos direitos fundamentais do preso pelo Estado, fazendo jus ao seu papel de garantidor de direitos.

Assim, mesmo que o instituto demande uma série de requisitos para a sua aplicabilidade, as vantagens trazidas por ele valem a pena, sendo possível afirmar que a audiência de custódia deve ser usada e é uma grande aliada ao procedimento penal brasileiro.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 de jun de 2020.

[2] BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 de jun de 2020.

[3] DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 7. Ed. Salvador: Juspodivm, 2019.

[4] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

[5] BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 de jun de 2020.

[6] BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 de jun de 2020.

[7] BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 de jun de 2020.

[8] CASSIOLATO, Bruno Luiz. Considerações sobre audiência de custódia: pontos positivos e negativos. Disponível em: http://www.apamagis.com.br/website/Ler. php?type=1&id=33994. Acesso em: 10 de jun de 2020.

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