Capa da publicação Taxa condominial pode ser cobrada no Juizado?
Capa: Pixabay
Artigo Destaque dos editores

Da impossibilidade de cobrança de taxa condominial por execução de título extrajudicial em juizado especial cível

Exibindo página 3 de 4

Resumo:


  • O estudo aborda a possibilidade de cobrança de taxa condominial em juizados especiais cíveis por execução extrajudicial, exigindo a comprovação de liquidez, certeza e exigibilidade do crédito.

  • A pesquisa revelou práticas de cobrança indevida de custas processuais e honorários advocatícios em juizados, disfarçadas como "despesas" ou "acréscimos" nas planilhas de cálculo, o que é ilegal.

  • Conclui-se pela necessidade de equilíbrio e justiça nas decisões judiciais, respeitando-se a função conciliatória dos juizados e a proteção da parte hipossuficiente, evitando-se ações padronizadas e decisões que não consideram as particularidades de cada caso.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. DO EXCESSO DE EXECUÇÃO E DA ILEGALIDADE DA COBRANÇA DE CUSTAS PROCESSUAIS E DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO ÂMBITO DOS JUIZADOS CÍVEIS.

Na pesquisa que realizamos descobrimos que alguns condomínios inserem na planilha de cálculos um item denominado “despesas”, onde ficam embutidos valores atinentes a custas processuais e honorários advocatícios, pleito esse incabível no sistema dos juizados cíveis.

Esse é um artifício utilizado para onerar o condômino executado com verbas que são indevidas perante os procedimentos que tramitam no sistema de juizados, conforme norma cogente do art. 55, da Lei n.º 9.099/95. O objetivo é não pagar nada para cobrar a taxa condominial e ainda receber valores incabíveis. O mais grave é que conta com a leniência de alguns julgadores.

Quem se dispõe a litigar no âmbito do Juizado Especial Cível deve ter a concepção de que a justiça especializada trabalha sempre com a hipótese da conciliação e acessibilidade às pessoas hipossuficientes; nunca com situações que se assemelham às incompreensões e intolerâncias que são próprias das grandes e complexas causas que tramitam na justiça comum, onde os valores exorbitantes fazem brilhar os olhos das partes e desenham montanhas de cifrões nas mentes dos gananciosos.

O Judiciário não pode chancelar esse tipo de manobra. Porém, alguns Juízes, sem se aperceberem, enquanto outros por entendimento próprio, acolhem tal pedido. Os que deferem o pagamento, sem a devida análise, não se dão ao trabalho de investigar essa alicantina. Por isso, contribuem para o desvirtuamento da finalidade do sistema dos juizados e para a cobiça dos protagonistas desse pedido ilegal. Os que acolhem essa parcela reiteradamente, o fazem sem prudência e de maneira consciente, justificando suas decisões no fato de que tal garantia consta da convenção do condomínio. Na verdade legalizam uma espécie de extorsão que é lançada em documento de duvidosa constitucionalidade, cuja elaboração nenhum dos condôminos participa ou anui com os termos lançados à sua revelia.

O certo é que, em qualquer das duas situações, é flagrante a ilegalidade da cobrança de tais parcelas, notadamente em nome do condomínio, haja vista que "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade" (art. 17, CPC) e que "ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico" (art. 18, CPC). Demais disso, como pode o condomínio, que nada despendeu para postular no sistema dos juizados cíveis, pretender receber custas e honorários advocatícios?

O direito não nasce do fato injusto. Quem contribui para esse tipo de desfaçatez também é corresponsável pelo dano processual que o litigante inocente e vilipendiado sofre. A função do Juiz é proteger a parte hipossuficiente da relação processual em curso contra pretensões deduzidas sem fundamento legal, bem como impedir litigância de má-fé e a prática de atos atentatórios à dignidade da Justiça, baseado no princípio da menor onerosidade da execução. A atuação temerária da parte e de seu patrono deve ser reprimida e não aplaudida.

