AVERBAÇÃO DE PROTESTO NO REGISTRO DE IMÓVEIS E EMBARGOS DE TERCEIRO
Rogério Tadeu Romano
I - REsp 1.758.858 – SP.
Segundo o site do STJ, em 8 de setembro do corrente ano, ainda que se admita o registro de protesto contra a alienação de bens na matrícula do imóvel, para dar publicidade ao fato de que alguém pode ter direitos sobre ele, a decisão judicial que autoriza o protesto não produz, de forma concreta, efeitos positivos ou negativos sobre direitos de terceiros interessados.
Por isso, na hipótese de protesto contra a alienação de imóvel, não são cabíveis embargos de terceiro para contestar o lançamento da informação no registro imobiliário, por ausência de um de seus pressupostos básicos: a determinação judicial de apreensão do bem.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que rejeitou embargos de terceiro opostos com o objetivo de cancelar protesto contra a alienação de um imóvel. Os embargos foram apresentados por uma empresa sob a alegação de que o protesto a impedia de registrar o bem em seu nome.
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a recusa de registrar o imóvel em nome da empresa está no âmbito da atuação do oficial do cartório e não decorre da decisão judicial que deferiu o pedido de averbação do protesto na matrícula imobiliária – mero ato de publicidade "que não afeta a posse ou a propriedade de terceiro alheio ao procedimento". Segundo a ministra, a decisão sobre o protesto não configura apreensão judicial passível de ser reformada por meio de embargos de terceiro.
O juiz de primeira instância extinguiu os embargos, sob o fundamento de ausência de interesse processual no seu ajuizamento. A sentença foi mantida pelo TJSP.
A decisão foi tomada no bojo do REsp 1.758.858 – SP.
II – O PROTESTO
Quando uma pessoa simplesmente pretende revelar sua intenção para ressalvar e conservar direitos seus, diz-se que faz um protesto.
O protesto que se faz, manifestando intenção de modo formal, para prevenir responsabilidades, prover a conservação e ressalva de direitos, não se confunde com o protesto cambiário, que tem a finalidade de provar a recusa de aceite e falta de pagamento.
Diversas são a notificação e a interpelação. Se a pessoa pretende exortar a outra a que faça ou deixe de fazer alguma coisa sob pena de contra ela surgirem consequências ou de se tomarem medidas que lhe possam ser prejudiciais, faz-se uma notificação. Quando a cientificação da pessoa tem o objetivo de constituir a outra em mora, faz-se uma interpelação.
O protesto, a notificação e a interpelação eram, no Código de Processo Civil de 1973, tratados no processo cautelar, mas a prevenção que revelam informa simples consequências de direito material, sem prestar cautela propriamente dita a nenhum processo instaurado ou a instaurar.
Disse Ovídio B. Batista da Silva(As Ações Cautelares e o Novo Processo Civil, 2ª edição, n.85, pág. 178), à luz do CPC de 1973, que “malgrado ter o Código regulado o seu procedimento no Livro III, o certo é que o protesto, a notificação e a interpelação são procedimentos não contenciosos, meramente conservativos de direitos, que não podem ser incluídos, tecnicamente, entre as medidas cautelares”.
Não atuam para preservar o processo do periculum in mora, nem servem especificamente para assegurar eficácia e utilidade a outro processo.
Disse Pontes de Miranda(Comentários ao Código de Processo Civil, v.IX, pág. 160):
“Tanto o processo protestativo, quanto o notificativo e interpelativo são produtivos de efeitos jurídicos no plano do direito material, raramente no processual. Às vezes, a sua falta produz efeitos; mas a construção de cada caso depende do direito material que fez ser preciso ou facultado o protesto, a notificação ou a interpelação. De regra, são formas de exteriorização de vontade, ou de representação ou ideia(emissão perante autoridade), porém são negócios judiciais, muito embora se subordinem às normas de direito material, relativas às declarações de vontade em geral e às de capacidade processual”.
O protesto revela mera revelação de intenções e de vontade, não vinculando seus destinatários em nenhuma lide cautelar.
São atos de simples integração administrativa que se feitos em juízo se revelam como atos de procedimento de jurisdição voluntária.
Na lição de Humberto Theodoro Jr.( Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, 49ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 668), “o protesto não acrescenta nem diminui direitos do promovente”, porquanto “apenas conserva ou preserva direitos porventura preexistentes”, de forma que “não tem feição de litígio e é essencialmente unilateral em seu procedimento”, razão pela qual “o outro interessado apenas recebe ciência dele”.
Ainda Humberto Theodoro Júnior(obra citada, volume II, 22ª edição, pág. 518) lembrou que “é o protesto, portanto, ato judicial de comprovação ou documentação de intenção do promovente. Revela-se, por meio dele, o propósito do agente de fazer atuar no mundo jurídico uma pretensão, geralmente, de ordem substancial ou material.
