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Venda de coisa alheia

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2 CONTRATOS

2.1 Considerações preliminares

Passemos, então, a uma ligeira análise acerca dos contratos em geral, e, especificamente, do contrato de compra e venda. Mas, antes, entendemos importante apresentar breves considerações a respeito dos negócios jurídicos, parte do direito civil onde estão inseridos os contratos, sendo estes espécies daqueles.

2.2 Negócios jurídicos

Negócios jurídicos são, em síntese, "declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente". [56]

Os contratos são, assim, negócios jurídicos bilaterais, eis que as partes acordam sobre algo conforme suas vontades, definindo livremente, em conformidade com a lei, os efeitos desejados por ambos. Cumpre transcrever o conceito apresentado por Marcos Bernardes de Mello:

(...) negócio jurídico é o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fático consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro dos limites predeterminados e de amplitude vária, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico. [57]

É importante salientar que os negócios jurídicos são uma espécie de atos jurídicos lato sensu, que, por sua vez, estão inseridos nos fatos jurídicos. Marcos Bernardes de Mello ensina que estes últimos são aqueles acontecimentos que independem do ato humano, ou seja, são fatos da natureza, como o nascimento, a morte e o implemento da idade. [58]

Já os denominados atos jurídicos lato sensu são atos voluntários e lícitos, ou, em outras palavras, são atos resultantes da ação humana em conformidade com a ordem jurídica. Desdobra-se em atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos. Quanto a estes, já vimos seu conceito. Os primeiros são manifestações de vontade, obedientes à lei, geradoras de efeitos que nascem da própria lei. [59]

Assim, para melhor compreensão dos elementos que estudaremos mais adiante, diferenciaremos mais especificamente negócio de ato jurídico stricto sensu.

O conceito de ato jurídico lato sensu é bastante amplo, sendo que abrange o negócio jurídico, como já mencionado. O primeiro diz respeito a uma manifestação de vontade que resulte em efeitos jurídicos, enquanto o segundo restringe-se às manifestações vinculadas a resultados queridos pelos agentes. É o que se pode concluir da seguinte passagem:

O ato jurídico, tal como entendido e estruturado na sistemática do Código Civil de 1916, art. 81, também conceitualmente se funda na declaração de vontade, uma vez que, analisado em seus elementos, acusa a existência de uma emissão volitiva, em conformidade com a ordem legal, e tendente à produção de efeitos jurídicos. (...). Como, porém, a expressão ato jurídico é um valor semântico abrangente de um conceito jurídico mais amplo, compreensivo de qualquer declaração de vontade, individual ou coletiva, do particular ou do Estado, destinada à produção de efeitos, o negócio jurídico deve ser compreendido como uma espécie dentro do gênero ato jurídico. [60]

Vejamos o conteúdo do artigo mencionado no trecho acima pelo autor Caio Mário, que dispõe: "Todo ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico". [61] No Código Civil de 2002, entretanto, não há um dispositivo correspondente.

Assim ensina Norberto de Almeida Carride a respeito dos atos jurídicos:

Por seu turno, os simples atos jurídicos são ações humanas lícitas cujos efeitos, embora eventualmente – ou até normalmente – concordantes com a vontade dos seus autores, não são determinados pelo conteúdo desta vontade, mas direta e imperativamente pela lei, independentemente daquela eventual ou normal concordância. [62]

Conclui-se, portanto, que, no ato jurídico, há vontade e há, geralmente, identidade entre a vontade e as conseqüências, os efeitos. A pessoa quer aquele resultado que a lei determina, mas não pode modificar as regras legais. Já no negócio jurídico, a vontade do agente é relevante tanto na escolha de agir, como no conteúdo do negócio, ou seja, há mais autonomia, eis que as partes podem determinar os efeitos que desejam que surta o negócio para satisfazer plenamente seus interesses.

Cumpre transcrever passagem da obra de Caio Mário quando trata do negócio jurídico:

No negócio jurídico há de estar presente uma finalidade jurídica, que o distingue do ato indiferente, ou de mera submissão passiva ao preceito legal, e que é encarecido com um dos seus extremos, assente na obtenção de um resultado efetivamente querido pelo agente. [63]

Continua o autor ressaltando a importância do caráter volitivo do negócio jurídico, e fazendo menção ao princípio da autonomia da vontade, como se vê:

Detendo-nos um instante mais sobre o elemento vontade frisamos que o princípio pelo qual se lhe reconhece o poder criador de efeitos jurídicos denomina-se autonomia da vontade, que se enuncia por dizer que o indivíduo é livre de, pela declaração de sua própria vontade, em conformidade com a lei, criar direitos e contrair obrigações. [64]

2.3 Planos da existência, da validade e da eficácia

Há, de acordo com a doutrina, pressupostos de existência, de validade e de eficácia no que tange aos negócios jurídicos, como afirma Antônio Junqueira de Azevedo: "In concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide". [65]

Inicialmente, ressalta-se que há muita divergência na doutrina acerca da classificação dos pressupostos necessários para a existência, a validade e a eficácia dos negócios jurídicos. Muitos autores renomados até mesmo confundem os três planos, o que dificulta a síntese dos ensinamentos.

Vejamos, então, ligeiramente, em que consistem os planos.

O plano da existência está relacionado à entrada do ato no mundo jurídico. Nesse sentido, quando não verificados os elementos necessários, o ato não interessa ao direito, sendo chamando inexistente. Caio Mário afirma que será inexistente o negócio quando se verificar a ausência de elementos constitutivos, não chegando aquele a se formar. [66] Marcos Bernardes de Mello diz que a inexistência é o não ser. [67]

O plano da validade diz respeito à perfeição do ato, ao preenchimento dos requisitos necessários para que o ato seja válido. Isso pressupõe que o ato passou pelo plano da existência, ou seja, o ato existe juridicamente.

Os ensinamentos de Antônio Junqueira de Azevedo, no que concerne ao plano da validade, são os seguintes:

A validade é, pois, a qualidade que o negócio deve ter ao entrar no mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as regras jurídicas (‘ser regular’). Validade é, como o sufixo da palavra indica, qualidade de um negócio jurídico existente. ‘Válido’ é adjetivo com que se qualifica o negócio jurídico formado de acordo com as regras jurídicas. [68]

Por último, o plano da eficácia refere-se à produção de efeitos do ato, o que também pressupõe a existência do mesmo, mas não necessariamente a sua validade, como explicaremos em momento oportuno. O autor supra citado assim se manifesta:

O terceiro e último plano em que a mente humana deve projetar o negócio jurídico para examiná-lo é o plano da eficácia. Nesse plano, não se trata, naturalmente, de toda e qualquer possível eficácia prática do negócio, mas sim, tão-só, da sua eficácia jurídica e, especialmente, da sua eficácia própria ou típica, isto é, da eficácia referente aos efeitos manifestados como queridos. [69]

Em outra passagem, esclarece o doutrinador:

De fato, muitos negócios, para a produção de seus efeitos, necessitam dos fatores de eficácia, entendida a palavra fatores como algo extrínseco ao negócio, algo que dele não participa, que não o integra, mas contribui para a obtenção do resultado visado. [70]

Assim, "Plano da existência, plano da validade e plano da eficácia são os três planos nos quais a mente humana deve sucessivamente examinar o negócio jurídico, a fim de verificar se ele obtém plena realização". [71]

2.4 Elementos

A doutrina clássica aponta a presença de três níveis de apreciação quanto aos elementos dos negócios. Neste passo, há elementos essenciais, elementos naturais e elementos acidentais, da mesma forma como ensinavam os jurisconsultos romanos. [72]

Nesta esteira, Washington de Barros Monteiro, o qual não diferencia ato de negócio jurídico, afirma que os elementos essenciais são aqueles sem os quais o ato não existe juridicamente, enquanto os naturais são as conseqüências que decorrem da natureza do ato por determinação legal, e os acidentais "são cláusulas acessórias, que se juntam ao ato para modificar-lhe algum dos elementos naturais". [73]

Vejamos o que diz o mesmo autor com relação aos elementos essenciais:

Os elementos essenciais subdividem-se em gerais e particulares. Os primeiros são comuns a todos os atos, enquanto os segundos peculiares a determinadas espécies.