Desse modo, não tendo o exequente demonstrado interesse jurídico, muito menos legitimidade para pleitear em juízo verba que é típica do exercício de profissão de advogado, torna-se carente de ação, não podendo postular judicialmente o direito aventado, considerando a ausência dos requisitos de existência e validade do processo que lhe retira a possibilidade da obtenção de uma sentença de mérito favorável quanto a esse pleito.

Destarte, não cabe ao condomínio pleitear verba honorária em nome próprio, posto que é pleito inerente à condição do exercício profissional da advocacia que, de acordo com nosso regramento jurídico, compete exclusivamente ao advogado em ação e juízo onde é cabível a condenação da parte sucumbente ao pagamento desse estipêndio.

Ainda que o Regulamento ou Convenção do condomínio preveja a cobrança de honorários advocatícios, não pode esse ente jurídico atribuir-se essa legitimidade. Nem pode, de outro modo delegar esse direito a outrem, porque trata-se de parcela específica destinada ao advogado em razão de contrato de honorários ou de determinação sucumbencial em decisão judicial, imposição que não é cabível nesta seara em face do que dispõe o enunciado 9716 do FONAJE.

Demais disso, deve haver a demonstração escrita de que tais honorários são contratuais, sucumbenciais, ou que o condomínio exequente sofreu algum prejuízo decorrente de demanda judicial ou, ainda, que esteja autorizado por lei ou por qualquer outro mecanismo legal a fazer tal cobrança. Mas isto somente será possível se essa alegação não for susceptível de discussão que desconfigure a natureza para a qual se estabelece a competência dos Juizados Cíveis, qual seja a de decidir causas de menor complexidade.

Toda verba que se afaste da taxa condominial e dos acréscimos decorrentes do atraso no pagamento, configura o excesso de execução. Por essa razão, não deve ser acolhida, ainda que venha prevista em documento cuja elaboração o condômino ou seu representante legal anuiu. Trata-se de cláusula abusiva e inconstitucional, inadmissível em nosso ordenamento jurídico. Por isso mesmo, nula de pleno direito e de nenhum efeito vinculativo. Nesse sentido é unívoca a jurisprudência:

“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LEGITIMIDADE RECURSAL EXCLUSIVA DO ADVOGADO. INEXISTÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA DA PARTE AUTORA. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. - De acordo com disposição contida no art. 18. do CPC/15 (anteriormente reproduzida pelo art. 6.º do CPC/73), "ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico". 2. - Por outro lado, o art. 23. da Lei nº 8.906/94 é claro ao estabelecer que os honorários "pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor". 3. - Nesse passo, a verba honorária (tanto a contratual como a sucumbencial) pertence ao advogado, detendo seu titular, exclusivamente, a legitimidade para pleiteá-los , vedado à parte fazê-lo, na medida em que a decisão não lhe trouxe prejuízo. Em outras palavras, não tendo a parte autora experimentado qualquer sucumbência com a prolação da decisão impugnada, ressente-se, nitidamente, de interesse recursal . 4. - Versando o presente recurso insurgência referente, exclusivamente, a honorários advocatícios, patente a ilegitimidade da parte autora no manejo do presente apelo. Precedente desta Turma. 5. - Assentada a legitimidade recursal exclusiva do patrono, o que, de per si, conduz ao não conhecimento do apelo, caberia ao mesmo o recolhimento das custas de preparo, máxime em razão de não ser a ele extensiva a gratuidade de justiça conferida à parte autora. 6. - Recurso de apelação das autoras não conhecido.”

(TRF-3 - Apelação 00006429620164036141 SP, Relator: Desembargador Federal CARLOS DELGADO, Data de Julgamento: 26/03/2018, Sétima Turma, data de publicação: e-DJF3, Judicial 1, data 10/04/2018).

