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Comissões parlamentares de inquérito:

a estrutura deficitária e o peso da verdade nas intervenções do Supremo Tribunal Federal

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02/07/2006 às 00:00
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RESUMO

A presente monografia, em seu primeiro capítulo, visa a estudar aspectos mais técnicos referentes às Comissões Parlamentares de Inquérito, sua estrutura formal e os casos que concentram boa parte da atuação do Supremo Tribunal Federal. Os capítulos seguintes trabalham questões sócio-jurídicas, principalmente a forma com que a palavra – ou sua ausência – é interpretada. A problemática central está na interpretação social conferida às ingerências do judiciário no âmbito parlamentar e na utilização da mídia para manipular tal interpretação ainda mais latente em ano eleitoral. Assim, a análise deste trabalho consiste no estudo das relações entre o judiciário – Supremo Tribunal Federal -, Comissões Parlamentares de Inquérito e imprensa.


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho tem como objetivo traçar um panorama da atual estrutura das Comissões Parlamentares de Inquérito, apontar suas principais deficiências e, principalmente, analisar a ingerência do Supremo Tribunal Federal sobre os atos nelas praticados, assim como o impacto das decisões judiciais, tanto nos procedimentos investigatórios quanto na mídia e na sociedade.

O escorço histórico da política brasileira é extremamente vasto no que tange a casos de corrupção. Desde os tempos em que a nação era dominada pela coroa portuguesa, desvio de verbas e tráfico de influência eram práticas recorrentes, não são novidades dos dias atuais. Neste ínterim, devemos ressaltar que a crença quase utópica da sociedade brasileira de que o governo em exercício seria diferente não foi o bastante para mudar o rumo político que o precedeu.

Falta ao povo brasileiro, além de conhecimento, consciência sobre o curso das comissões parlamentares de inquérito. A sociedade espera das CPI’s resultados imediatistas e, quase sempre, fora da abrangência de efeitos gerados pelo procedimento. Em suma, o que se espera de uma CPI está além do que se pode fazer naquele âmbito, talvez pelo costume reforçado por inúmeros governos em apresentar soluções em curto prazo para as mais diversas situações.

O Supremo Tribunal Federal funciona não só como regulador dos atos ilegais praticados nas CPI’s: também tem como objetivo precípuo a guarda da constituição pátria e, no caso deste trabalho, será analisado o dever de garantir direitos fundamentais geralmente envolvidos pelo procedimento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Valendo-nos da bibliografia recomendada, resta interessante traçar um paralelo entre as horas de depoimento, ao estresse a que são submetidos os depoentes, informantes e indiciados nas CPI’s, com o texto "A tradição inquisitorial", escrito por Roberto Kant de Lima. Ressaltar, baseado no texto de Hannah Arendt "A mentira na política", a práxis política brasileira de falsear a verdade, o impacto sobre a sociedade e suas mais diversas conseqüências. Além disso, estabelecer, a partir da obra de Michel Foucault "A ordem do discurso" os oportunismos gerados nas CPI’s, os efeitos de cada discurso, tanto dos depoentes quanto dos inquisidores.

No primeiro capítulo, analisaremos aspectos mais técnicos referentes às Comissões Parlamentares de Inquérito, como sua abrangência e limitações e, também, os casos mais freqüentes de atuação do Supremo Tribunal Federal no que tange aos procedimentos daquele âmbito. Nos capítulos seguintes o foco será sócio-jurídico, onde estudaremos as nuances do inquérito parlamentar enquanto poderoso instrumento de campanha, valendo-se da divulgação feita pela imprensa, dos métodos utilizados para obtenção do que convier aos parlamentares nas horas de depoimento e declarações, a imparcialidade da Suprema Corte nas decisões que envolvem Comissões Parlamentares de Inquérito e sua difícil relação com a mídia.

Portanto, o alvo deste trabalho tem foco na análise dos aspectos legais e sociológicos que envolvem as comissões parlamentares de inquérito, desde a desatualizada lei 1.579/52 até os bastidores despercebidos pelo público geral e que retratam os reais motivos que impulsionam as investigações; a rede de trocas operada entre os parlamentares que aquece e interfere em cada depoimento; as intervenções do Supremo Tribunal Federal e, finalmente, o quociente de verdade e sua validade nas relações sociais, melhor ainda, nos eleitores.