A finalidade do protesto é:
- Prevenir responsabilidade;
- Prover a conservação de seus direitos;
- Prover a ressalva de seus direitos.
Jorge Americano(Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil, volume III, 2ª edição, pág. 110) dizia que o protesto não acrescenta nem diminui direitos ao promovente. Apenas conserva ou preserva direitos porventura preexistentes. Não tem feição de litígio e é essencialmente unilateral em seu procedimento. O outro interessado apenas recebe ciência dele.
Lembre-se que, nos casos de protesto contra alienação de bens imóveis é comum pretender-se sua averbação no Registro Imobiliário.
No assunto, o TJSP(Ap.276.495, in RT 523/119), na interpretação da Lei de Registros Públicos(Lei nº 6.015/73), acentuou que essa norma não previa tal modalidade de averbação, não a tolerou, por entender ser evidente o seu propósito de molestar, embaraçar e coagir o requerido, sem amparo de lei.
Ensinou Pontes de Miranda(Comentários ao código de processo civil, vol. XII. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 317-318) que “os efeitos [...] estão vinculados à vontade do protestante na inicial declarada, visando constituir o fato do protesto para a prova da sua intenção, ou para a conservação de algo”.
III – EMBARGOS DE TERCEIRO
Diversa é a ação de embargos de terceiro.
Havendo penhora que envolva bem de terceiro em execução de que não é parte, cabe ao terceiro falar na ação de embargos de terceiros. Alguém que tem um bem que hipotecado ou penhorado tem interesse de agir nesse tipo de ação. O credor hipotecário quando não for intimado em ação promovida em que o bem em questão é penhorado poderá ajuizar tal ação.
Embargos de terceiro se constituem numa ação típica através da qual alguém se defende de uma turbação ou de um esbulho na posse de seus bens em consequência de litígio que lhe é estranho
É ação de conhecimento, constitutiva negativa, de procedimento especial sumário, cuja finalidade é livrar o bem ou direito de posse ou propriedade de terceiro da constrição judicial que lhe foi injustamente imposta em processo de que não faz parte. O embargante pretende ou obter a liberação (manutenção ou reintegração na posse), ou evitar a alienação de bem ou direito indevidamente constrito ou ameaçado de o ser constrito, como dizem Nelson Néry Júnior e Rosa Maria Andrade (Código de processo civil comentado e Legislação Extravagante, 2004, pág. 1286). Porém, por ser um procedimento especial, a ação de embargos de terceiro consubstancia-se numa figura complexa, como preleciona Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, 2002, p. 278):
“Há, entre eles, uma natural carga declaratória, em torno da ilegitimidade do ato executivo impugnado. Há, também, um notável peso constitutivo, pois, reconhecido o direito do embargante, revogado terá de ser o ato judicial que atingiu ou ameaçou atingir seus bens. Há, enfim, uma carga de executividade igualmente intensa, porquanto a atividade jurisdicional não se limita a declarar e constituir. Vai além e, tão logo reconhecido o direito do embargante, atos materiais do juízo são postos em prática para liberar o bem constrito e pô-lo novamente sob a posse e disponibilidade efetivas do terceiro. A atividade material – característica dos procedimentos executivos lato sensu, como o da ação de despejo e dos interditos possessórios – está presente nos embargos de terceiro, já que, independentemente de uma posterior actio iudicati, medidas concretas de efetivação do comando jurisdicional em prol do embargante são atuadas de imediato, até mesmo em caráter liminar (art. 1.051).”.
É pressuposto dos embargos de terceiro a existência de um ato de constrição judicial sobre o bem que o terceiro alega ser possuidor ou proprietário.
O STJ entendeu que a recusa do registro do imóvel no nome da recorrente é efeito da atuação do oficial cartorário e não do deferimento do pedido de averbação do protesto na matrícula do imóvel, que é mero ato de publicidade do protesto e que não afeta a posse ou a propriedade de terceiro alheio ao procedimento, e que não configura apreensão judicial que possa, sequer em tese, ser reformada por meio de eventual julgamento de procedência dos embargos de terceiro. Inexistência de interesse processual por ausência do binômio utilidade-adequação.
IV – A FALTA DE INTERESSE DE AGIR
Haveria, pois, falta de interesse de agir da parte do recorrente.
Falemos do interesse de agir como uma das condições da ação.
A doutrina considera que para o exercício do direito de ação é mister o preenchimento das condições da ação. Isso é necessário para que o Judiciário julgue o mérito (pedido, pretensão, lide) que é pretendido.
Na teoria trazida por Liebman as condições de ação se concentravam: na legitimidade ad causam, no interesse de agir e na possibilidade do pedido.
Segundo Carnelutti (Sistema de direito processual civil) “o interesse traduz-se numa utilidade ou vantagem que pode ser encontrada em alguma coisa”, portanto, o interesse de agir como condição da ação será “agir perante o judiciário”, ou seja, receber a obrigação, ou à pretensão, pelos meios consagrados pela prestação jurisdicional avocada pelo Estado.