Ressalte-se, por oportuno, que não é admissível a possibilidade de duas ou mais pessoas firmarem um contrato onde atribuam qualquer tipo de obrigação a terceiro estranho a essa relação jurídica. Tal cláusula é abusiva, inconstitucional e nula de pleno direito. Acrescento também que, em sede de Juizados Especiais Cíveis, não é cabível a condenação em despesas e taxas judiciais ou em honorários advocatícios, se a demanda se encerra na instância monocrática. Isto é pacífico, tanto na lei, quanto nas turmas recursais e nos tribunais superiores, ou seja, na legislação e na jurisprudência do nosso país.

Os honorários advocatícios, decorrentes dos serviços jurídicos prestados ao condomínio, devem ser pagos por quem os contratou, e não pelo devedor da obrigação principal, muito menos pelos condôminos coletiva ou individualmente, se nenhuma causa deram à propositura de qualquer ação. Nesse sentido, a jurisprudência é tranquila:

“APELAÇÃO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. ABUSIVIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A contratação de advogado para atuação na esfera judicial, por si só, não possibilita a condenação da parte sucumbente à reparação civil por danos materiais, em razão das despesas efetuadas pela parte vencedora com o pagamento de honorários convencionais. Dessa forma, consoante entendimento firmado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça " cabe ao perdedor da ação arcar com os honorários de advogado fixados pelo Juízo em decorrência da sucumbência (Código de Processo Civil de 1973, art. 20, e Novo Código de Processo Civil, art. 85), e não os honorários decorrentes de contratos firmados pela parte contrária e seu procurador, em circunstâncias particulares totalmente alheias à vontade do condenado " (EREsp 1507864/RS, Corte Especial, Rel. Min. Laurita Vaz, julgamento em 20/04/2016, DJe 11/05/2016). 2. É abusiva a cláusula de convenção de condomínio que prevê o pagamento pelo condômino inadimplente de honorários contratuais em função de contratação de advogado para atuação em juízo, ante a ausência de previsão legal, haja vista que o art. 1.336, § 1.º, do Código Civil apenas prevê o pagamento de juros moratórios e de multa de até dois por cento sobre o total do débit o. 3. Apelação conhecida e desprovida.”

(TJ-DF 20161610094414 DF 0006409-04.2016.8.07.0020, Relator: SANDRA REVES, Data de Julgamento: 03/10/2018, 2.ª Turma Cível, Publicado no DJE 22/10/2018, p. 530/533).

“DESPESAS DE CONDOMÍNIO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - PROPOSITURA DE AÇÃO JUDICIAL PARA COBRANÇA DE DESPESAS DE CONDOMÍNIO – CARACTERIZADO, CONTUDO, O EXCESSO DE EXECUÇÃO NO QUE TANGE AO VALOR PERSEGUIDO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS - GRATUIDADE PROCESSUAL CONCEDIDA AO DEVEDOR - SUSPENSÃO DA COBRANÇA DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. I. Não havendo o pagamento devido das cotas condominiais, o que levou o autor a propor a presente ação judicial, sem que tenha o débito sido espontaneamente quitado, é possível a imposição ao pagamento dos ônus sucumbenciais, mas não o pagamento de honorários advocatícios contratuais. II. Contudo, tendo sido concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita ao executado, a cobrança dos ônus sucumbenciais deverá ficar suspensa, nos termos do art. 98, § 1.º, VI e § 3.º, do CPC.” (TJ-SP –APL N.º 10013891420188260344/SP 1001389-14.2018.8.26.0344, Relator: Paulo Ayrosa, data de julgamento: 27/11/2018, 31.ª Câmara de Direito Privado).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA E CONTRATUAIS. DIFERENCIAÇÃO. ACORDO REALIZADO PELAS PARTES COM ESTIPULAÇÃO DE HONORÁRIOS COM PRESENÇA DE OUTROS PROCURADORES. INSURGÊNCIA DOS AGRAVANTES, MESMO NÃO PARTICIPANDO DO ACORDO. IMPOSSIBILIDADE DE SE EXIGIR HONORÁRIOS AO DEVEDOR. OBRIGAÇÃO QUE CABE AO CLIENTE, QUE CONTRATOU OS SEUS SERVIÇOS PROFISSIONAIS. EVENTUAIS HONORÁRIOS CONTRATUAIS DEVERÃO SER REQUERIDOS POR VIA PRÓPRIA EM AÇÃO DE COBRANÇA CONTRA O CONTRATANTE . RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.”