2 ABRANGÊNCIA E LIMITAÇÕES DA CPI E CONTROLE DO STF

(...) Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambau. Dirão que é inútil, todo mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal. E eu direi: ‘Não admito, minha esperança é imortal, e eu repito: imortal’. Sei que não dá pra mudar o começo, mas se a gente quiser vai dar pra mudar o final.

Elisa Lucinda

2.1 Poderes da comissão parlamentar de inquérito

A constituição federal, em seu art. 58, §3º, conferiu às Comissões Parlamentares de Inquérito poderes de investigação próprios de autoridade judiciais para que sejam apurados fatos determinados e por prazo certo desde que o requerimento seja feito por pelo menos um terço dos parlamentares.

Conferir à investigação parlamentar poderes inerentes ao judiciário garante funcionalidade, vez que a autonomia das comissões implica em celeridade dos trabalhos de apuração dos fatos. Requerer ao Poder Judiciário autorização para todos os atos possíveis no âmbito inquisitorial parlamentar daria margem à impetração de mandados de segurança, dentre outros remédios constitucionais, com intuito de protelar o procedimento, que dificilmente terminaria dentro do prazo previsto em lei.

Em matéria publicada na revista Consulex de 15/10/2005, sob o título As lições jurídicas das CPIs (ano IX, nº 210), o jurista Léo da Silva Alves aponta como primeira lição a natureza híbrida da Comissão Parlamentar de Inquérito, que reúne procedimentos típicos de inquérito e, também, próprios de processo.

Ressalte-se que, apesar dos poderes investigatórios característicos da jurisdição, o Poder Judiciário não resta excluído do procedimento, vez que estabelece extensão e limites aos poderes investigatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito e que ao legislativo não cabe condenar ou responsabilizar de forma definitiva. Cabe, ainda, exclusivamente ao judiciário, Supremo Tribunal Federal, no caso, a defesa de garantias fundamentais asseguradas pela constituição. (SANTOS, 2004, p. 175)

Neste sentido, temos o relatório do Ministro Paulo Brossard no habeas corpus 71.039/RJ:

A Comissão Parlamentar de Inquérito se destina a apurar fatos relacionados com a administração (Constituição, art. 49, X), com a finalidade de conhecer situações que possam ou devam ser disciplinadas por lei, ou ainda para verificar efeitos de determinada legislação, sua excelência, inocuidade ou nocividade. Não se destina a apurar crimes nem a puni-los, da competência dos Poderes Executivo e Judiciário; entretanto, se, no curso de investigação, vem a deparar fato criminoso, dele dará ciência ao Ministério Público, para os fins de direito, como qualquer autoridade, e mesmo qualquer do povo. Constituição, artigo 58, §3º, in fine.

Conforme o exposto, a intervenção do judiciário ocorre, além de outras situações, quando as Comissões Parlamentares de Inquérito deparam-se com fato criminoso ou quando os envolvidos requerem, junto ao Supremo Tribunal Federal, a manutenção das garantias conferidas pelo diploma constitucional.

2.1.1 Limitações formais

Os poderes de uma CPI, por mais amplos que sejam, devem observar os direitos fundamentais constitucionais, principalmente no que tange à dignidade humana e cidadania. Apesar de atividade condicionada à situação jurídica concreta, a atuação do Poder Judiciário faz-se necessária não só para proteger tais garantias, estabelecer limites e abrangência das investigações, mas condenar e responsabilizar definitivamente com base no conjunto probatório formado durante a CPI e apresentado pelo Ministério Público.

As limitações formais estão expressas no art. 58, §3º da Constituição Federal, e versam sobre os requisitos da investigação parlamentar, são facilmente percebidos por serem específicos do procedimento, vejamos o que dispõe o artigo citado:

As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se dor o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil e criminal dos infratores.

