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Configurada a hipótese de reclamação, estaria inviabilizado, necessariamente, o manejo do mandado de segurança?

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23/06/2006 às 00:00
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A Súmula 267 do STF impede a utilização do writ quando haja possibilidade de interposição de recurso ou correição parcial, o que, todavia, não se verifica no caso da reclamação.

Sumário: I. Introdução. II. Qual a importância de se saber se a Reclamação tem natureza de recurso ou de correição parcial? III. A Reclamação tem natureza jurídica de correição parcial ou de recurso? IV. Conclusão.


I – Introdução

            Por meio deste trabalho, pretende-se demonstrar o equívoco, em certas hipóteses, em inviabilizar-se o manejo do Mandado de Segurança, sob a alegação de que o remédio processual adequado seria a Reclamação. O objetivo, portanto, não é o de dirimir as diversas controvérsias a respeito da natureza da Reclamação, mas a de afastar, ao menos, a tese de que esta seria um meio de correição parcial ou reclamação correcional ou, ainda, de que seria um recurso, já que estas hipóteses têm pertinência com a inviabilização da utilização do mandamus, tendo em vista o teor do art. 5º, II, da Lei nº 1.533/51, e da súmula 267/STF.


II – Qual a importância de se saber se a Reclamação tem natureza de recurso ou de correição parcial?

            A Reclamação, instrumento de preservação da competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, bem como de garantia do cumprimento das decisões dessas Cortes, está prevista nos arts. 102, I, l e 105, I, f, da Constituição da República de 1988, a par de regulamentação na Lei nº 8.038, de 28.05.1990, e nos regimentos internos dos tribunais.

            A respeito da natureza jurídica da Reclamação, há diversas posições. Umas alegam tratar-se de incidente processual, outras de recurso, ou, ainda, de ação. Como dito no início deste trabalho, não se pretende apontar uma solução segura para a questão, mas sim, analisar os aspectos da temática que se relacionam com a utilização do Mandado de Segurança. Para esclarecer melhor esse ponto de contato entre o estudo da Reclamação e o manejo do writ, ajuda-nos a transcrição do art. 5º da Lei nº 1.533, de 31.12.1951:

            Art. 5º - Não se dará mandado de segurança quando se tratar:

            [...]

            II – de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição;

            Decorrência da aplicação desse dispositivo é a edição da Súmula nº 267, do Supremo Tribunal Federal:

            Súmula 267 – Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

            Assim, caso se conclua que a Reclamação tem natureza de recurso previsto nas leis processuais ou de instrumento de correição, necessariamente concluir-se-á pelo descabimento do Mandado de Segurança. Daí, a importância do estudo desse tema.

            Decisão recente do c. Superior Tribunal de Justiça ilustra o que se acaba de dizer:

            "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMPETRAÇÃO CONTRA SUPOSTOS DESCUMPRIMENTOS DE DECISÕES PROFERIDAS PELA CORTE ESTADUAL E POR ESTE TRIBUNAL SUPERIOR. ATOS JUDICIAIS PASSÍVEIS DE RECURSO E RECLAMAÇÃO. DESCABIMENTO DO MANDAMUS. SÚMULA 267/STF. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

            1. Segundo o art. 5º, II, da Lei 1.533/51, não se dará mandado de segurança quando o ato impetrado se tratar de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição. Outrossim, nos termos da Súmula 267/STF, "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição".

            2. É descabida, portanto, a ação mandamental impetrada contra atos judiciais e incidentes ocorridos na fase de liquidação de sentença passíveis de reforma por meio de recurso previsto na legislação processual civil, ou até mesmo por meio de Reclamação, expediente inclusive utilizado pelos recorrentes perante esta Corte Superior (Rcl 713/SP, 1ª Seção, desta Relatoria, DJ de 1º.2.2005, improcedente).

            3. Ademais, cumpre ressaltar que o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também prevê o cabimento de Reclamação para a garantia da autoridade de suas decisões (RITJSP, arts. 659 e seguintes, cap. III, título V, livro III).

