6. CONCLUSÃO
A atividade judicial deve pautar-se sempre como ponto de equilíbrio entre as partes, devendo o Juiz ser o epicentro do processo. O sistema dos Juizados Especiais Cíveis, com maior razão, exige a atuação de magistrado vocacionado para a incansável tarefa da conciliação, porque foi idealizado com essa finalidade.
Lamentavelmente colhemos situações que retratam a atuação de Juízes que, a despeito de se intitularem paladinos da correta aplicação da lei, exercem a jurisdição sem o exame apurado do ordenamento jurídico aplicável à hipótese concreta.
O fazem ignorando que a função jurisdicional, seja na seara dos Juizados, quer no âmbito da justiça comum, deve guardar paridade com a filosofia atual do Judiciário, a qual está formatada pelo princípio da conciliação. Basta examinar, para a confirmação dessa assertiva, os dispositivos legais que regem a matéria, desde a Constituição Federal até as leis infraconstitucionais.
A adoção de decisões padronizadas e formulárias (tipo receita de bolo ou bula de remédio), onde não se modificam parágrafos, palavras, vírgulas, doutrinas, jurisprudências, muito menos pontos de vista em razão da peculiaridade do caso concreto, da dinâmica social e da atualização do Direito, representa o maior índice de erro no julgamento das ações em tramitação nos Juizados Especiais Cíveis e, mais que isso, injustiça inefável, porque o executado – lembrando do estudo aqui desenvolvido – não é visto como alguém que precisa se defender amplamente, ser ouvido previamente e tratado com a dignidade que a menor onerosidade e os fins econômicos da execução devem primar.
O princípio da menor onerosidade para o devedor, bem como o princípio da máxima eficácia da execução para o credor são harmônicos entre si. Eles devem compatibilizar e equiparar a proteção às duas partes do processo de execução. Todavia, são completamente ignorados durante o desenvolvimento das fases processuais.
Sequer as partes são convocadas para uma tentativa de acordo prévio, que atenda aos anseios de cada uma, antes da brusca e violenta determinação do bloqueio dos ativos financeiros existentes nas contas bancárias do devedor. A ordem de bloqueio e penhora, muitas vezes excessiva e indevida, pode-se dizer, é o intento exclusivo e primordial das decisões proferidas nos Juizados Especiais Cíveis pesquisados.
A antecedente constrição de valores do executado em sede de Juizados Cíveis parece ser a única alternativa do magistrado, o único meio existente no âmbito procedimental desse microssistema para a solução da causa. Olvida-se que tal segmento do Poder Judiciário tem como princípio basilar, vale dizer, como obrigação protocolar, o esgotamento à exaustão dos meios de conciliação para a composição da lide.
Não há nisto uma campanha depreciativa contra tal sistema, mas apenas uma tomada de consciência, conquanto inobservar os novos paradigmas legislativos significa desprestigiar a própria atividade jurisdicional que deve ser exercida de maneira que não se privilegie unicamente o direito do credor contra o igualitário e amplo direito de defesa do devedor, mas estabeleça equilíbrio entre as partes, principalmente quando estiver em jogo a cobrança de verbas, cujo cálculo duvidoso e extorsivo implique na averiguação de valores de difícil elucidação.
É que não é permitida a tramitação de causas complexas no sistema de juizados, notadamente as que envolvam vultosas quantias recheadas com índices e itens suspeitos, que incluam a cobrança de custas processuais e de honorários advocatícios, mascaradas com o epíteto de “despesas” ou outro enfoque que fuja do senso comum. Em resumo, não é permitido exame de cálculos que demande a análise técnica de provas complexas sobre a polêmica instaurada.
Aceitar essa prática é chancelar pedidos incompatíveis com a Lei n.º 9.099/95, bem como ir contra o que vem sendo decidido pelos tribunais superiores, notadamente o STJ que, em consonância com o novo CPC, vem atualizando a jurisprudência dessa excelsa corte cidadã.
O mesmo caminho mutatis mutandis deve ser seguido pelo sistema de Juizados Especiais Cíveis, pois, a permanecer o entendimento inicial sobre os institutos remodelados pela legislação posterior, corre-se o risco iminente de engessar o Direito aplicável naquele juízo, em sua constante dinâmica e mutação, apenas para atender uma concepção vetusta e ultrapassada, que pode muito bem ser atualizada sem malferir a importância que o referido microssistema sempre terá em nosso ordenamento jurídico.