Em apertada síntese, temos que a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito é efetivada após o recolhimento das assinaturas mínimas necessárias e do pedido de abertura apresentado à mesa diretora, que o lê em plenário. Ressalte-se que, para funcionar, faz-se necessário, ainda, que os partidos que têm representatividade na Casa indiquem os membros para a comissão. Da instauração temos o início da chamada fase inquisitorial ou investigativa, formalizada pelo relatório final, base para que o Ministério Público ofereça denúncia.

A respeito do quorum estabelecido constitucionalmente, devemos salientar que o mínimo estabelecido em um terço favorece as minorias, que independem da vontade dos grandes partidos para promover a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, tal benesse consta da Carta Magna desde 1946. Segundo os arts. 102, §4º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e 244 do Regimento Interno do Senado Federal o número de assinaturas deve ser de um terço até a apresentação em mesa ou publicação do pedido de instauração, respectivamente. Ressalte-se que um terço implica no número inteiro seguinte quando aquele não for exato, ora, número inteiro abaixo não alcançaria o terço constitucional.

A Constituição Federal garante, ainda, a proporcionalidade partidária, princípio gerado a partir do pluralismo político e da atuação em nível nacional dos partidos, obrigando as constituições estaduais e leis orgânicas municipais e distrital a adotarem o mesmo raciocínio. Vejamos o disposto no art. 58, §1º: "Na constituição das Mesas e de cada comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa". A não observância deste princípio pode acarretar a invalidação dos trabalhos, seja pela própria Casa legislativa ou judicialmente.

Outro benefício concedido às minorias partidárias, vez que a proporcionalidade deve ocorrer não só durante a criação da CPI, mas durante a fase inquisitorial, consiste na obrigatoriedade de rodízio entre bancadas. Determinado partido que não tenha participado de Comissão Parlamentar de Inquérito anterior terá sua inserção na seguinte, obstando a predominância de partidos de grande porte em detrimento dos menores (ALVES, 2004, p. 319).

Dentre as conseqüências geradas pela expressão prazo certo (art. 58, §3º da Constituição Federal) está a vedação de investigação por tempo indefinido, que poderia expor o indiciado à mercê dos inquisidores ad eternum. As Comissões Parlamentares de Inquérito tem caráter temporário de acordo com sua lei regulamentadora, sua extinção decorre de três possibilidades: entrega do relatório final – implica na conclusão dos trabalhos e satisfação do objeto -; decurso do prazo; término da sessão legislativa ordinária ou legislatura. O Regimento Interno do Senado Federal possibilita a suspensão do funcionamento e, conseqüentemente, do prazo durante o recesso segundo seu art. 76, §3º. Para a Câmara dos Deputados, em seu art. 35, §3º, o prazo pode ou não ter continuidade.

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O término da legislatura faz com que seja impossível perdurar os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, pois tanto os partidos quanto os blocos parlamentares são modificados, razão pela qual também é vedado o desarquivamento na legislatura seguinte.

Por fim, dentre as limitações formais, destacamos a impossibilidade de apuração de fato indeterminado. Tem o objetivo de evitar denúncias infundadas com condão exclusivo de viabilizar e promover estratagemas políticos e, também, para impedir a exposição do indiciado a eventuais constrangimentos.

2.1.2 Limitações materiais

Tratam de arestas ao conteúdo da investigação, limitações genéricas que não produzem efeito somente em Comissão Parlamentar de Inquérito. Segundo José Wanderley Bezerra Alves (2004, p. 335): "decorrem da separação dos poderes e da organização constitucional do Estado, do sistema federativo e dos direitos e garantias fundamentais, dentre os quais o direito ao sigilo".

Apesar de amplos poderes, toda Comissão Parlamentar de Inquérito deve observar os princípios constitucionais fundamentais de preservação da dignidade humana e cidadania. Suas atividades estão intimamente ligadas à situação jurídica concreta, mas medidas como condenação e responsabilização em caráter definitivo são inerentes ao Poder Judiciário, que tem o condão de estabelecer limites e abrangência do poder investigatório da comissão sem que disso decorra qualquer afronta à separação dos poderes. Vejamos trecho da decisão proferida pelo Ministro Otávio Gallotti no HC 79.589/DF, publicado no Diário de Justiça no dia 05.04.00:

(...) O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de Poderes.