(TJPR – 14.ª Câmara Cível - AI - 1376363-4 - Cascavel - Rel.: Ana Lúcia Lourenço - Unânime - J. 29.07.2015) e (TJ-PR - AI: 13763634 PR 1376363-4 (Acórdão), Relator: Ana Lúcia Lourenço, Data de Julgamento: 29/07/2015, 14.ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1629 17/08/2015).

A condenação do vencido deve limitar-se aos honorários de sucumbência arbitrados pela justiça no âmbito próprio, não havendo previsão legal de condenação ao ressarcimento dos honorários contratuais, haja vista que é um gasto que não se confunde com custas processuais. Porém, especificamente em sede de Juizados Especiais Cíveis, não cabe a incidência da verba honorária contra a parte vencida na demanda (art. 55, Lei 9.099/95), quer seja como autora ou como ré, qualquer que seja a natureza dos honorários advocatícios. Veja-se, quanto a isso, o enunciado 97 do FONAJE aqui mencionado em outro ponto deste estudo.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Da mesma forma, se o exequente não comprova o valor correspondente à taxa condominial na época do mês em aberto, constante na Ata da Assembleia, nem os índices de atualização com base em tabela disponibilizada pelo tribunal, não pode cobrá-lo por via da execução extrajudicial, pela ausência de liquidez do título.

Esta confusão tem que ser desfeita, porque alguns condomínios, aproveitando-se do equívoco em que têm incorrido data venia alguns julgadores, vêm propondo demandas executivas perante os juizados especiais cíveis com documentos que não expressam certeza, liquidez e exigibilidade. Além disso, embutem no somatório das taxas condominiais a cobrança de custas processuais e de honorários advocatícios no montante de vinte por cento do valor total em cobrança. Isto é totalmente inadmissível em sede de Juizados Especiais Cíveis.

É importante relembrar que todo título executivo judicial ou extrajudicial deve conter uma obrigação certa, líquida e exigível. É certa a obrigação, quando estão provados no documento a natureza da obrigação e a identificação do credor e do devedor. Tais elementos permitem que, a partir de uma ligeira inspeção ocular do título, possa ser espancada qualquer dúvida a respeito da existência de uma obrigação que foi inadimplida. É líquida a obrigação, quando o título apresenta no seu frontispício o seu objeto, ou seja, pode-se claramente identificar o valor devido, independentemente de qualquer outra prova, também será líquida mesmo se for necessária simples operação aritmética para apurar o crédito documentalmente comprovado (CPC, art. 786, parágrafo único). É exigível a obrigação desde que o devedor esteja inadimplente, ou seja, não a tiver satisfeito a avença, e desde que não esteja sujeita a condição suspensiva ou a termo. A inadimplência deve ser provada por meio do envio de correspondência, e-mail, wathsap, boleto ou outro meio eletrônico ou escrito idôneo que comprove seu recebimento pelo condômino apontado como devedor. Essa providência o coloca também em mora.

O mais grave de tudo é perceber que grandes empreendimentos habitacionais, como é o caso do condomínio clube, composto por 300 ou mais apartamentos ou casas, que possuem uma arrecadação extraordinária, que beira a cifra de hum milhão de reais, propõem ações perante o Juizado Especial Cível sem qualquer parcimônia e a leniência de magistrados. Toda estrutura desse microssistema é movimentada para atender a pretensão deduzida pelo condomínio. O objetivo é não pagar nada de custas judiciais, porém receber honorários advocatícios e custas processuais mascarando essas verbas com o nome de “despesas” ou “acréscimos” em sua memória de cálculo.