            4. Recurso ordinário desprovido." (g. n.) (RMS n. 13.718-SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ 21.02.2006)

            A despeito das peculiaridades que o precedente acima naturalmente comporta, vislumbra-se, facilmente, a tese segundo a qual não cabe a impetração de Mandado de Segurança em casos que seria viável a Reclamação. Aliás, no início do voto da e. Ministra Relatora é transcrito o mencionado art. 5º, II, da Lei nº 1533/51, bem como é feita referência à súmula 267, do STF.

            Outro precedente da mesma Corte confirma esse posicionamento:

            "PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO – POLICIAIS CIVIL DOS EX-TERRITÓRIOS – VENCIMENTOS E GRATIFICAÇÕES – SEGURANÇA PRETERITAMENTE CONCEDIDA 9 MS 4.733/DF) – NOVA IMPETRAÇÃO PARA CUMPRIMENTO DO JULGADO – IMPOSSIBILIDADE – HIPÓTESE DE RECLAMAÇÃO – CARÊNCIA DA AÇÃO – EXTINÇÃO.

            1 – Consoante julgado recentemente por esta 3a Seção, em caso idêntico (MS nº 7.733/DF), incorreta foi a via processual eleita, porquanto, para garantir-se o cumprimento de julgado deste Tribunal Superior o instrumento correto é a Reclamação e não o mandamus. Inteligência dos arts. 105, I, ‘f’, da CF/88 c/c 187, do RISTJ. Assim, é o impetrante carecedor da ação, porquanto lhe falta interesse de agir.

            2 – Precedentes (MS nºs 4.396/DF e 3.266/DF)

            3 – Carência da ação reconhecida para julgar extinto este writ, sem apreciação do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Custas ex lege. Sem honorários a teor das Súmulas 105/STJ e 512/STF." (g.n.) (MS nº 7.424 – DF, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ 8.11.2001)

            Com efeito, resta saber se a Reclamação tem natureza de recurso ou de correição. É o que passamos a examinar.


III – A Reclamação tem natureza jurídica de correição parcial ou de recurso?

            Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, em preciosa obra sobre a Reclamação Constitucional no Direito Brasileiro, faz minuciosa análise desse instrumento jurídico, em especial sobre sua natureza jurídica.

            Primeiramente, o autor afasta a hipótese de se considerar a natureza jurídica da Reclamação como medida administrativa, já que àquela é reconhecido o poder de produzir alterações em decisões tomadas em processos jurisdicionais "(p. ex., anulando decisões de juízos ou tribunais inferiores, quando desbordantes de sua competência), efeito que não podem ter, por certo, as medidas administrativas, pena de inconstitucionalidade, como ocorre com o uso recursal da correição parcial" [01]. Outras razões são apresentadas:

            b) aceita a reclamação para coibir desobediências (é possível, em hipótese, supor também, invasão de competência) que partam de entes de outros Poderes, o que demonstra não ser providência administrativa, pois os órgãos do Judiciário só podem exercer seu poder administrativo dentro da hierarquia interna de sua estrutura, sendo impensável, porque atentatório ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, que o fizesse contra atos dos demais;

            c) afirma que a decisão em reclamação produz coisa julgada, e que somente é desconstituível por ação rescisória – por conseguinte, trata-se de decisão cognitiva de mérito -, o que não se daria fosse o resultado de mera providência administrativa, hipótese em que seria anulável como os atos jurídicos em geral;

            d) aceita o emprego, contra decisões proferidas em reclamação, de recursos processuais, como o agravo dito regimental e os embargos de declaração, e não de recursos administrativos;

            e) concede liminares cautelares em reclamações, o que seria sumamente esquisito, se entendida a reclamação como procedimento administrativo, porquanto, ao menos em termos de Direito Positivo, afigura-se estar acima de dúvida que a tutela cautelar é jurisdicional;

            f) exige, para propositura de reclamação, capacidade postulatória, isto é, representação técnica da parte por advogado devidamente constituído nos autos, requisito que não se faz necessário nos requerimentos administrativos [02]