Destacando trecho da decisão prolatada pelo Ministro Celso de Mello no Mandado de Segurança nº 25.617-MC/DF, torna-se evidente a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal no que se refere à delimitação da abrangência dos poderes da CPI, in verbis:

É por essa razão que, embora amplos, os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito não são ilimitados nem absolutos, porque essencialmente subordinados, quanto ao seu exercício, à necessária observância das restrições definidas em sede constitucional ou em âmbito legal, consoante proclamam inúmeros precedentes firmados pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Ainda que não expressa no princípio da separação do poderes, a adoção do sistema bicameral do legislativo implica em distribuição horizontal de competências tanto à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. Em sendo assim, estabelecidas as funções privativas de cada Casa, não há que se falar em ingerência de uma em competência da outra. Cautela para não confundir as Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito, que contam com a participação do Senado e da Câmara como exceção ao princípio de separação dos poderes, uma vez que ambas conduzem determinados aspectos da investigação de forma independente.

Ora, se impossível a intervenção entre as Casas do Congresso, que dirá investigação das atividades judiciárias ou a respeito das atribuições políticas do Chefe de Estado e assuntos relativos à defesa e segurança do Estado.

Dentre os limites que decorrem dos direitos e garantias fundamentais devemos ressaltar a observância ao devido processo legal, princípio da vedação de exigir auto-incriminação e o direito à assessoria técnica, esmiuçados oportunamente no decorrer deste trabalho.

2.2 Quebra de sigilos

2.2.1 Terminologia e manutenção do sigilo

A doutrina condena, apesar de sua popularização, principalmente pelos meios de comunicação, a utilização do termo quebra. Esta nomenclatura remete ao entendimento jurídico de transgressão ao direito fundamental da privacidade e implicaria em prática criminosa. Ressalte-se que também é bastante utilizado o jargão transferência, igualmente equivocado por não traduzir fielmente o procedimento. Recomenda-se o uso de termos como co-guarda ou co-proteção, uma vez que tanto a entidade que fornece as informações quanto os que têm acesso a elas devem preservar o sigilo dos dados-objeto de investigação (ALVES, 2004, p. 392).

Desta feita, nos casos em que a lei, ou até mesmo a própria Comissão Parlamentar de Inquérito, determine o sigilo de informações cujo conteúdo está em deliberação e análise, a divulgação acarreta pena de responsabilidade por falta de decoro parlamentar. Na câmara dos deputados a punição implica em perda temporária do exercício do mandato segundo o art. 246, III de seu regimento interno; já no Senado Federal, a provável penalidade é a de perda do mandato segundo o art. 150 do regimento interno (ALVES, 2004, p. 392).

2.2.2 Garantias constitucionais de inviolabilidade

Sofrem limitação de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ambos de definição bastante próxima. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 81) o princípio da razoabilidade exige proporcionalidade a ser medida segundo padrões sociais diante de caso concreto, não se restringindo aos termos legais. Além de valer-se dos princípios anteriormente citados, a limitação deve encontrar balisa no art. 5º, LIV, garantidor do devido processo legal.

José Wanderley Bezerra Alves (2004, p. 396) aponta que a restrição deve ser:

a)adequada (verificação do custo-benefício, se o meio escolhido é o apropriado para o fim almejado);

b)necessária ou exigível (indispensabilidade para a conservação do direito e conseqüente proibição de excesso); e

c)proporcional em sentido estrito, fazendo-se uma ponderação para aferir o real equilíbrio entre os meios utilizados e os fins almejados, verificando-se a pertinência e legitimidade desses, o que somente ocorrerá no caso concreto.