Os elementos essenciais, comuns à generalidade dos atos jurídicos, dizem respeito às pessoas que intervêm no ato, ao objeto deste e ao consentimento dos interessados. [74]

Destaca o doutrinador, ainda, que a causa, o fim visado pelo agente, também deve ser considerada um elemento essencial geral, pois é parte integrante do ato de vontade. Afirma, por fim, que os elementos essenciais particulares referem-se à forma do ato, que é meio de revelação da vontade. Salienta que em muitos atos a forma é essencial, casos em que, não observada a forma prescrita em lei, nulo será o ato. [75]

Eduardo Espínola, outro clássico que não trabalha com os diferentes conceitos de ato e negócio jurídico, só faz menção a elementos essenciais e acidentais. Dentre os primeiros ele enquadra a capacidade do agente, a declaração de vontade (consentimento) e o conteúdo jurídico. Quanto aos elementos acidentais, são desta natureza, segundo o autor e a maior parte da doutrina estudada, a condição, o termo e o modo. [76]

Cumpre transcrever alguns trechos do autor no que se refere aos elementos essenciais que aponta:

(...) a capacidade é a regra, porque a personalidade suppõe um poder de vontade capaz de estabelecer relações juridicas. Mas essa presumpção desapparece deante de certas cousas, que naturalmente excluem a plenitude da vontade, ou deante dos limites estabelecidos pela ordem juridica, ora no interesse da propria pessoa, ora no interesse geral. D´ahi o estado excepcional de incapacidade nas duas formas sob que se apresenta: natural e legal. (sic) [77]

No que tange à declaração de vontade, assim se posiciona Eduardo Espínola:

Se a declaração da vontade se destina a fazer apparecer exteriormente a vontade interna, para lhe attribuir valor juridico, é claro que, para esse effeito, tem ella sempre necessidade de uma forma, sob a qual se manifeste. (sic) [78]

Por último, vejamos o que o autor menciona a respeito do conteúdo jurídico:

O effeito que se quer obter com o acto, diz Brugi, deve ser consentido pela ordem juridica. Todo acto juridico deve ter uma causa, correspondente á figura consagrada no instituto a que pertence. (sic) [79]

Caio Mário, assim como Eduardo Espínola, faz referência apenas aos elementos essenciais e aos acidentais, afirmando, a respeito dos primeiros, que "Para que receba do ordenamento jurídico conhecimento pleno, e produza todos os efeitos, é de mister que o negócio jurídico revista certos requisitos que dizem respeito à pessoa do agente, ao objeto da relação e à forma da emissão de vontade". [80] Importante mencionar que Caio Mário utiliza o termo requisitos fazendo referência aos três planos jurídicos, diferentemente da nomenclatura apresentada por Antônio Junqueira de Azevedo, o qual restringe este termo ao plano da validade, como veremos mais especificamente em outra oportunidade.

Destaca-se a seguinte passagem:

O negócio jurídico deve, pois, e em resumo, conter os requisitos sem os quais não prevalece. São eles chamados elementos essenciais (essentialia negotii), porque a sua presença é fundamental. Afora eles, outros podem surgir eventualmente, os quais, por sua natureza, alinham-se, como elementos acidentais, não determinados pela lei, mas introduzidos pela vontade das partes, com o objetivo de modificar o tipo abstrato de negócio jurídico, e compor a espécie concreta. [81]

Ruggiero entende que os negócios jurídicos em abstrato exigem dois elementos fundamentais: uma declaração de vontade e o próprio fim ou causa do negócio. Além destes, indispensáveis a todos negócios jurídicos, há os chamados elementos essenciais, naturais e acidentais, reiteradamente mencionados neste capítulo. Ruggiero ensina que estes são elementos particulares de cada negócio, diferenciando-o dos demais. [82]

Os elementos essenciais constituem a essência do negócio jurídico, sendo indispensáveis para que o mesmo se constitua. Com relação a estes, afirma o doutrinador que "a sua importância está no fato de, diante dêles (sic), parar a livre autonomia do cidadão; nenhum dêles (sic) podia ser excluído, sob pena de se impedir a constituição do negócio". [83]

No que tange aos elementos naturais, assim se manifesta o autor:

Naturais são os que correspondem à natureza típica do negócio, os que são conformes com a sua índole, os que o próprio ordenamento refere e exige, ainda quando as partes não os tenham incluído, como, por exemplo na venda, a garantia da evicção, pela qual responde qualquer vendedor. Permite-se, porém, às partes excluir ou modificar à sua vontade êsse (sic) elemento, visto não ser requisito nem da existência, nem da validade do negócio. [84]

Vejamos o que ensina Ruggiero a respeito dos elementos acidentais do negócio jurídico:

Acidentais são aquêles (sic) que são introduzidos pela vontade das partes (visto o negócio ser susceptível disso) e que tendem a modificar o tipo abstrato na espécie concreta a que se dá vida. São em número infinito, mas há três que têm principalmente importância (...): a condição, o termo e o modo. [85]

Para finalizar, destacamos o que diz Pontes de Miranda com relação aos elementos dos negócios jurídicos, os quais ele divide em conformidade com a doutrina clássica. Primeiramente, transcrevem-se passagens explicativas dos elementos essenciais:

No suporte fático do negócio jurídico, há elementos volitivos e elementos não-volitivos. Os elementos volitivos, sem os quais seria insuficiente o suporte fático, são os essentialia negotii. Na compra-e-venda, por exemplo, os dois acôrdos sôbre a coisa e o preço; (...).

Sem os essentialia negotii, o negócio não seria jurídico (= não entraria no mundo jurídico), ou seria outro negócio jurídico que não aquêle, a respeito do qual se procedeu à discriminação do essencial e do acidental. (sic) [86]

Quanto aos elementos naturais, assim se manifesta o doutrinador:

Quando se põe no suporte fático do negócio jurídico, que se quer, exatamente aquilo que a lei estatui, cogente ou dispositivamente (ex lege), chama-se a tal duplo naturale negotii. Os naturalia negotii sòmente podem ter os efeitos que a incidência da lei teria e tem: são superfluïdades, explicitações, que nem sempre são escusadas, pela possível variação da doutrina ou da jurisprudência quanto ao texto legal duplicado pelo naturale negotii. (sic) [87]

Finalmente, quanto aos elementos acidentais, são os seguintes os ensinamentos do autor:

Accidentalia negotii são a parte (=elementos) volitiva do suporte fático que não está prevista na regra jurídica e, pois, poderia, ou não, ser manifestada. (...).