Nesse contexto, é importante destacar que o desconhecimento ou a indiferença de certos julgadores quanto ao novo ordenamento processual civil tem levado ao cometimento de injustiças contra o executado, que se vê tolhido em seu direito de oferecer embargos independentemente da garantia do juízo ou de ter bloqueado seus ativos financeiros, sem que seja possibilitada a realização de audiência de conciliação entre as partes, desmerecendo-se a diretriz do enunciado 14517 do Fonaje.

No estudo realizado, constatei que a maioria dos juizados já possuem modelos padrões de despachos, decisões e sentenças (tipo receita de bolo ou bula de remédido) que há muito não são atualizados, os quais comprometem a correta aplicação da lei, notadamente do novo CPC que, como ordenamento procedimental, renovou certos conceitos jurídicos e rege o rito da execução por título extrajudicial. O mau costume é tanto que não são modificadas palavras, vírgulas ou determinações, ainda que a medida seja subscrita por juízes atuando em substituição aos titulares.

Diariamente são repetidos ipsis litteris virgulisque os atos judiciais como se um embotamento tenha tomado conta não só de assessores, analistas e técnicos judiciais, mas principalmente do magistrado, o qual não atualiza, nem revisa suas decisões, agindo como um ser autômato programado para não ter vontades, intelecções, nem capacidade de mudança.

Não constatei, por isso, a aplicação do princípio da cooperação judicial, muito menos da menor onerosidade da execução, pois, antes mesmo da designação de audiência de conciliação, é determinado, como dissemos, em despacho padronizado, o bloqueio e penhora de ativos financeiros para forçar, a todo custo, o pagamento do valor cobrado, independentemente dos itens que compõem o elenco de verbas pleiteadas na peça da execução forçada.

Jaz, em passado inexumável, a época em que o credor comparecia à presença do Pretor romano para exigir o sacrifício do devedor, extorquindo-lhe tudo, inclusive, a própria liberdade ante a conivente atitude do julgador que nada fazia para conter a insaciabilidade do exequente.

O processo de execução tem uma finalidade econômica tanto para o exequente, quanto para o executado. Assim deve satisfazer o direito do credor, evitando-se situações de maior prejudicialidade ao devedor.

Dessa maneira, deve ser buscado o modo menos gravoso para o devedor, principalmente se o mesmo comprovar que, por razões humanitárias, como o caso de doença grave, a saber: as cardíacas, as oncológicas, as degenerativas, por exemplo, necessita suprir primeiro o tratamento médico de sua saúde ou, pelos menos, priorizá-lo, antes de satisfazer, por completo, os rigores da ação executiva.

A perplexidade é tanta que, embora o art. 91418 do CPC permita o oferecimento dos embargos à execução, sem depósito prévio do valor executado, há magistrados que não admitem essa possibilidade e, quando muito, olvidando o novo regramento, recebem essa medida como exceção de pré-executividade, dando mostras do completo desconhecimento da regra processual que disciplina o procedimento em tramitação.

Maior dificuldade o executado encontra na possibilidade de flexibilizar o pagamento da dívida executada pelo fato de as decisões padronizadas forçarem o devedor a seguir o modelo imposto no sistema de juizados, o qual o constrange e o obriga a se submeter ao pedido do exequente, ainda que contenha excesso (por conta da cobrança de verba indevida consignada ou não em documento do qual o executado não conhece ou não concorda com os termos), sob pena de ter seus ativos financeiros bloqueados e/ou penhorados, o que, em resumo, configura uma espécie de coação para cumprimento da pretensão autoral, não obstante seja flagrante a violação às hipóteses previstas nos arts. 151, 156 e 166, do Código Civil.

Não se trata aqui de defender o perdão da dívida, muito menos a suspensão ou revisão ad infinitum do processo, mas a aplicação da equidade, baseado na observância do princípio constitucional da fraternidade, como adequação do sentido da dignidade, enquanto elemento fundante da condição humana, o que implica na experiência de todos ao reconhecimento de que, numa sociedade plural a dignidade do outro nos obriga à fraternidade, por ser um dever de respeito, bem como um imperativo jurídico que tem profunda repercussão na solidariedade humana, como direito de terceira geração, portanto transindividual.