Apesar das restrições decorrerem de dispositivo legal específico como expressão de força do Estado, consiste em poderoso instrumento de justiça. Imprimir limitações a direito fundamental é possível apenas para proteger direito equivalente ou superior, onde a solução de conflitos entre tais direitos é ponderada a partir de entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (ALVES, 2004, p. 398) nos termos do voto do Ministro Maurício Corrêa:

Quando dois direitos ungidos em leis da mesma hierarquia entram em conflito, a prevalência de um sobre o outro é decidida segundo uma escala axiológica; mas este padrão de valores não é fornecido pela Constituição, cabendo ao intérprete da lei, orientado pelas regras de hermenêutica e de exegese e levando em conta o estágio sócio-cultural contemporâneo aos fatos, dizer sobre esta prevalência.

Neste sentido, face à possibilidade jurídica de sobrestamento de direitos fundamentais individuais, a eventual quebra de sigilos constitui forte instrumento da Comissão Parlamentar de Inquérito na apuração do fato determinado que a instaurou. Contudo, há que se observar os pedidos de liminar em Medidas Cautelares com o objetivo de obstar as investigações com a manutenção dos direitos fundamentais.

2.3 Participação de advogados

A assistência prestada por advogado é assegurada não só constitucionalmente (art. 133), mas por legislação específica como o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 7º, III; VI, "c" e "d", VII; X; XI e XII) e a lei 8.906/94 (art. 2º caput e §1º). A atuação do advogado é considerada indispensável para a administração da justiça, inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão e, privativamente, presta serviço e exerce função social segundo os dispositivos legais citados. Vejamos o disposto no Estatuto da OAB:

Art. 7º São direitos do advogado:

(...) III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

(...) VI - ingressar livremente:

(...) c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;

d) em qualquer assembléia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais;

(...) VII - permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior, independentemente de licença;

(...) X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas;

XI - reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento;

XII - falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo;

Em interpretação do Estatuto da OAB, é de fácil ilação o acesso do advogado às Comissões Parlamentares de Inquérito, sua participação envolve não somente a comunicação com o cliente, mas o direito de advertir os membros da comissão para atos que violem dispositivos legais, ressaltar questões que julgar relevantes para o caso e que não tenham sido discutidas e, inclusive, requerer esclarecimentos a respeito do cliente e influenciem na defesa.

Neste sentido, destaca-se o entendimento de João Carlos Castelar (2000, p.12): "Aos advogados deve ainda ser facultada a participação nas inquirições, seja para ministrar a orientação técnica adequada a seu patrocinado, ou até para interferir no curso dos trabalhos à inobservância de preceito de lei".

É de fácil percepção que politicamente nossos parlamentares têm excelente desempenho e, em contra partida, o despreparo na condução de uma Comissão Parlamentar de Inquérito é evidente, assim como a deficiente assistência que, junto, corroboram com inúmeras violações legais. A título de exemplificação podemos citar o caso da CPI do narcotráfico onde o advogado foi retirado da sessão inquisitorial mediante força física por ter se voltado contra decisão da comissão que o impedia de se comunicar com seu cliente ou interromper os questionamentos (PEIXINHO E GUANABARA, 2001, P.99).

O Supremo Tribunal Federal concedeu liminar no sentido de restabelecer os direitos anteriormente citados ao advogado conforme demonstra o trecho do acórdão referente ao Mandado de Segurança de relatoria do Ministro Celso de Mello (MS nº 23.576/DF):

(...) As prerrogativas legais outorgadas aos advogados possuem finalidade específica, pois visam a assegurar, a esses profissionais do Direito, cuja indispensabilidade é proclamada pela própria Constituição da República (art. 133) – o exercício, perante qualquer instância de poder, de direitos próprios destinados a viabilizar a defesa técnica daqueles em cujo favor autuam. Desse modo, não se revela legítimo opor, ao Advogado, restrições que, ao impedirem, injusta e arbitrariamente, o regular exercício de sua atividade profissional, culminem por esvaziar e nulificar a própria razão de ser de sua intervenção perante os órgãos do Estado.

Nos inquéritos policiais a principal finalidade consiste na busca pela verdade real, as diligências realizadas pela polícia judiciária visam apurar determinada infração penal, sua autoria para viabilizar o ingresso da ação penal pelo Ministério Público ou ofendido no caso das ações penais privadas. A lei 10.792/03 modificou aspectos pungentes do interrogatório policial, principalmente ao conferir o direito de ter advogado constituído durante o interrogatório para garantir maior amplitude de defesa (art. 185 da lei); além do direito de entrevista reservada para orientação técnica (LACERDA, 2004).