            Alexandre Moreira Tavares dos Santos [03] aponta, com mesma precisão, as diferenças entre a Reclamação e as medidas de correição parcial:

            Enquanto a correição parcial só é cabível para impugnar erro ou abuso de juiz de primeira instância que ocasione inversão tumultuária dos atos e fórmulas legais da ordem do processo, ou seja, que conturbe o desenrolar do procedimento, a reclamação é cabível para atacar qualquer ato ou omissão de órgão judicial de qualquer instância que usurpe a competência ou afronte decisão do STF ou do STJ, e até mesmo ato administrativo em alguns casos excepcionais.

            Logo, na correição parcial só é possível corrigir error in procedendo, quando não haja recurso específico para o caso.

            [...]

            De outro lado, a reclamação pode ser utilizada tanto para corrigir error in procedendo como error in judicando que usurpem competência ou afrontem a autoridade das decisões do STF e do STJ.

            Em vista de sua finalidade, a correição parcial deveria ter natureza administrativa e não judicial, não sendo possível através dela reformar ou cassar decisão desta natureza. [04]

            Pontes de Miranda [05], por sua vez, já afirmou que

            "se a doutrina e a jurisprudência admitem que a Reclamação possa cassar ou reformar decisão judicial, é inegável que fez da Reclamação ou recurso ou ação, mas jamais de alcance meramente correcional."

            Portanto, a correição parcial nunca ocorrerá dentro do poder jurisdicional, como, ao contrário, verifica-se com a Reclamação. Inquestionável, pois, a diferença da natureza de uma em relação à outra.

            Importante observação faz Cândido Rangel Dinamarco [06], ao discriminar o sentido ambíguo muitas vezes utilizado com o vocábulo Reclamação. Ora é utilizado como sinônimo de correição parcial, designando o remédio processual destinado a impugnar atos ou omissões do juiz de primeiro grau de jurisdição, ora designa o meio mediante o qual se leva ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça a notícia da usurpação de sua competência ou desobediência a julgado seu, cometida por juiz ou tribunal inferior.

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            Exemplo desse sentido ambíguo é retratado na obra de Hely Lopes Meirelles [07], quando se afirma que "outra matéria excluída do mandado de segurança é a decisão ou despacho judicial contra o qual caiba recurso específico apto a impedir a ilegalidade, ou admita reclamação correcional eficaz" (g.n.).

            Afastada a natureza jurídica de correição parcial, resta-nos analisar se a Reclamação seria um recurso.

            Continuando seu profundo estudo sobre a matéria, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas demonstra a incongruência em se sustentar a Reclamação como modalidade de recurso [08].

            Primeiro, pelo fato de o texto constitucional não colocar essa figura jurídica na competência recursal, quer ordinária, quer extraordinária, do Supremo Tribunal Federal, nem na ordinária ou especial do Superior Tribunal de Justiça. A Constituição é clara em pô-la na competência originária desses tribunais [09].

            Segundo, em razão de inexistir o interesse de recorrer no caso de Reclamação. É que recorre quem perdeu e, justamente ao contrário, reclama quem ganhou, já que, nesta hipótese, a decisão que o beneficiava não está sendo cumprida. Não há, assim, na Reclamação, recurso contra decisão, como se ensina em sede recursal [10].

            Cândido Rangel Dinamarco [11] faz idêntica observação, ao lembrar que a Reclamação não consta entre as modalidades recursais tipificadas em lei. Ademais, destaca que a missão recursal não coincide com a da Reclamação.