Todos os accidentalia negotii são franjas ao tipo legal: não o deixam tal como se concebeu no texto legal; põem-lhe algo ao lado, ou em continuação, ou em lugar de regras jurídicas dispositivas. O que aos accidentalia negotii é vedado é irem contra regras jurídicas cogentes impositivas ou proibitivas. [88]

A despeito da grande divergência doutrinária demonstrada, entendemos necessário apresentar a classificação de Antônio Junqueira de Azevedo, à qual nos filiamos, eis que, apesar de seguir um raciocínio diferenciado dos demais analisados, parece-nos mais didático.

Buscaremos, então, fazer uma diferenciação entre os fatos, atos e negócios jurídicos, com base no plano da existência, seguindo os ensinamentos do recém mencionado doutrinador, com o intuito de facilitar o entendimento.

Antônio Junqueira de Azevedo apresenta uma análise dos elementos não só do negócio jurídico, mas também relativamente aos atos e fatos jurídicos, que são categorias mais abstratas, uma vez que o termo fatos jurídicos abrange atos, que, por sua vez, abrange negócios, como já vimos. Cada uma destas categorias possui certos pressupostos de existência, ou seja, quanto mais se restringir o grau de abstração, mais elementos de existência serão indispensáveis. [89]

São esclarecedoras as palavras de Antônio Junqueira de Azevedo ao fazer referência aos elementos de existência dos fatos jurídicos: "Se o fato jurídico é um fato do mundo real sobre o qual a norma jurídica incide, torna-se de intuitiva evidência que não há fato jurídico sem data e sem lugar". [90] Assim, vê-se que são pressupostos de existência dos fatos jurídicos tempo e lugar.

No que tange aos atos jurídicos, estes não existem sem um agente, ou seja, pessoa com possibilidade de agir, de praticar atos jurídicos. Ressalta-se, ainda, que, sendo os atos espécies de fatos jurídicos, os elementos tempo e lugar também se constituem elementos dos primeiros, sendo inconcebível pensar-se em atos sem estes três pressupostos. [91]

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Por derradeiro, os negócios jurídicos exigem para sua existência, além dos elementos tempo, lugar e agente, outros três elementos: circunstâncias negociais, forma e objeto. Estes são os elementos chamados por Antônio Junqueira de Azevedo de gerais, eis que, diminuindo-se ainda mais o grau de abstração, mais elementos serão necessários, os denominados categoriais (próprios de cada tipo de negócio, como da compra e venda ou do testamento, por exemplo), que se subdividem em essenciais e naturais, e os elementos particulares (existentes em um negócio determinado, mas não comuns a todos negócios daquele tipo). [92]

Em suma, há elementos gerais extrínsecos, elementos gerais intrínsecos, elementos categoriais essenciais, elementos categoriais naturais, e elementos particulares. Vejamos mais especificamente o que significa cada um deles.

Os elementos gerais são aqueles necessários e suficientes para a existência dos negócios jurídicos em abstrato. Os extrínsecos são também chamados pressupostos, pois existem antes de o negócio ser feito; são os elementos dos fatos (lugar e tempo) e atos (agente) jurídicos. [93]

Já os elementos gerais intrínsecos, também chamados constitutivos, dizem respeito aos negócios jurídicos em abstrato, a todos negócios jurídicos. São eles: forma, objeto e circunstâncias negociais.

Por sua vez, os elementos categoriais, aqueles próprios de cada categoria e que resultam da lei e não da vontade das partes, subdividem-se em essenciais e naturais. Resta cristalina a abrangência destes elementos da leitura da seguinte passagem da obra de Antônio Junqueira de Azevedo:

A doutrina tradicional romanística estava absolutamente certa, portanto, quando, com base nas fontes romanas, distinguia, em cada tipo de negócio, os elementos essenciais e os naturais. Afinal, não se havia, ainda, chegado à categoria mais abstrata (negócio jurídico); o que havia eram tipos de negócios. Ora, realmente, cada tipo de negócio tem elementos que lhe caracterizam a essência (essentialia negotii) e elementos que resultam de sua natureza, sem que, porém, se afastados pela vontade das partes, o negócio mude de figura (naturalia negotii). Os primeiros são inderrogáveis, no sentido de que, se derrogados, já não teremos aquele negócio, enquanto os segundos são derrogáveis, no sentido de que, mesmo repelidos pelas partes, seu regime jurídico continuará o mesmo (logo, quanto a estes elementos, há, para as partes, uma situação de ônus de se manifestar, se quiserem afastá-los). [94]

Assim, na compra e venda, por exemplo, elementos essenciais são a coisa, o preço e o consentimento, enquanto elementos naturais são a responsabilidade pela evicção e pelos vícios redibitórios, dentre outros. Analisaremos os elementos da compra e venda no capítulo em que tratarmos deste negócio especificamente.

Finalmente, elementos particulares são aqueles apostos pelas partes voluntariamente. São cláusulas que visam limitar as conseqüências legais do negócio, e que, para tanto, dependem da manifestação das partes. Correspondem aos denominados pela doutrina tradicional de elementos acidentais. Segundo Antônio Junqueira de Azevedo, são em número ilimitado, dos quais são exemplos a condição, o termo e o encargo. [95]

No plano da existência, assim como nos outros dois, é preciso examinar três pressupostos, como supra referido, quais sejam, de acordo com a classificação de Antônio Junqueira de Azevedo: forma, objeto e circunstâncias negociais. Na ausência de qualquer destes elementos, o negócio não existe. Ressalta-se, novamente, que, sendo o negócio um ato jurídico, deve conter um agente, e, sendo um fato jurídico, deve apresentar os elementos tempo e lugar.

O negócio existe quando entra no mundo jurídico. Caio Mário ensina que "Negócio jurídico inexistente é aquele a que falta um pressuposto material de sua constituição". [96]

Pode-se dizer, portanto, que não existe o negócio quando não há um daqueles elementos – forma, objeto e circunstâncias negociais –, sendo irrelevante o ato para o universo jurídico. Salienta-se, entretanto, que não se pode confundir a inexistência com a defeituosidade, eis que esta acarreta invalidade ou ineficácia, que estão em outros planos, jamais inexistência.

Caio Mário lembra, ainda, que o ato inexistente não precisa ser assim declarado, pois é vazio de conteúdo, não chegando sequer a se constituir. Ele não produz efeitos, independentemente de um pronunciamento de inexistência. [97]

Salienta-se, novamente, que, apesar de não haver uma unanimidade doutrinária com relação aos elementos do negócio jurídico, continuaremos fazendo a análise com base nos ensinamentos de Antônio Junqueira de Azevedo. Passemos, então, a uma breve apreciação a respeito dos elementos constitutivos mencionados.