Baseados em tais alterações da lei de execuções penais e do próprio código de processo penal, há quem defenda o inquérito como sendo legalmente contraditório a partir do indiciamento e, ainda, assegura maior legitimidade às conclusões da investigação (LACERDA, 2004).

Ressalte-se, ainda, que a conseqüência direta de admitirmos o inquérito como contraditório é a mudança em sua natureza, não mais meramente informativa, mas de caráter probatório durante a instrução, tornando mais célere a prestação jurisdicional.

Contudo, o entendimento acima exposto é atacado por alguns autores. Tourinho Filho (1999, p. 196) defende que se houvesse aplicação do princípio do contraditório haveria paridade completa entre acusação e defesa, esta última não deveria, portanto, estar sujeita à limitações. Observamos, no entanto, dispositivos que restringem a defesa como o art. 1.077 do Código de Processo Penal que proíbe argüição de suspeição das autoridades policiais e a possibilidade destas indeferirem pedidos de diligência feitos pelo ofendido ou indiciado (art. 14) com certas ressalvas.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento relatado pela Ministra Ellen Gracie, defende a teoria de que o inquérito policial não consiste em peça de peso probatório, mas de caráter tão somente informativo. HC nº 82.222/SP publicado no DJ do dia 17.09.02, o writ fora indeferido por entender que, sendo o inquérito judicial para apuração de crime falimentar peça de natureza meramente informativa, eventual falha procedimental, como a falta de intimação do falido para os fins do art. 106, não teria o poder de contaminar a ação penal (SANTOS, 2005).

Em sendo assim, o contraditório seria dispensável durante a fase de investigação mesmo que posterior ao formal indiciamento em razão das provas serem refeitas judicialmente. Parte da doutrina entende, ainda, que a lei 10.792/03, em interpretação extensiva, aumenta amplitude da Constituição ao ler indiciado o que a Carta Magna trata como acusado. Além disso, subsiste a possibilidade de conduzir o procedimento policial à morosidade se plausível a aplicação do contraditório (SANTOS, 2005).

Com base nos apontamentos acerca do inquérito policial e traçando um paralelo junto ao inquérito realizado pelas Comissões Parlamentares, há entendimento minoritário que defende a não intervenção do causídico em procedimentos inquisitoriais, vez que não há acusação formal e, por conseqüência, garantias como contraditório ou ampla defesa estariam em suspenso sob a argumentação de que o devido processo legal é característica inerente ao Poder Judiciário. Devemos discordar do ponto de vista apresentado por tudo já exposto e, ainda, acrescentando o fato de que o rito seguido por Comissão Parlamentar de Inquérito obedece determinado regramento, obviamente não tão rigoroso quanto o processo judicial, mas que estabelece a maneira com que os atos devem ser praticados.

Vejamos trecho da decisão referente ao MS nº 25.617-MC/DF, onde o relator, Ministro Celso de Mello identifica o paralelo traçado no parágrafo anterior:

Não se questiona a asserção de que a investigação parlamentar reveste-se de caráter unilateral, à semelhança do que ocorre no âmbito da investigação penal realizada pela Polícia Judiciária. Cabe advertir, no entanto, como já proclamou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob a égide da vigente Constituição, a propósito do inquérito policial (que também é conduzido de maneira unilateral, tal como ocorre com a investigação parlamentar), que a unilateralidade desse procedimento investigatório não confere ao Estado o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas (...).

A ultrapassada lei 1.579/52 nos remete ao código de processo penal para esclarecer diversas situações que deveriam estar em seu bojo, toda a controvérsia a respeito do interrogatório penal trazida para o âmbito da CPI seria sanada por simples artigo que determinasse às constatações da comissão conjunto probatório sem necessidade de reprodução junto ao Judiciário para garantir celeridade no processo judicial.

Há que se discutir, entretanto, a forma com que a assistência pelo causídico vem sendo realizada junto aos clientes que são convocados a depor em CPI. A participação deveria ser sutil durante o depoimento para que a verdade não seja diluída em estratégias de defesa, durante a inquirição deve apenas disponibilizar informações técnicas para que seu cliente compreenda a estrutura em que está inserto, mas observamos certo abuso nos direitos que anteriormente listamos que extrapolam o sentido estrito da assistência. Advogado e cliente juntos como ventríloquo e boneco, respectivamente, alcançar a verdade torna-se quase impossível, posto que depende de um deslize para que venha à tona.

2.4 Habeas Corpus preventivo

Consiste em remédio jurídico referente à garantia individual de tutela ao direito de ir e vir, pode impugnar não somente atos judiciais como também administrativos. Possui tanto natureza liberatória como preventiva, nesta última é chamado comumente de salvo conduto. Para o direito processual penal, a impetração de habeas corpus preventivo deve desvelar fundando receio de prisão ilegal resultante de ato concreto, prova efetiva e ameaça. Portanto, mero temor, incerto e presumido pode ser evitado por meios comuns e não dá margem ao cabimento de salvo conduto (MIRABETE, 2004, p. 771).

Os pedidos de habeas corpus preventivos são, em sua esmagadora maioria, concedidos pelo Supremo Tribunal Federal quando o paciente é declarante junto a determinada Comissão Parlamentar de Inquérito. Ocorre, no entanto, um enorme mal entendido a respeito do assunto. Os indiciados na CPI prestam termo de declaração e não são obrigados, conforme assegura a Constituição, a produzir provas contra si, ou seja, é assegurado o direito a permanecer em silêncio mesmo sem habeas corpus que o ratifique.

Para melhor compreensão devemos dissecar a diferença entre depoimento, declaração e interrogatório. O primeiro é prestado por testemunha que confirma compromisso e só o faz por apresentar imparcialidade na apuração dos fatos; é lavrado por termo de depoimento e está sujeita a prisão em flagrante delito por falso testemunho conforme decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 75.287-0/DF, relatado pelo Ministro Maurício Corrêa e publicado no Diário de Justiça, Seção 3, do dia 30/04/1997, p. 16.302. Declarante tem interesse na investigação, logo, a imparcialidade sofre severa diminuição, não presta, portanto, compromisso. Geralmente, enquadram-se na situação retro vítimas, denunciantes e suspeitos. Interrogatório é realizado por autoridade policial ou judicial, ao interrogado deve pesar acusação formal. Investigados por Comissão Parlamentar de Inquérito prestam declaração e, por conseqüência, não há que se falar em compromisso ou prisão por falsear a verdade (CONSULEX, 2005, p.28).

A prisão só pode ser decretada na CPI se em flagrante – como qualquer um do povo pode dar voz de prisão se frente a um crime – e consiste em outro ponto equivocadamente compreendido, pois o falseamento da verdade é verificado no relatório, onde as peças que o comprovam são encaminhadas ao Ministério Público para investigação e pedido de prisão (art. 211, CPP). Ressalte-se que a prisão será decretada em desfavor daquele que presta depoimento e deveria ser imparcial, mas que, por qualquer motivo, tenha favorecido o investigado.

Feita tal diferenciação, mais uma vez nos deparamos com o despreparo dos parlamentares e advogados face às CPI’s. Os direitos ao silêncio e de não prestar compromisso são cristalinos na constituição federal e, mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal continua apreciando inúmeros habeas corpus preventivos para o ratificar. No inquérito policial o indiciado pode ser conduzido ao interrogatório até mesmo de maneira coercitiva, mas o direito a permanecer calado assegurado no art. 5º, LXIII da Constituição Federal não é ameaçado, não há notícia de constante impetração de habeas corpus nestes casos como observamos nas Comissões Parlamentares de Inquérito (MIRABETE, 2004, p. 95). Vejamos trechos da jurisprudência da Suprema Corte:

O privilégio contra a auto-incriminação – que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito – traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa que deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.

O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental.