Encontrar, nesses casos, uma saída para propiciar, ao mesmo tempo, a continuidade do tratamento médico e o pagamento da dívida é uma atitude de grandeza não apenas do credor, mas principalmente do Juiz que, na condição de administrador do processo, tem o dever de equilibrar a relação processual para satisfazer o direito do exequente sem aniquilar o patrimônio do executado ou sacrificá-lo além do necessário.

Muito embora possa se enxergar alguma juridicidade nos padrões adotados pelos juizados que assim procedem, eles contaminam de nulidade a decisão judicial que endossar tal cobrança e desafia o aforamento de ação rescisória, inobstante disponha o art. 59. da Lei n.º 9.099/95 o contrário, pois o que deve ser levado em conta aqui não é o dever do executado em pagar o que está sendo cobrado, mas como está sendo cobrado e com base em qual fundamento legal.

Não é absurdo dizer que, caso se insista, por comodidade legislativa, na defesa da constitucionalidade do art. 59. da Lei n.º 9.099/95, a hipótese aventada pode ser atacada também por meio da querella nullitatis insanabilis dirigida contra toda a sentença transitada em julgado ou apenas parte dela, pois, ainda que homologatória, não pode prevalecer se carregar alguma inconstitucionalidade, porque nela reside insegurança jurídica que não pode subsistir no mundo do Direito, bem como na justa, legítima e isenta ordem jurídica.

Alguns operadores do Direito, presos ao misoneísmo que os impede enxergar além da regra puramente abstrata do dispositivo aqui em análise, dirão que este é um argumento que jamais poderá ser aplicado ao microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, porque sua criação e existência se baseia em legislação que não permite a aplicação do CPC, ainda que analógica ou supletivamente.

Sucede que o art. 8.º do CPC impõe ao juiz a observação de uma série de princípios ao aplicar o ordenamento jurídico. A expressão ordenamento jurídico aqui empregada não se restringe somente às normas previstas no NCPC, mas a qualquer setor de julgamento realizado pelo Poder Judiciário por uma questão de heterointegração interpretativa do dispositivo em destaque.

Nesse diapasão, não é demasiado asseverar que autores renomados já se pronunciaram a esse respeito, como é o caso do jurista Joel Dias Figueira Júnior19, para o qual “a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil não se verifica apenas quando o microssistema expressamente o autoriza, mas sempre que inexistam incompatibilidades entre os sistemas diversificados e a lei específica seja lacunosa.”

É chegada a hora de repensar a possibilidade de enfrentar tais situações, com base na nova ordem jurídica processual, haja vista que a Turma Recursal, como órgão de controle das decisões monocráticas em segunda instância, não tem cumprido a função de desfazer julgamentos que extrapolam o sentido da razoabilidade, posto que também é composta por juízes que pensam os juizados apenas sob a ótica da Lei n.º 9.099/95.

Portanto, manter o status quo proclamado pelo art. 59. da Lei n.º 9.099/95 é permitir a manutenção de dispositivo inconstitucional (art. 5.º, LV, CF), vedar o acesso à justiça, bem como ao devido processo legal, ao tratamento isonômico das partes, à dignidade e fraternidade humana, à razoabilidade, à proporcionalidade e à legalidade, além de garantir a persistência de coação, medo, fraude, concussão, má-fé, erro de julgamento etc. contra a parte impedida de pleitear a medida rescisória, mediante a tirania do poder judicante que proclama ser defensor dos postulados do Estado Democrático de Direito.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
José Eulálio Figueiredo de Almeida

Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Desembargador do TJMA. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Especialização em Processo Civil pela UFPE. Especialização em Ciências Criminais pelo UNICEUMA. Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo. Da impossibilidade de cobrança de taxa condominial por execução de título extrajudicial em juizado especial cível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7616, 8 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85132. Acesso em: 5 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos