1- Introdução
O presente artigo tem como ponto de partida, e pressuposto, a disposição constitucional gravada no inc. LXXVIII do art. 5º, garantia estabelecida partir da chamada Reforma do Judiciário - Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, cujo exato teor transcrevemos:
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
É de sabença comum que a demora no desenlace de qualquer processo, seja ele jurisdicional ou administrativo, é tão frustrante quanto o julgamento pela improcedência da pretensão deduzida. Tudo isso especialmente face à angústia e incerteza que se avultam na hipótese, ocasião em que se aguarda, muitas das vezes em tempo demasiado longo, pelo incerto. Durante a espera nada se tem, a não ser uma tênue esperança, muitas das vezes frustrada. Daí, creio, a importância do tema.
Posto isto, a abordagem empregada possui foco no processo administrativo federal em suas diversas vertentes, daí ter-se como paradigma a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
2- Histórico
A iniciativa da proposta de emenda constitucional do judiciário foi da autoria do então Deputado Hélio Bicudo. A proposição foi autuada com o nº 96, datada de 29 de março de 1992.
Desde então, a norma projetada teve seu curso marcado por diversos percalços, tendo inclusive sido arquivada em duas oportunidades - fevereiro de 1995 e 1999 - pelo fato de se ter passado em duas legislaturas – 1991/1994 e 1995/1998 sem ter sido apreciada.
Em 11 de agosto de 1999, a proposta é redistribuída à Deputada Zulaiê Cobra. Anteriormente, funcionaram como relatores os deputados Jairo Carneiro e, a seguir, Aloysio Nunes Ferreira.
Por fim, constituiu-se a Comissão Especial destinada a apreciar e proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 96-A, de 1992, que "introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário".
Saliente-se que a proposta original, da lavra do então Deputado Hélio Bicudo, não trazia qualquer referência à inserção de inciso ao art. 5º da Constituição. Tal novidade ocorreu por sugestão da Associação dos Magistrados do Brasil e da Ordem dos Advogados do Brasil acatada no âmbito da suso referida Comissão, e consubstanciada na Emenda nº 011-CE, cuja apresentação ocorreu em 29/4/1999, de autoria dos Deputados José Priante, Bonifácio de Andrada, entre outros. Eis o excerto do mencionado relatório conclusivo:
Também procurando combater a morosidade da Justiça, introduzimos, como princípio de ordem processual, o direito à razoável duração do processo, fazendo aditar inciso ao art. 5º da Constituição Federal. Trata-se de direito consagrado pelas Constituições de Portugal (art. 20, n. 4) [01] e do México (art. 17) [02], tendo a AMB e a OAB sugerido sua adoção.
Ato contínuo, em 31 de maio de 2000, a Proposta é aprovada em segundo turno sob o número 96-C, de 1992.
O Projeto seguiu então para o Senado Federal onde foi protocolizado sob o número 29, de 2000. Naquela Casa foram relatores o então Senador Bernardo Cabral e o Senador José Jorge.
Ainda na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em primeiro turno, o inciso LXXVIII do dispositivo projetado chegou a ser alvo de proposta de emenda, ao que rechaçou o relator, ocasião na qual ofereceu o seguinte parecer, cujas razões transcrevemos em excerto:
Optamos pela manutenção do texto da PEC 29/2000, doutrina primeiro, e a jurisprudência, após, deverão firmar a condição de norma programática, ou não, do princípio da celeridade processual, o que, em caso afirmativo, não poderá ser qualificado como direito subjetivo público.
Com efeito, finalmente a Emenda Constitucional, cuja data era do dia 8 do respectivo mês, veio a ser promulgada pelo Congresso Nacional em 31 de dezembro de 2004.
Questionamento que surge, à essa altura, é aquele segundo o qual se indagaria o porquê da constitucionalização da matéria. A resposta é simples e direta: desconfiança diante do legislador [03]. Nossa tradição, em especial desde o advento da Constituição de 1988, é esculpir direitos em "pedra de mármore", erigindo-lhes, muitas das vezes, o status de direito fundamental, decerto para salvá-los dos casuísmos, ou do simples abandono a que são relegadas algumas leis.
3- Panorama da matéria no ordenamento jurídico positivo internacional
De salientar, que "razoável duração", também denominada sob o rótulo "prazo razoável", são locuções de que se valem textos normativos contemporâneos, v.g. a Convenção Européia pela Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 1959:
Artigo 6°. Direito a um processo eqüitativo.