Ninguém pode ser tratado como culpado, independentemente da natureza do ilícito penal que lhe possa ser atribuído, sem que exista decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da não-culpabilidade consagra, em nosso sistema jurídico, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. (RTJ 176/805-806, Rel. Ministro Celso de Mello)

Vê-se, portanto, que nenhuma autoridade pública (congressista, magistrado ou membro do Poder Executivo), não importando o domínio institucional a que esteja vinculada, pode constranger qualquer pessoa – indiciado ou testemunha – a depor sobre fatos cuja resposta possa gerar situação de grave dano ao depoente, expondo-o ao risco de auto-incriminação. (MS 25.616-MC/DF, Relator: Ministro Celso de Mello)

Por fim, cabe observar que se houvesse efetiva participação dos advogados durante as declarações para explanar as garantias constitucionais de seus clientes evitar-se-ia o alto número de questões prioritárias como habeas corpus que entravam o julgamento de outros processos na corte suprema.

2.5 Mandado de segurança

Consiste em remédio constitucional (art. 5°, LXIX) de rito sumário especial, é regulado por legislação extravagante, desta forma, não consta do código de processo civil brasileiro. Instrumento que permite a aferição da legitimidade e legalidade dos atos emanados por aqueles que exercem função estatal, inclusive por delegação. Objetivo precípuo é permitir que o judiciário controle os excessos de legalidade que o titular do direito pode sofrer em razão de ato estatal em abuso de poder de polícia, uso da força e coerção. Não há que se falar em afronta à tripartição dos poderes, pois o princípio da inércia impede que o controle seja feito de ofício e ostensivamente, não há ingerência do judiciário em detrimento dos demais poderes, pois o primeiro carece de provocação do titular do direito. Na definição de Hely Lopes Meirelles (2004, p. 21):

Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

O mandado de segurança pode ser preventivo, nunca interpretado como salvo conduto, pois deve estar materializado o indicativo de que o requerente está na iminência de sofrer abuso ou ilegalidade. O ato pode ser comissivo ou omissivo, onde o mandado de segurança pode ser utilizado de forma preventiva quando há iminência de ato ilegal ou abusivo que fere direito líquido e certo. O mandado de segurança deve estar fundado no binômio ato ilegal ou abusivo emanado de ente público ou provado por delegação. Citando mais uma vez Hely Lopes Meirelles (2004, p. 24):

O mandado de segurança normalmente é repressivo de uma ilegalidade já cometida, mas pode ser preventivo de uma ameaça de direito líquido e certo do impetrante. Não basta a suposição de um direito ameaçado; exige-se um ato concreto que possa pôr em risco o direito do postulante.

O art. 1° da lei 1.533/51 nos remete à importância da causa de pedir quando utiliza a expressão será concedido. A concessão culmina em ordem para fazer ou deixar de fazer, sendo a sentença, portanto, de natureza mandamental. Líquido e certo é aquilo que pode ser comprovado independente de dilação probatória, direito provado documentalmente. Não há que se falar em perícia, prova testemunhal ou depoimento pessoal. Sem a prova documental, não há interesse de agir.

A liminar num processo de conhecimento, antecipa um provimento com caráter satisfativo, mesmo da sentença de processo cognitivo. A liminar cautelar, por sua vez, possui natureza conservativa. Liminar então, não está ligada à natureza que possui, mas sim à antecipação do pronunciamento final. Concluímos que a liminar pode ser utilizada no processo de conhecimento e no processo cautelar, a natureza diversa, mas ainda sim, liminar. Há, em ambos, tutela jurisdicional, não simples prestação.

Os mandados de segurança impetrados junto ao Supremo Tribunal Federal onde a autoridade coatora é a Comissão Parlamentar de Inquérito têm o condão usual de impedir a quebra de sigilos perda de mandatos e, mais recentemente, garantir a participação de advogados durante depoimentos e acareações (Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 25.617-6/DF).

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Sobre a autora
Giselle de Oliveira Coutinho

Servidora do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Giselle Oliveira. Comissões parlamentares de inquérito:: a estrutura deficitária e o peso da verdade nas intervenções do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8549. Acesso em: 25 abr. 2024.

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