É certo que o próprio STJ20 tem entendimento no sentido de que o condomínio ou a associação de moradores, não obstante inexista previsão no art. 8.º, § 1.º, da Lei n.º 9.099/95, podem aforar ação de cobrança das taxas ou cotas instituídas perante Juizado Especial Cível que, no revogado CPC/73 (art. 275), adotavam procedimento sumário.
Contudo existem controvérsias e muita polêmica em torno do assunto, pois não se pode confundir legitimidade para aforar ação de cobrança com o mesmo direito para postular a execução extrajudicial. A primeira tem a função de formar o título executivo, enquanto que a segunda baseia-se na existência prévia do próprio título executivo, supondo-se encontrar-se o mesmo revestido dos requisitos legais apontados ao longo deste estudo.
De qualquer modo, não podemos esquecer que o sistema dos Juizados Especiais Cíveis foi criado para garantir acesso à justiça para pessoas hipossuficientes, o que não é o caso dos condomínios.
Daí porque entendemos que, não obstante estejam sendo inobservados os ditames do art. 8.º do NCPC, no âmbito do sistema dos Juizados Especiais Cíveis, mais grave é perceber que o próprio art. 6.º da Lei n.º 9.099/95 vem sendo descurado sem que sejam renovados os julgamentos formulários e as decisões padronizadas, que sempre prejudicam uma das partes na medida em que nem todas as situações postas à apreciação dos Juízes são iguais, nem está sendo praticada a conciliação, como tentativa de composição do conflito, antes da tomada de medidas severas contra uma das partes.
O magistrado não pode agir como o bailarino que não para de bailar durante sua apresentação, ainda que os primeiros passos estejam em descompasso, isto é, ainda que não estejam coordenados conforme pensados, estudados e ensaiados com antecedência. Diferentemente do bailarino, o Juiz possui vários espectadores que, na condição de maestros especializados nas lides forenses, percebem seus tropeços e erros, os quais ficam sujeitos a impugnação, qualquer que seja a fase de seus movimentos processuais.
Por essa razão, o julgador não pode claudicar no exercício da atividade jurisdicional, muito menos exercê-la sem o compromisso do preparo pessoal, pois a função judicante não é tarefa para amadores. É campo de atuação para pessoas cada vez mais qualificadas em face da multidisciplinariedade dos temas que, a toda hora, provocam a habilidade do aplicador do Direito para a resolução das questões suscitadas, circunstância que exige a constante atualização dos conceitos jurídicos, o comprometimento pessoal no exame das questões suscitadas e a renovação dos modelos decisórios para evitar a mesmice sem fim, que torna monótono e enfadonho o labor forense.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Dinamarco, Cândido Rangel Dinamarco. Execução Civil. 4.ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 1994.
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Júnior, Joel Dias Figueira. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 3.ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
- Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
Lima, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. VI, 7.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
Neves, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Jus Podium, 2016.
Streck, Lenio et alli. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016.
Notas
1 Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.
2 Art. 3.º - O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade.
3 A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
4Art. 3.º. Obra Coletiva. Lenio Streck et alli. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 34.
5 Sistemas dos Juizados Especiais. Campinas/SP: Millennium Editora, 2012, p. 76.
6 O condomínio residencial poderá propor ação no Juizado Especial, nas hipóteses do art. 275, inciso II, item b, do Código de Processo Civil.
7 Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 120.
8 Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:
9 Inciso IV - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio.
10 Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
11 Inciso X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas.
12 Não é possível confundir requisitos do título executivo com procedimento processual para sua cobrança.
13 Art. 783. - A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.
14 Art. 53. A execução de título executivo extrajudicial, no valor de até quarenta salários mínimos, obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas por esta Lei.
15 Comentários ao Código de Processo Civil. 7.ª ed. Vol. VI. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 363.
16 Enunciado 97: “A multa prevista no art. 523, § 1.º, do CPC/2015 aplica-se aos Juizados Especiais Cíveis, ainda que o valor desta, somado ao da execução, ultrapasse o limite de alçada; a segunda parte do referido dispositivo não é aplicável, sendo, portanto, indevidos honorários advocatícios de dez por cento.”
17 Enunciado 145 do Fonaje: A penhora não é requisito para a designação de audiência de conciliação na execução fundada em título extrajudicial.
18 Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.
19 Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 3.ª ed. 2000. São Paulo: Editora RT, p. 64.
20 RMS 53.602/Alagoas. Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 05/06/2018.