Inicialmente, atenta-se para a nomenclatura a ser utilizada, haja vista que, a despeito de grande divergência doutrinária, entendemos ser mais adequados os termos elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia, de acordo com a classificação apresentada pelo autor recém mencionado. Vejamos o mesmo:

(...) que elemento é tudo aquilo de que algo mais complexo se compõe (pense-se nos elementos simples, ou puros, da química), que, por outro lado, requisitos (de requirere, requerer, exigir) são condições, exigências, que devem satisfazer para preencher certos fins, e, finalmente, que fatores é tudo que concorre para determinado resultado, sem propriamente dele fazer parte (...).

Elementos, requisitos e fatores de eficácia são respectivamente os caracteres de que necessita o negócio jurídico para existir, valer e ser eficaz. [98]

Os pressupostos de existência, de validade e de eficácia, como reiteradamente demonstrado, são a forma, o objeto e as circunstâncias negociais, partindo-se da idéia de que estão preenchidos os elementos gerais extrínsecos, ou seja, há lugar, tempo e agente. Todos estes elementos devem ser analisados em cada um dos planos, pois pode acontecer de um negócio existir, mas não ser válido nem eficaz, ou existir, não ser válido, mas ser eficaz, por exemplo. Vejamos o que ensina Marcos Bernardes de Mello:

Na análise das vicissitudes por que podem passar os fatos jurídicos, no entanto, é possível encontrar situações em que o ato jurídico (negócio jurídico e ato jurídico stricto sensu) (a) existe, é válido e é eficaz (casamento de homem e mulher capazes, sem impedimentos dirimentes, realizado perante autoridade competente), (b) existe, é válido e é ineficaz (testamento de pessoa capaz, feito com observância das formalidades legais, antes da ocorrência da morte do testador), (c) existe, é inválido e é eficaz (casamento putativo, negócio jurídico anulável, antes da declaração de anulabilidade), (d) existe, é inválido e é ineficaz (doação feita, pessoalmente, por pessoas absolutamente incapazes) (...). [99]

Passemos então a uma ligeira conceituação de cada um dos pressupostos apresentados na classificação de Antônio Junqueira de Azevedo, para depois, no capítulo dedicado ao contrato de compra e venda, analisarmos mais profundamente os pressupostos exigidos para esta espécie de negócio.

As circunstâncias negociais são um conjunto de circunstâncias que permite que a declaração seja entendida socialmente como apta a produzir os efeitos jurídicos esperados. As circunstâncias negociais estão relacionadas à vontade de declarar, ou seja, à consciência do agente de que está se manifestando no sentido de produzir determinados efeitos jurídicos, e esta declaração deve ser assim entendida socialmente. Vejamos o que diz Antônio Junqueira de Azevedo:

Ele [100] consiste exatamente naquele conjunto de circunstâncias que formam uma espécie de esquema, ou padrão cultural, que entra a fazer parte do negócio e faz com que a declaração seja vista socialmente como dirigida à criação de efeitos jurídicos (isto é, como ato produtivo de relações jurídicas).

As ‘circunstâncias negociais’ são, pois, um modelo cultural de atitude, o qual, em dado momento, em determinada sociedade, faz com que certos atos sejam vistos como dirigidos à produção de efeitos jurídicos. [101]

No que tange à forma, é muito simples uma explanação. Alude à maneira como é expressada a vontade do agente. Salienta-se, assim, que qualquer declaração de vontade tem uma forma, do que se pode concluir que não há negócio sem forma.

Não são todos negócios, entretanto, que exigem forma específica, determinada em lei, como se vê do seguinte segmento:

A forma poderá ser oral, escrita, mímica, consistir no próprio silêncio, ou, ainda, em atos dos quais se deduz a declaração de vontade.

(...). Que haja negócios com forma prescrita em lei e negócios com forma livre, é questão que diz respeito ao plano da validade; aqui, porém, no plano da existência, importa é não fazer a confusão elementar de entender que somente os negócios com forma prescrita é que têm forma, sem se dar conta de que todos eles, inclusive os de forma livre, hão de ter uma forma, do contrário, inexistiriam (plano da existência). [102]

O último dos três elementos citados por Antônio Junqueira de Azevedo como constitutivos dos negócios jurídicos é o objeto, que consiste no conteúdo do negócio. Por ser a declaração volitiva tendente a alcançar efeitos jurídicos a principal característica dos negócios, percebe-se que o objeto será determinado, fundamentalmente, pelos agentes.

Destaca o autor que o objeto do negócio abarca todos "aqueles elementos que, na ordem decrescente de abstração, colocam-se abaixo dos elementos gerais de negócio jurídico (...)". Estão compreendidos no conteúdo, assim, os elementos categoriais inderrogáveis ou essenciais, os elementos categoriais derrogáveis ou naturais, e os elementos particulares. [103]

Analisados os denominados elementos gerais intrínsecos dos negócios jurídicos, estudaremos a seguir o contrato de compra e venda, os pressupostos dos contratos em geral nos planos da existência, da validade e da eficácia, e os elementos essenciais do contrato de compra e venda, para, então, finalmente, chegarmos à figura da venda de coisa alheia.

2.5 Contrato de compra e venda

A compra e venda é a espécie de contrato mais comum e mais importante economicamente. O Código Civil vigente repetiu o dispositivo do diploma de 1916, dizendo que "Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e, o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro". [104]

Como se vê, o Código determina que o contrato faz nascer a obrigação para que o vendedor entregue a coisa e para que o comprador pague o preço, mas não exige a efetiva entrega e o pagamento. Estes fazem parte da execução contratual, que é posterior à formação.

Caio Mário tece breves considerações acerca da natureza puramente obrigacional do contrato de compra e venda, esclarecendo as peculiaridades do sistema adotado no Brasil. Cumpre transcrever o seguinte trecho:

Com fundamento no direito positivo (Código Civil, art. 481), podemos definir: compra e venda é o contrato em que uma pessoa (vendedor) se obriga a transferir a outra pessoa (comprador) o domínio de uma coisa corpórea ou incorpórea, mediante o pagamento de certo preço em dinheiro ou valor fiduciário correspondente. Desta noção fazemos ressaltar, desde logo, o ponto essencial, que marca a posição do nosso direito: o caráter meramente obrigatório do contrato. Seguindo, como se vê, a tradição romana, e fiel à nossa determinação histórica, a compra e venda não opera, segundo o nosso Código, a transmissão do domínio. (...).

Para o direito brasileiro, portanto, o contrato por si só é inábil a gerar a translação da propriedade, embora seja dela uma causa determinante. É mister a realização de um daqueles atos a que a lei reconhece efeito translatício: a tradição da res vendita, se se tratar de coisa móvel; ou a inscrição do título aquisitivo no registro, se for imóvel o seu objeto. [105]

Nota-se que o contrato em análise tem como enfoque central o consenso, o acordo de vontades visando a determinado fim. Com efeito, o contrato está perfeito e acabado com o acordo de vontade dos contratantes, independentemente da entrega do bem ou do pagamento do preço.

A referida natureza obrigacional deste negócio jurídico tornar-se-á mais evidente quando analisarmos, a seguir, seus requisitos.