            Ao discorrer sobre o tema, Leonardo Lins Morato [12]chega à mesma conclusão:

            Diferentemente da reclamação, um recurso pressupõe, sempre, a existência de uma decisão (a qual se pretende que seja reformada ou anulada) e a sucumbência da parte interessada. Na reclamação, é desnecessária a existência de uma decisão, quando for o caso de invasão de competência, por exemplo. E quando for o caso de se garantir a autoridade de uma decisão proferida por um Tribunal Superior, o interessado na propositura da reclamação não só não é sucumbente, como busca impor o cumprimento de uma decisão (objeto da Reclamação), da qual é vencedor.

            E não há prazos para a propositura da reclamação, enquanto os recursos devem ser interpostos dentro do prazo estabelecido em lei.

            Não é diferente o posicionamento de Alexandre Moreira Tavares dos Santos [13] e José da Silva Pacheco [14]

            Diante de tais fundamentos, fica evidenciado que a Reclamação não possui natureza jurídica recursal. Do que se falou, destaca-se o fato de que a Reclamação prescinde de uma decisão judicial, como no caso em que se alega invasão de competência, ou, ainda, o fato de que o reclamante não é o sucumbente, mas muito ao contrário, ele busca impor o cumprimento de decisão que reconheceu o seu direito.

            Essa conclusão, somada à anterior – não se tratar a Reclamação de correição parcial -, demonstra o equívoco da tese que afasta o cabimento do manejo do Mandado de Segurança com base no art. 5, II, da Lei n. 1.533/51, e na súmula 267/STF. É que, como visto, esse dispositivo impede a utilização do writ quando haja possibilidade de interposição de recurso previsto nas leis processuais e de interposição de correição parcial, o que, como visto, não se verifica na hipótese de Reclamação.

            De todo modo, convém acrescentar duas correntes doutrinárias a propósito da natureza jurídica da Reclamação. Uma a considera ação e a outra garantia especial que pode ser "subsumida na cláusula constitucional que assegura ‘o direito de petição aos Poderes Públicos’" [15]

            A última, defendida, entre outros, por Ada Pellegrini Grinover [16], afirma que a Reclamação não se trata de ação, "uma vez que não se vai rediscutir a causa com um terceiro; não se trata de recurso, pois a alteração processual já está encerrada, nem se pretende reformar a decisão, mas antes garanti-la". Trata-se, assim, simplesmente, "de postular perante o próprio órgão que proferiu uma decisão o seu exato e integral cumprimento" [17].

            Já a corrente que defende a natureza de ação sustenta que a Reclamação preenche todos os requisitos para tal:

            a) por meio dela se provoca a jurisdição – na espécie, das cortes a que a Constituição ou lei nesta prevista, a atribuem;

            b) através dela se faz um pedido de tutela jurisdicional – o de uma decisão que preserve a competência da corte, a qual esteja sendo usurpada por outro tribunal ou juízo inferior, ou que imponha o cumprimento de decisão daquela, que não esteja sendo devidamente obedecida;

            c) contém uma lide, consoante já afirmado em itens anteriores – o conflito entre quem deseja manter a competência da corte, de uma lado, resistido por quem persiste em invadi-la, do outro; ou entre o que pretenda seja o decisum daquela integralmente cumprido, duma banda, enfrentando a resistência, da outra, por parte do que teima em não obedecê-lo [18].

            Da mesma forma, a Reclamação possui os três elementos da ação: partes, reclamante e reclamado; pedido, resguardo da competência da corte ou cumprimento de seu julgado; e, causa de pedir, a própria invasão de competência ou a desobediência à decisão da corte [19].

            Nesse sentido, leciona Leonardo Lins Morato [20]:

            Infere-se, pois, que Reclamação tem natureza jurídica de ação. E é ação porque por meio dela se provoca a jurisdição, para que seja prestada a tutela jurisdicional. Nela estão presentes os elementos da ação (partes: reclamante e reclamado; pedido: que uma decisão seja cumprida, ou que determinada competência seja respeitada; e causa de pedir: o desacato à decisão ou a invasão da competência). Na Reclamação há mérito, uma vez que a decisão proferida produz coisa julgada material, após cognição exauriente, como se verifica de quase toda a jurisprudência, decisão que, inclusive, é rescindível por ação rescisória.