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (...)
O mesmo se diga em relação ao Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, internalizado no ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992:
Art. 8º
1
De seu turno, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, de 2000, especificamente no que se refere à relação administrador-administrado, fixou o seguinte:
Artigo 41º.
Direito a uma boa administração
1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, eqüitativa e num prazo razoável.
Referido preceito foi reiterado ipsis litteris no Texto da Constituição Européia, em fase de ratificação pelos países membros, o qual, na verdade, incorporou o documento antes mencionado sob o título "PARTE II CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO", vindo a figurar no Artigo II -101.°, sob igual epígrafe "Direito a uma boa administração".
4- Da razoável duração e da celeridade processual
Após breve contextualização, inclusive no que tange à geografia jurídica [04], volvemos ao foco da análise, qual seja a aplicação do aludido comando no âmbito do processo administrativo federal. Isto sem antes fazermos brevíssimas considerações sobre o termo de difícil conceituação que se encontra encartado na disposição constitucional, qual seja "razoável duração do processo". A despeito do mencionado óbice, e estando certos de que somente a análise casuística fará com que se chegue à exata dimensão do significado do vocábulo, alinhamo-nos à simples e ao mesmo tempo brilhante definição vasada por Chaim Perelman [05]:
(...) É impossível fornecer, de uma vez por todas, o critério do razoável. Como todas as idéias vagas, esta será mais facilmente reconhecida de uma forma negativa: o acordo sobre o desarrazoado permite, por exclusão, aproximar-se do razoável.
No mesmo sentido, Placido Fernandez-Viagas Bartolome [06], apud José Rogério Lauria e Tucci, ao observar ser o termo "de índole valorativa, portanto, notoriamente imprecisa, que depende das circunstâncias do caso", e ainda:
Entretanto, mais especificamente quanto à noção de prazo razoável, segundo José Rogério Lauria e Tucci desta feita citando Jean-Pierre Marguénaud [07], a Corte Européia dos Direitos do Homem estabeleceu três critérios a sopesar as circunstâncias do caso concreto para fixar-se "o tempo razoável de duração de um determinado processo". São eles: a) da complexidade do assunto; b) do comportamento dos litigantes e de seus procuradores; e c) da atuação do órgão jurisdicional.
No que tange ao direito administrativo lusitano, a celeridade no processo é dever inscrito no art. 57 do Código do Procedimento Administrativo (Lei nº 6, de 31 de janeiro de 1996), onde se prescreveu:
Os órgãos administrativos devem providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento, quer recusando e evitando tudo o que for impertinente ou dilatório, quer ordenando e promovendo tudo o que for necessário ao seguimento do procedimento e à justa e oportuna decisão.
Logo adiante, o art. 58 do mesmo diploma legal assina prazo peremptório para a conclusão dos feitos, conforme o transcrito:
1.O procedimento deve ser concluído no prazo de 90 dias, salvo se outro decorrer da lei ou for imposto por circunstâncias excepcionais.
2.O prazo previsto no número anterior pode ser prorrogado, por um ou mais períodos, até o limite de 90 dias, mediante autorização do imediato superior hierárquico ou do órgão colegial competente.
3.A inobservância dos prazos a que se referem os números anteriores deve ser justificada pelo órgão responsável, perante o imediato superior hierárquico ou perante o órgão colegial competente, dentro dos 10 dias seguintes ao termo dos mesmos prazos.
Transcorrido pouco mais de um ano da Reforma, a doutrina nacional por intermédio do abalizado magistério de Sérgio Bermudes [08] prescreveu:
O inciso fala em "razoável duração" e em "celeridade de sua tramitação". É a celeridade da tramitação que alcança a duração razoável, ou seja, a duração necessária à conclusão do processo, sem prejuízo do direito das partes e terceiros de deduzirem as suas pretensões, mas sem delongas que retardem a prestação jurisdicional ou administrativa postulada. A celeridade da tramitação traduz-se na presteza da prática de cada ato do processo, porquanto a demora na prática de um deles repercute, negativamente, no conjunto, como acontece com a retenção de um trem num dos pontos de parada do seu percurso. Atos praticados celeremente asseguram a duração razoável, senão rápida do processo, o qual outra coisa não é, desde a etimologia, que um conjunto de atos que se sucedem para a consecução de determinado fim.