2.6 Pressupostos de existência, validade e eficácia dos contratos

Resta imperativo, agora, fazermos uma apreciação acerca dos elementos exigidos para a existência, a validade e a eficácia dos contratos em geral, para, após a análise dos elementos essenciais do contrato de compra e venda, chegarmos a um esclarecimento relativamente à possibilidade da venda de coisa alheia, conteúdo do capítulo seguinte.

Não obstante termos apresentado a classificação de Antônio Junqueira de Azevedo quanto aos elementos dos negócios jurídicos em geral, aqui nos apoiaremos nos ensinamentos de Serpa Lopes, o qual possui uma visão que se aproxima da prestada por aquele autor. Justifica-se esta preferência pelo motivo de que a categorização de Serpa Lopes é mais esclarecedora se examinarmos juntamente com as disposições do Código Civil vigente (bem como do Código Civil de 1916).

Este doutrinador separa, primeiramente, os requisitos do contrato do conteúdo do mesmo – ressalta-se que, aqui, estamos nos referindo aos contratos em geral. Nos requisitos do contrato estão englobados os elementos constitutivos e os elementos integrativos, enquanto no conteúdo encontramos os já mencionados elementos essenciais, naturais e acidentais. Nas palavras do autor: "Elementos constitutivos são todos aquêles (sic) sem os quais a própria existência do contrato não ocorreria, enquanto que os integrantes são os indispensáveis à validade do contrato". [106]

Assim, elementos constitutivos, necessários à existência do contrato, são: a presença de duas ou mais pessoas, consentimento e objeto que forme a matéria do que se contratou. Já os elementos integrantes, exigidos para a validade do contrato, são: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não proibida em lei. [107]

Salienta-se que estes requisitos de validade são os que encontramos no Código Civil em vigor, no artigo 104, que tem como correspondente no Código Civil de 1916 o artigo 82. Dispõe o artigo 104 que a validade do negócio jurídico requer agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. [108]

Cumpre ressaltar que Serpa Lopes utiliza a expressão requisitos para se referir aos planos da existência (elementos constitutivos) e da validade (elementos integrantes), diferentemente da classificação utilizada por Antônio Junqueira de Azevedo, o qual separa os elementos de existência dos requisitos de validade e dos fatores de eficácia. Serpa Lopes divide o estudo entre os requisitos e o conteúdo do contrato, como mencionado anteriormente.

Destaca-se trecho esclarecedor da obra de Serpa Lopes, no que diz respeito aos requisitos dos planos da existência e da validade:

A diferença entre os elementos constitutivos e integrantes consiste em que, enquanto nestes se exige um agente capaz, nos primeiros cogita-se da presença real das partes contratantes; assim, se o agente atuou realmente mas era um incapaz, temos a vulneração de um elemento integrante acarretando uma nulidade absoluta ou relativa, consoante o caso; mas, se o apontado no contrato como contratante jamais manifestou o seu consentimento, por não ter nêle (sic) intervindo, há um caso de inexistência, ausência de um elemento constitutivo, pois diz respeito ao próprio elemento subjetivo sem o qual o contrato não pode existir. [109]

Os chamados elementos essenciais, naturais e acidentais, que fazem parte do conteúdo do contrato, são aqueles reiteradamente mencionados quando apreciamos os elementos dos negócios jurídicos, e que dependem da categoria contratual a ser estudada.

É possível fazer uma equiparação entre as classificações oferecidas por Serpa Lopes e Antônio Junqueira de Azevedo, eis que ambos fazem referência aos requisitos exigidos por cada categoria contratual, apenas diferenciando-se quanto à nomenclatura utilizada relativamente àqueles elementos apostos pelas partes, quais sejam, acidentais para o primeiro e particulares na denominação do segundo.

Da mesma forma, os dois autores têm visões análogas no que tange aos requisitos do contrato (para Serpa Lopes) ou elementos gerais (para Antônio Junqueira de Azevedo), como referido no início deste capítulo. Seguiremos com apoio na categorização de Serpa Lopes. Necessário se faz, assim, analisarmos brevemente os requisitos do contrato (em sentido amplo), para, posteriormente, nos aprofundarmos no conteúdo do contrato de compra e venda.

2.6.1 Plano da existência

Para existir, ou seja, para entrar no mundo jurídico, o contrato precisa, sucintamente, de pessoas que consintam a respeito de um objeto. Não se examina, aqui, se as pessoas têm capacidade, se o consentimento foi válido, ou se o objeto é lícito, pois estamos ainda no plano da existência. "É inexistente o contrato a que faltam os elementos configurativos, de tal modo que se lhe não pode atribuir relevância jurídica. Carece do mínimo para ser um ato negocial". [110]

Parece importante referir algumas considerações acerca do consentimento, haja vista que diversos doutrinadores revelam grande interesse quando tratam do assunto, arrolando-o como elemento necessário à formação do negócio, o que se conclui do que afirma Pontes de Miranda: "A manifestação de vontade é elemento essencial do suporte fático, que é o negócio; com a entrada dêsse (sic) no mundo jurídico, tem-se o negócio jurídico". [111]

Arnoldo Wald é conciso ao ensinar que "O consenso é o acordo de vontades entre os contratantes, podendo ser expresso (escrito ou verbal) ou tácito, decorrendo de palavras ou do silêncio da parte, de um gesto, como o lance feito em leilão, ou de uma atitude pela qual o contratante dá início à execução do contrato provando assim a sua intenção de cumpri-lo". [112]

Ruggiero dá ênfase ao aspecto interno da vontade, atentando para o fato de que a pessoa deve externalizar sua vontade para que surta os devidos efeitos legais. Parece-nos pertinente a transcrição da seguinte passagem:

Antes de mais nada é preciso que exista uma vontade interna, devendo tratar-se de uma vontade séria, que provenha de pessoa capaz, não podendo se basear um negócio jurídico em uma determinação feita de brincadeira ou por uma criança. Mas enquanto se conserva interna, a vontade não opera no mundo jurídico; deve passar para o exterior, exteriorizando-se por modo visível. [113]

As palavras de Orlando Gomes completam o conceito de consentimento, ressaltando que a vontade declarada deve estar em consonância com o querer intrínseco, bem como deve ser livre de vícios, como se vê no trecho subseqüente:

Para o consentimento ser perfeito, não basta que a vontade de celebrar o contrato seja livre e séria. Inexiste propósito de contratar in abstrato. A declaração de vontade há de ser emitida em correspondência ao conteúdo do contrato que o declarante tem em vista, atento ao fim que o move a contratar. Muitas vezes ocorre divergência entre a vontade real e a declarada. Quando se origina de certa causa, diz-se que o consentimento é viciado. São vícios do consentimento o erro, o dolo e a coação. [114]

2.6.2 Plano da validade

Passando ao plano da validade, deve-se examinar se os elementos preenchem os requisitos necessários para que o contrato seja válido, ou seja: se o agente é capaz; se o objeto é lícito, possível e determinado ou determinável; e se a forma é prescrita ou não defesa em lei. Marcos Bernardes de Mello ensina que "Diz-se válido o ato jurídico cujo suporte fático é perfeito, isto é, os seus elementos nucleares não têm qualquer deficiência invalidante (...). Validade, no que concerne a ato jurídico, é sinônimo de perfeição, pois significa a sua plena consonância com o ordenamento jurídico". [115] Parece-nos importante, destarte, examinar cada um dos requisitos de validade dos contratos.