            Integram, ainda, essa corrente, Alexandre Moreira Tavares dos Santos [21] e José da Silva Pacheco [22].

            Independentemente da corrente que melhor solucione a controvérsia, também aqui, não poderia ser afastada a utilização do Mandado de Segurança quando ocorrer, simultaneamente, cabimento de Reclamação. É que a mera possibilidade de utilização de Reclamação, seja como ação (primeira corrente), seja como expressão do direito de petição (segunda corrente), não inviabiliza o manejo do mandado de segurança, desde que preenchidos os requisitos específicos deste.

            É que o Mandado de Segurança está elencado como um direito fundamental, previsto no art. 5º, LXIX, da Constituição da República, e, pois, esse dispositivo deve ser aplicado de modo a conferir a maior efetividade possível ao remédio heróico nele previsto.

            Urge recordar uma "diretriz de interpretação constitucional sistemática" indicadora, segundo o ensinamento de Juarez Freitas [23], de que o intérprete deve guardar vínculo com a excelência da efetividade do discurso normativo da Constituição.

            Para esse renomado administrativista [24],

            Tudo que se encontra na Carta Fundamental deve ser visto como tendente à eficácia. Sob tal prisma, o intérprete precisa reconhecer a presença digital da eficácia, inclusive ao cuidar de dispositivos não-auto-aplicáveis. Em nosso ordenamento, lícito asseverar que efeito vinculante (maior ou menor) sempre emana dos preceitos constitucionais, em sintonia com o intérprete maduro e dialético, que não os vê como objetos inertes.

            Oportuno lembrar também o pensamento de Konrad Hesse [25], para quem, na solução dos problemas, [deve] dar-se preferência àqueles pontos de vista que, sob as circunstâncias de cada caso, auxiliem as normas constitucionais a obter a máxima eficácia.

            Para Luís Roberto Barroso, o princípio da efetividade aponta para a evidência de que o direito existe para realizar-se e, portanto, as normas jurídicas, sejam as de caráter imediato ou prospectivas, não são opiniões, meras aspirações ou plataforma política. Segundo esse renomado constitucionalista [26],

            A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social.

            Dessa forma, não há como comprometer a realização de um direito fundamental, tendo como justificativa o simples fato de que existe outra via processual que atingiria o mesmo resultado. Aliás, caso assim não se pensasse, a mera possibilidade de ajuizamento de uma ação ordinária com pedido de tutela antecipada seria suficiente para obstar o uso do mandado de segurança. Na verdade, muitas vezes, coexistem no sistema jurídico mais de um caminho a ser percorrido. O que deve ser verificado, em cada caso, é se estão presentes os requisitos para o manejo do instrumento efetivamente utilizado.

            Em relação ao tema ora analisado, vê-se, por exemplo, que, enquanto o Mandado de Segurança é condicionado a um prazo específico para ser utilizado (cento e vinte dias – art. 18, da Lei n. 1.533/51), inexiste, para a Reclamação, previsão legal expressa. Há, ainda, o fato de que esta não se vincula à existência ou não de recurso previsto em lei, ao passo que o mandado de segurança, na hipótese em que seja possível a interposição de recurso processual previsto em lei, não é, em princípio, cabível.

            Assim, repita-se, o que deve ser analisado para verificar o cabimento deste ou daquele instrumento é o preenchimento dos respectivos requisitos e não a simples hipótese de que quando cabível a Reclamação estaria, necessariamente, inviabilizada a utilização do Mandado de Segurança.

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Sobre o autor
Flávio Henrique Unes Pereira

assessor jurídico de ministro do Superior Tribunal de Justiça, mestrando em Direito Público pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Configurada a hipótese de reclamação, estaria inviabilizado, necessariamente, o manejo do mandado de segurança?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1087, 23 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8550. Acesso em: 2 mai. 2024.

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