Noutra quadra, ao conceituar a chamada "Nova" Garantia Constitucional, e à guiza de crítica, Walber de Moura Agra [09], em obra coletiva, observou:
A inclusão do inciso LXXVIII no conjunto do catálogo registrado no art. 5º da CF/88, repercute não apenas uma tendência mundial de reconhecimento dessa "nova" garantia à cidadania, como também vem ao encontro do debate ao início retomado acerca do tema do "acesso à justiça", muito embora não se vincule estritamente àquilo que diz respeito à "reforma" das instituições jurídicas.
De qualquer sorte, o conteúdo dessa "nova" garantia, desde logo, não pode ficar relegado ao tratamento tradicionalmente dado àquelas normas constitucionais que reconhecem direitos e, por isso, ficam com seu caráter eficacial dependente de ações legislativas posteriores, as quais, de regra, não se apresentam ou tardam.
Ao contrário, como demonstrado acima, esta garantia dever ser percebida e executada desde logo e concretizada independetemente de qualquer atitude que lhe preencha e especifique o conteúdo. Como "garantia cidadã" é direta e imediatamente exercitável pela cidadania, como conteúdo fundante do Estado Democrático de Direito, devendo as autoridades públicas, administrativas e judiciais, porem-na em prática por todos os meios disponíveis.
Por óbvio que o sentido a ser dado à expressão "razoável duração" do processo deve ser preenchido no caso concreto, tendo como indicativo a melhor e maior realização da garantia de acesso à justiça na perspectiva de acesso a uma resposta à questão posta qualitativamente adequada e em tempo quantitativamente aceitável.
Ou seja, a busca da celeridade processual, aqui inclusa, deve ser composta com a pretensão a um tratamento adequado, o que incorpora também o direito do cidadão a uma resposta qualificada.
Tocante à natureza da norma, aspecto fulcral na matéria, o mesmo autor ainda discorreu:
A norma deste inciso LXXVIII, acrescentada agora ao art. 5º da Constituição Federal, é programática, se se quiser repetir Pontes de Miranda, ou idealista. Menos do que estabelecer uma garantia efetiva, revela um propósito, cuja realização depende da existência dos meios necessários a propiciar a celeridade dos atos processuais para alcançar a razoável duração do processo.
Se não existem meios de fazer célere o processo, o dispositivo cai no vazio, não passando de um pensamento desejoso do legislador. Num país que dispõe de menos de um terço dos juízes de que precisa, assessorados por uma infra-estrutura cartorária deficiente, agravado o quadro pela precariedade da postulação jurisdicional, não se pode esperar que um processo tenha razoável duração, nem que se encontrem meios de garantir a celeridade da tramitação dele. Mutatis mutandis, não é diferente a situação, no tocante aos processos administrativos.
Em uma primeira vista, a assertiva anteriormente esposada poderia trazer um certo espanto ao leitor. Seria de se perquerir como lograr o atingimento da plenitude eficacial deste comando, haja vista ser o mesmo qualificado como norma constitucional de conteúdo programático [10], preceitos, por infeliz praxe, tradicionalmente relegados ao plano das abstrações. Nem tanto. Na consagrada classificação de José Afonso da Silva [11] cuidam-se de normas de eficácia limitada. [12] Assim, apresentam-se como objetivos, metas a serem perseguidas pelo Estado no exercício das funções judiciais, e administrativas de todos os poderes. Nessa qualidade, não é exagerado lembrar, devem ser acima de tudo desafiadoras. Tais características, definitivamente, não podem servir de anteparo para alegações de impossibilidade na realização concreta. Ao contrário, a regra conclama a todos no sentido da melhoria constante, chegando a ser, a nosso sentir, um consectário lógico do Princípio da Eficiência – art. 37, caput, da Constituição.
Outra questão preambular seria, em face de estar a norma posicionada no art. 5º da Constituição, se aludido caráter programático implicaria um paradoxo ao comando do § 1º da mesma disposição, pela qual "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". A resposta parece-nos negativa. A norma seria efetivada na medida em que as instituições possam fazê-lo a contento [13]. De mais a mais, acreditamos que simplificações nos processos civil e administrativo [14], além de ações gerenciais localizadas - v.g. a hierarquização [15] das demandas a serem atendidas, e prioridade absoluta à atuação das ouvidorias dos órgãos públicos, já darão, por si sós, o devido suporte aos processos de melhoria, tudo isso sem grandes aportes de recursos financeiros. É de uma vez por todas chegado o tempo de o Estado se ver com os olhos do cidadão.