A capacidade do agente refere-se à possibilidade de agir, à aptidão das pessoas para contrair obrigações. Assim se manifesta Serpa Lopes: "a capacidade é a que se considera em sua realidade objetiva, isto é, em relação aos elementos físicos e psíquicos pelos quais, no juízo dos experimentados, a vontade de uma dada pessoa pode ser julgada madura e normal, apta, assim, a produzir os efeitos para os quais tende". [116]

Sílvio Rodrigues destaca o fato de que determinadas pessoas são protegidas pela lei por não terem pleno discernimento quanto a seus atos. "Trata-se de pessoas que não atingiram um grau adequado de maturidade ou que, em virtude de moléstia ou de alguma limitação pessoal, não podem cuidar eficazmente de seus próprios interesses". Essas pessoas não têm liberdade para contratar, dependendo da atuação de representante ou assistente, conforme a incapacidade, se é absoluta ou relativa. [117]

Importante referir que o artigo 166 do Código Civil arrola os casos em que é considerado nulo o negócio jurídico, mencionando, dentre outras, a hipótese em que o contrato é celebrado por pessoa absolutamente incapaz. Ressalta-se, ainda, que o artigo 169 do mesmo diploma legal estabelece que: "O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo". [118]

Correlatamente, o artigo 171, inciso I, do Código Civil, destaca que é anulável o negócio jurídico por incapacidade relativa do agente. Salienta-se, entretanto, que os negócios anuláveis são passíveis de confirmação pelas partes, desde que se respeitando direitos de terceiros, como dispõe o artigo 172. [119]

Ao lado da capacidade, é necessário o exame da legitimação, exigência que está relacionada com o que se pode chamar de aptidão específica para a prática de determinado ato, e que pode tornar uma pessoa incapaz para aquele negócio específico. [120]

Orlando Gomes esclarece o assunto, afirmando que a falta de legitimação se dá quando "Pessoa plenamente capaz de exercer os atos da vida civil vê-se proibida de praticar alguns em virtude da posição em que se encontra relativamente a seu objeto". [121]

Exemplos da falta de legitimação são a venda de ascendente a descendente e o condômino que não pode vender seu quinhão de coisa indivisível a terceiros.

Passemos, então, à análise do segundo requisito de validade do negócio: objeto lícito, possível e determinado ou determinável, em conformidade com o Código Civil vigente, como já vimos. Importante mencionar, todavia, que o Código Civil de 1916 exigia apenas que o objeto fosse lícito.

A este respeito, transcrevem-se extratos da obra de Sílvio de Salvo Venosa:

O objeto sobre o qual repousa a vontade dos contratantes deve ser determinado. (...). Por vezes, o objeto não é determinado no nascimento do contrato, mas deve ser determinável em seu curso. (...).

O objeto e as prestações de um contrato devem ser possíveis. Essa possibilidade tanto deve ser física como jurídica. A impossibilidade jurídica encontra obstáculo no ordenamento. É impossível, por exemplo, contratar a importação de coisa proibida pela lei. A impossibilidade é física quando o contratante não tem as condições de realizá-la. Não podemos, por exemplo, contratar uma pessoa muda para cantar. (...).

O objeto do contrato deve ser lícito. Não pode contrariar a lei e os bons costumes. (...).

Costumamos colocar ao lado dos bons costumes a ordem pública. Também não pode ser admitido pelo ordenamento um contrato que a contrarie. A ordem pública supõe um conflito entre os interesses do Estado e os interesses dos indivíduos. São de ordem pública aquelas disposições legais que não podem deixar de ser obedecidas pelas partes. [122]

Em suma, o objeto deve ser conforme a moral, deve estar de acordo com as leis da natureza e com as regras jurídicas, e, ainda, deve ser determinado ou passível de determinação.

Finalmente, a validade dos contratos depende, além das exigências relativas à capacidade dos agentes e ao objeto, de forma prescrita ou não vedada em lei.

Sabe-se que a regra é no sentido de que a forma seja livre, isto é, não há forma prescrita em lei a ser seguida para que os contratos tenham validade. Porém, "Se a lei exige ou, contrariamente, proíbe determinada forma, o desrespeito a essa exigência ou proibição implica nulidade do ato jurídico". [123]

O mesmo ensina Pontes de Miranda, ressaltando que, excepcionalmente, a falta de forma adequada pode resultar na ineficácia do negócio ou ainda, excepcionalmente, na sua inexistência. Segundo este doutrinador:

Antes de ter forma, o ato não é, para o direito; não existe. Mas, em se tratando de forma especial, pública, legal ou voluntàriamente (sic) exigida, ou de forma escrita, legal, a sanção é a nulidade, e não a inexistência. (...) A execução dos negócios jurídicos não sana a nulidade por forma, como outra qualquer: é conseqüência necessária do conceito de nulidade; nem há convalescença. (...) Às vezes, por defeito de forma, a sanção é de inexistência. [124]

Como exemplo de inexistência do negócio por defeito de forma, o autor cita uma doação verbal de bem imóvel. Explica que, quando a lei considera a forma elemento essencial para que o suporte fático seja suficiente, a falta de forma adequada torna o negócio inexistente. [125]

Para finalizar, Arnoldo Wald sintetiza: "(...) embora geralmente os contratos não tenham formas solenes, algumas vezes há necessidade de escritura pública (...) ou de documento escrito (...). Quando, todavia, não há exigência legal, quanto à forma, pode o contrato tanto ser verbal como escrito, realizando-se por documento particular ou público". [126]

Analisados os requisitos dos contratos, tanto os elementos constitutivos (de existência) como os integrantes (de validade), passemos agora ao estudo do conteúdo do contrato de compra e venda, ou seja, seus elementos essenciais, naturais e acidentais, com ênfase nos primeiros. Antes, porém, parece-nos importante apresentar algumas considerações a respeito da eficácia do contrato de compra e venda.

2.6.3 Plano da eficácia

O plano da eficácia refere-se aos efeitos resultantes do contrato, ou seja, via de regra, o negócio existe e é válido. Marcos Bernardes de Mello ensina que "Ineficácia jurídica é possível definir como a inaptidão, temporária ou permanente, do fato jurídico para irradiar os efeitos próprios e finais que a norma jurídica lhe imputa". [127]

Antônio Junqueira de Azevedo destaca que podem ocorrer duas situações excepcionais, quais sejam, a eficácia do nulo e a ineficácia do válido. [128] A primeira hipótese não se mostra de grande relevância para o nosso trabalho, pois, como demonstraremos mais adiante, a venda de coisa alheia não apresenta problemas no plano da validade. Por outro lado, a segunda hipótese é exatamente a que ocorre na venda a non domino, pois, apesar de preenchidos os requisitos de validade, na opinião da maioria dos autores pesquisados, o negócio não é eficaz.

Vale lembrar que o Código Civil estabelece, em seu artigo 1.268, § 1º, que a tradição de coisa que não pertence ao vendedor é considerada realizada se este adquire depois a propriedade. Cumpre ressaltar que, neste caso, o negócio até poderia estar produzindo efeitos entre as partes contratantes, mas seria ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário, o qual poderia buscar seu bem do adquirente ou de quem ilegitimamente o detivesse.