Para identificação do interesse de agir devemos fazer a seguinte pergunta: o pedido é útil, necessário e adequado? Assim para a verificação desta condição da ação devem estar presentes o trinômio, utilidade (que se traduz na relevância da prestação jurisdicional, haverá aproveitamento desta prestação?); necessidade (imprescindibilidade da via jurisdicional, ou seja, por outros meios poderiam ser obtidos os mesmo resultados práticos?); e adequação (há correspondência da via de ação eleita com o pedido formulado?). Assim o interesse de agir, condição da ação, advém da necessidade de obter através do processo(instrumento) a proteção do seu interesse através de via adequada, que revela a utilidade do provimento proposto.
Volto a lembrar o julgamento do REsp 1.758.858 – SP.
Observo o que foi dito naquele julgado:
‘Segundo o caput do art. 870 do CPC/73, confere-se publicidade ao protesto, em regra, com a intimação dos interessados por meio de editais, cuja publicação marca o fim do procedimento, nos termos do art. 872 do código revogado.
Todavia, em relação ao protesto contra a alienação de bens imóveis, esta e. Corte dirimiu divergência jurisprudencial quanto à possibilidade de averbação do protesto no registro imobiliário, com o fim de dar efetiva publicidade do protesto aos interessados na aquisição do referido bem imóvel. Após um primeiro momento em que preponderava o entendimento de que o protesto contra a alienação de bens deveria ser divulgado, no máximo, com a publicação de editais – já que a averbação no registro imobiliário “pode ensejar dificuldade para a realização de eventual negócio” (REsp 73.662/MG, Terceira Turma, DJ 23/06/1997) –, prevaleceu, no âmbito da Corte Especial, uma segunda vertente, segundo a qual o meio realmente eficaz de propiciar o conhecimento de terceiros é a averbação no registro de imóveis.
Conforme essa segunda orientação, a finalidade da lei de dar publicidade à manifestação de vontade do promovente nem sempre seria alcançada com a simples publicação de editais, o que poderia acarretar ao comprador prejuízos com a desconstituição do ato de alienação de bens imóveis.
A respeito do tema, ressaltou o e. Min. Eduardo Ribeiro, por ocasião do julgamento do REsp 78.038/SE, que:
A razão de ser da publicação de editais está em que é necessário dar ciência do protesto a terceiros. Isso porque eventual alienação do bem poderá vir a ser desconstituída. Ora, se assim é, há que se ter em conta que o meio realmente eficaz de tornar o fato conhecido de possíveis adquirentes é o lançamento no Registro de Imóveis.
É sabido que a publicação de editais freqüentemente não alcança o objetivo de dar ciência a todos os interessados, ensejando que o comprador do bem venha a ser seriamente prejudicado com o posterior desfazimento do ato. (REsp 78.038/SE, Terceira Turma, DJ 31/05/1999, sem destaque no original). Predominou, assim, ao final, o entendimento de que a publicidade do protesto contra a alienação de bens imóveis poderia ser mais bem eficazmente realizada com sua averbação na matrícula do imóvel.”
Nos autos dos EREsp 440.837/RS, que consolidou o entendimento da Corte Especial em relação ao tema, o voto condutor, proferido pelo. Min. Barros Monteiro, também destacava que “a averbação não agride direito algum dos ora embargantes, uma vez que, ante o princípio da publicidade, tem ela por escopo dar conhecimento a terceiros interessados do protesto deferido, visando com isso proteger o adquirente de boa-fé” (EREsp 440.837/RS, Corte Especial, DJ 28/05/2007).
A averbação do protesto contra a alienação de bens na matrícula do imóvel não cumpre outro propósito senão o de dar a efetiva publicidade da manifestação de vontade do promovente, sem diminuir ou acrescentar direitos das partes interessadas, ou tampouco constituir efetivo óbice à negociação ou à escrituração da compra e venda.
Reproduzo as conclusões no acórdão noticiado:
“Com efeito, infere-se que o fator preponderante para o ajuizamento da presente ação foi a recusa do 2º Oficial de Registro de Imóvel de São Paulo/SP em efetivar o registro da escritura de compra e venda com pacto adjeto de hipoteca na matrícula do imóvel. Como os embargos de terceiro destinam-se à desconstituição de uma apreensão judicial de um bem, observa-se, de um exame puramente abstrato dos fatos narrados à inicial, que os embargos de terceiro não são o procedimento adequado à satisfação da pretensão do recorrente –, que é a de obter o registro da escritura da compra e venda do imóvel em questão –, eis que ausente o pressuposto essencial de seu cabimento; qual seja, a indevida apreensão judicial do bem.”
A ação de embargos de terceiro, para o caso, é remédio inadequado para desconstruir o protesto noticiado.
Em sendo inadequado o remédio processual ajuizado há evidente carência de ação, com extinção do processo sem julgamento do mérito.