Ao comentar o dispositivo, Uadi Lammêgo Bulos [16], traz à colação Despacho monocrático do Ministro Celso de Mello, analisando matéria de natureza penal, no Mandado de Injunção nº 715-DF (DJ de 4/3/2005), onde comenta o seguinte acerca do inciso sub examine da Emenda nº 45, de 2004:
(...) é reflexo de um ‘pacto do Estado’, para se ter o Poder Judiciário mais rápido e republicano. Logo, o direito individual do cidadão ao julgamento dos litígios, sem demora excessiva ou dilações indevidas, é uma prerrogativa que deve ser preservada, pois constitui uma projeção da cláusula do devido processo legal (...).
A propósito, observa-se que o tema não foi, pelo menos até o momento, objeto de debates na Excelsa Corte. Ao contrário, sua aplicação parece até remansosa, não tem, enfim, ensejado polêmicas. Porém, cremos ser tal conclusão precipitada em se tratando de direito. Somente o passar do tempo confirmará, ou não, referido ponto de vista.
Alinhavadas questões preliminares, chega-se, por fim, ao processo administrativo federal. Desse modo, a Lei nº 9.784, de 1999, já no caput de seu art. 2º, enuncia, dentre os respectivos princípios informativos, o da razoabilidade ou da proibição do excesso. Tal é entendida, grosso modo, como a relação de congruência, ou compatibilidade, entre motivo e objeto. O comando aplica-se, e.g., às diligências conduzidas no desenvolvimento do processo, à apreciação do mérito e mesmo à falta de deliberação, entre outras hipóteses. Didaticamente, isso significa que os atos da Administração deverão ser justificáveis à primeira vista, ou seja, sem que para isso haja a necessidade de grandes digressões ou exercícios lógicos.
Nesse passo, a garantia constitucional de certo modo reforçou a aplicação do princípio, mas, a nosso ver, em aspecto diverso do original. Antes, a razoabilidade orientava a apreciação do próprio mérito das questões submetidas à Administração, agora também baliza a duração do processo, pois que deveremos ter em mente que a lei - e a Constituição - não contêm palavras inúteis. Na esteira dessa assertiva, se o constituinte derivado legislou, é porque a matéria carecia de que assim fosse feito. Ressalte-se, atuou onde se assenta o calcanhar de Aquiles do processo administrativo, ou seja, na observância dos prazos.
Dessarte, sob o enfoque em descortino, são de fundamental importância os artigos 24, 39, 40, 42, 43, 44, 49, 56, 57, 59, 62 e 63 da Norma. Entretanto, a Lei do Processo Administrativo federal não fixou prazo para a duração do processo como um todo, o que é um tabu e uma tradição nas normas de nosso país. Por certo que se temia, adotando medida do gênero, uma dose de intervenção além do desejável, o que, para o legislador, talvez pudesse causar a "morte" do paciente. Aliás, onde se chegou mais perto disso, foi estabelecido o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período, desde que justificadamente, para decidir, após concluída a fase de instrução do processo.
Conforme salientado anteriormente, o ponto da norma digno de crítica é aquele em que, ao contrário da lei portuguesa mencionada alhures, não há um prazo geral limitador para a tramitação. Esse, contudo, poderá ser fixado de lege ferenda [17], construído pelo intérprete e quiçá, num futuro próximo, pela jurisprudência. A brisa reformista, no entanto, vem provocando reações, mesmo que isoladas e esporádicas, na Administração Pública. Exemplo disso é o recente Ato do Diretor-Geral do Senado Federal nº 245, de 6 de fevereiro de 2006, o qual fixa prazo máximo de noventa dias para a tramitação de pedidos dos respectivos servidores. Em se tratando de servidores com 65 anos ou mais, o limite é de sessenta dias. O referido Ato contempla hipóteses de maior demora, entretanto o prazo adicional será de cinco dias, mediante justificação. É alvissareira a iniciativa, mas a crítica fica por conta do âmbito, de início restrito, do alcance da norma, haja vista que beneficia tão-só os servidores ativos e inativos daquela Casa, e não a qualquer do povo que demande, administrativamente, junto ao Senado Federal.