Analisaremos melhor os problemas da eficácia no próximo capítulo, quando explicitarmos os diferentes posicionamentos doutrinários a respeito da venda de coisa alheia.

Cumpre salientar, por hora, que a nulidade e a anulabilidade da venda a non domino, sustentadas por alguns doutrinadores, encontram-se no plano da validade, diferentemente da ineficácia em sentido estrito, como bem ensina Antônio Junqueira de Azevedo: "Portanto temos: (...) no plano da validade, o negócio válido e o negócio inválido (subdividido em nulo e anulável); e, no plano da eficácia, o negócio eficaz e o negócio ineficaz em sentido restrito". [129]

É importante mencionar que o negócio anulável produz efeitos temporariamente, pois, se anulado, deixará de produzi-los e, se ratificado, passará a ser válido. Marcos Bernardes de Mello afirma que "Em geral, o ato jurídico precisa ser válido para ser eficaz; não, contudo, essencialmente. O ato jurídico inválido, quando anulável, produz todos os seus efeitos até que sejam (ato e efeitos) desconstituídos por sentença judicial". [130] Já o nulo não produz efeitos, com exceção de raras hipóteses.

Por sua vez, o negócio ineficaz em sentido estrito é válido, ou seja, o problema encontra-se especificamente no plano da eficácia, mais precisamente nos efeitos resultantes do negócio. Se for ineficaz, significa que os efeitos manifestados como queridos pelas partes contratantes não foram alcançados. Mas, por ser um negócio existente e válido, é perfeitamente possível que se corrija eventual falha, tornando o negócio eficaz.

Antônio Junqueira de Azevedo apresenta a seguinte classificação quanto aos fatores de eficácia:

(...): a) os fatores de atribuição da eficácia em geral, que são aqueles sem os quais o ato praticamente nenhum efeito produz; (...); b) os fatores de atribuição da eficácia diretamente visada, que são aqueles indispensáveis para que um negócio, que já é de algum modo eficaz entre as partes, venha a produzir exatamente os efeitos por ele visados; (...); c) os fatores de atribuição de eficácia mais extensa, que são aqueles indispensáveis para que um negócio, já com plena eficácia, inclusive produzindo exatamente os efeitos visados, dilate seu campo de atuação, tornando-se oponível a terceiros ou, até mesmo, erga omnes; [131]

O autor explica que os negócios sob condição suspensiva enquadram-se nos casos de fatores de atribuição da eficácia em geral, pois até o advento do evento esperado o negócio praticamente não produz efeitos. [132]

No que tange aos fatores de atribuição da eficácia diretamente visada, Antônio Junqueira de Azevedo diz que grande parte dos casos de ilegitimidade do agente está aí incluída, enquanto que nos fatores de atribuição de eficácia mais extensa enquadram-se as medidas de publicidade. [133]

Veremos no capítulo 3 como se classifica a venda de coisa alheia.

2.7 Elementos essenciais do contrato de compra e venda

Orlando Gomes é claro e direto ao tratar do assunto, afirmando:

Três são os elementos essenciais da compra e venda: res, pretium et consensus. Quer-se significar com isso que está perfeito e acabado quando se verifica, quanto à coisa e ao preço, o consentimento. Os dois primeiros constituem o objeto do contrato. [134]

Continua o autor, esclarecendo que, na compra e venda, basta o consentimento para que o contrato esteja perfeito e acabado. A entrega da coisa, a transferência do objeto, não é requisito para sua formação, como referido anteriormente. [135]

Cumpre mencionar que o consentimento, a coisa e o preço são citados pela totalidade da doutrina pesquisada (como Serpa Lopes [136], Eduardo Espínola [137], Arnoldo Wald [138], Washington de Barros Monteiro [139], Caio Mário [140], Sílvio de Salvo Venosa [141], Orlando Gomes [142], Arnaldo Rizzardo [143], Antônio Junqueira de Azevedo [144] e José Lopes [145]) como os elementos essenciais para a formação do contrato em apreço.

Salienta-se, entretanto, que alguns autores fazem referência à forma, como Eduardo Espínola e Arnaldo Rizzardo, os quais destacam este elemento especialmente quanto aos contratos que envolvam bens imóveis, assim ensinando o segundo autor:

O contrato de compra e venda, em princípio, não se submete a uma forma determinada; é livre o modo por que as partes o constituam; pode ser realizado verbalmente, sem qualquer formalidade.

Mas o princípio perde grande parte de sua eficácia, quando se consideram os meios de prova da existência do contrato.

Além disso, quanto às vendas dos bens imóveis, a regra, pode dizer-se é inversa, porquanto até o insignificante número dos que dispensam a escritura pública depende do instrumento particular, necessário para a transcrição.

E não só: há também coisas móveis cuja transferência requer formalidades de vária natureza. [146]

Caio Mário faz a seguinte observação:

(...) não consideramos a forma como elemento da compra e venda. Se é certo que em alguns casos, como nas vendas imobiliárias ou nas de certos móveis, há necessidade de atender ao requisito formal, não retira, entretanto, ao contrato de compra e venda, genérico caráter consensual. Os seus elementos, para nós, são aqueles que se encontram em todos os contratos da espécie – res, pretium et consensus. [147]

Resta claro, portanto, que o contrato de compra e venda está perfeito a acabado quando os contratantes chegam a um consenso com relação ao objeto da venda e ao preço. [148] É possível concluir, assim, que o consentimento é o ponto central desta espécie contratual, além de ser um requisito de existência de todos negócios jurídicos.

No que concerne ao preço, não há observações relevantes a serem feitas. Ademais, suas especificidades não geram influência na venda de coisa alheia. Todavia, faremos alguns esclarecimentos.

O preço deve ser determinado ou determinável, em dinheiro, e não se admite valor irrisório. Serpa Lopes diz que "O preço deve ser certo, isto é, determinado ou pelo menos determinável. A sua determinação é, de regra, feita pelas próprias partes contratantes no ato de contratar, podendo mesmo encontrarem-se no contrato elementos susceptíveis de estabelecê-lo". [149]

Em consonância com esse entendimento, manifesta-se Arnoldo Wald, destacando a característica da pecuniariedade: "O preço é fixado necessariamente em dinheiro, devendo ser determinado ou determinável, mas admitindo-se que dependa de cotação em Bolsa no dia da entrega da mercadoria ou de fixação por terceiro, não podendo todavia depender de uma das partes contratantes (...)". [150]

Para finalizar, transcreve-se trecho da obra de Serpa Lopes em que o autor faz referência à seriedade do preço: "(...) exige-se que o preço seja sério, verdadeiro, real, isto é, um preço que não denuncie a simulação". [151]

Feitas estas breves considerações, importante discorrer mais profundamente a respeito da res, elemento que está diretamente relacionado ao ponto central do presente trabalho.

A regra geral é que podem ser objeto da compra e venda todas as coisas que estiverem no comércio, sejam corpóreas ou incorpóreas. Nas palavras de José Lopes: "Todas as coisas que estão in commercium podem ser objeto de venda. As coisas fora do comércio são as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis". [152]

Caio Mário faz referência a bens corpóreos e incorpóreos, exemplificando aqueles como os imóveis, móveis materiais e semoventes, e os últimos como os valores cotados em Bolsa, os direitos de invenção, os autorais, os créditos e etc.. [153]

Pode ser objeto de contrato de compra e venda, portanto, qualquer bem, desde que não seja inalienável por força de lei, como o bem de família, ou de ato jurídico, como as coisas inalienáveis em virtude de contrato ou de testamento. [154]

Sílvio de Salvo Venosa menciona que, para um contrato ter plena validade, o objeto deve ser determinado ou determinável, possível e lícito. Cumpre transcrever a seguinte passagem, na qual o autor explica o requisito da possibilidade e finaliza com esclarecimento a respeito da venda de coisa alheia:

Essa possibilidade tanto deve ser física como jurídica. A impossibilidade jurídica encontra obstáculo no ordenamento. É impossível, por exemplo, contratar a importação de coisa proibida pela lei. A impossibilidade é física quando o contratante não tem as condições de realizá-la. Não podemos, por exemplo, contratar uma pessoa muda para cantar. A possibilidade, tanto física como jurídica, deve ser examinada em cada contrato. (...) O descumprimento do contrato e suas conseqüências, em razão da impossibilidade, poderá gerar ou não o dever de indenizar, dependendo se era ela previsível ou conhecida (portanto, com a ocorrência de culpa), ou não (quando se estaciona na força maior ou caso fortuito). No caso concreto e no exame da prova, são aferidas as conseqüências. Em geral, se a impossibilidade se manifesta após a conclusão do contrato, impossibilidade jurídica ou material, não haverá culpa de qualquer dos contratantes. A inalienabilidade, o objeto fora do comércio, torna-o inidôneo como conteúdo do contrato. A possibilidade no contrato deve ser vista sob o prisma da comerciabilidade, da alienabilidade dos objetos. Assim, não se torna nulo um contrato apenas porque o objeto se constitui de coisas futuras, litigiosas ou alheias, se tais aspectos foram conhecidos dos contratantes. [155]

Arnaldo Rizzardo estabelece as seguintes exigências em relação à coisa: que seja individuada, determinada ou determinável; que exista ou possa vir a existir; e que se encontre no comércio. Com relação a este último requisito, esclarece o autor que "não há contrato quando o objeto é impossível, o que pode ocorrer por duas razões: ou porque o objeto está fora do comércio, ou porque é inatingível". [156] Afirma o autor que:

A impossibilidade classifica-se em natural ou física, e jurídica. Na primeira, o que se promete ou vende nunca existiu, ou não existe mais. É jurídica quando concerne ao que não se permite seja contratado. Írrito torna-se o negócio porque impossível o objeto. Não se autoriza seja constituído por não trazer resultado algum, como na transferência de propriedade imobiliária a quem já consta no registro ser proprietário. [157]

Eduardo Espínola também faz referência às condições que deve ter a coisa para que possa constituir objeto de compra e venda, quais sejam: estar individualizada, determinada ou determinável; existir ou poder vir a existir; estar no comércio; e poder transferir-se ao comprador. São, basicamente, as mesmas condições mencionadas por Arnaldo Rizzardo, somando apenas a última aqui referida, da transferibilidade. [158]

O autor não insere a coisa alheia dentre as hipóteses de coisas inalienáveis (fora do comércio), fazendo referência apenas no tocante à impossibilidade de transferência ao comprador, ensinando: "O direito pátrio, como tantos outros, admite a possibilidade de dispor de coisa que, no momento do ato, se encontre no domínio de terceiro". Conclui afirmando: "Entram em jogo a possibilidade de vir o vendedor a tornar-se proprietário da coisa, e a garantia fornecida ao comprador para o caso de evicção". [159]

Por sua vez, Caio Mário estabelece as seguintes qualidades fundamentais quanto ao objeto, como requisitos de perfeição do contrato: existência, individuação, disponibilidade e possibilidade de transferência ao comprador. [160] Vejamos as considerações feitas pelo supra referido autor no que tange à disponibilidade:

Para que haja compra e venda, a coisa há de ser disponível ou estar no comércio. Em caso contrário, compra e venda não haverá, porque a sua inalienabilidade impossibilita a transmissão ao comprador. (...).

A indisponibilidade pode ser natural, quando a coisa é insuscetível de apropriamento ou dominação pelo homem; ou legal, quando a coisa, assenhoreável por natureza, está fora do comércio por imposição da lei; ou ainda voluntária, quando resulta de uma declaração de vontade por ato entre vivos (doação) ou causa mortis (testamento). Sempre que a coisa for inalienável, o contrato de compra e venda não pode tê-la por objeto, sob pena de ineficácia. [161]

Observa-se que a venda de coisa alheia não se enquadra nas hipóteses de indisponibilidade referidas por Caio Mário.

Ressalta-se, ainda, que o autor afirma que, em caso de indisponibilidade do objeto, não haverá compra e venda por impossibilidade de transferência ao comprador. Ocorre que, como já discorrido neste trabalho, sabe-se que a transferência não é requisito para a perfectibilização do contrato de compra e venda, o qual está perfeito e acabado com o consentimento das partes acerca do objeto e do preço.

Verifica-se, assim, estreita relação do tema deste trabalho com o último requisito apontado por Caio Mário, qual seja, a possibilidade de transferência ao comprador, como já explicitado anteriormente. O autor menciona duas hipóteses em que não será possível a transferência, quais sejam: quando o bem já pertence ao próprio comprador, e quando a coisa não pertence ao vendedor, mas a terceiro. Esta segunda situação, como se vê, é o caso da denominada venda de coisa alheia. [162]

Constata-se, portanto, que, independentemente da nomenclatura utilizada por cada doutrinador, a venda de coisa alheia não preenche as condições necessárias para a plena eficácia do contrato firmado entre as partes – ao menos no momento do acordo de vontades – eis que a coisa não poderá ser entregue, dependendo de posterior aquisição do bem pelo alienante para transferi-lo ao comprador.

Pode-se concluir, assim, que a venda de coisa alheia não preenche o requisito da transferibilidade, de acordo com a classificação apresentada por Caio Mário e Eduardo Espínola, dentre outros.

Ressalta-se, porém, que há autores que não fazem referência a estas qualidades específicas, alguns utilizam nomenclatura diferenciada para tratar dos mesmos requisitos, bem como há, ainda, diferentes posicionamentos quanto à existência dos mesmos.

Todavia, adotamos o posicionamento de Caio Mário, que nos parece mais razoável e adequado à realidade, pois, na venda de coisa alheia, o objeto existe, é determinado e pode estar disponível, sendo apenas impossível de ser transferido, eis que o vendedor não tem o domínio sobre ele.

Feitas estas ponderações a respeito dos elementos essenciais da compra e venda, cumpre mencionar que existem ainda os denominados elementos naturais e acidentais. Estes, porém, não requerem profundas considerações.

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Sobre a autora
Ana Carolina Garcez de Azevedo

advogada em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZEVEDO, Ana Carolina Garcez. Venda de coisa alheia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1083, 19 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8525. Acesso em: 29 mar. 2024.

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