Já tivemos a oportunidade de abordar aspectos gerais das regras eleitorais para 2006, inclusive o instituto da verticalização. Mas a emergência da Lei nº 11.300, de 10 de Maio de 2006, que alterou a Lei nº 9.504/97, veio novamente instigar a doutrina eleitoralista.
A nova lei teve origem no Projeto de Lei nº 275/2005, de iniciativa do Senador Jorge Bornhausen, que, originariamente, apenas alteraria os arts. 8º, 11, 16, 19, 22 a 26, 36, 39, 42, 45, 47, 52 e 54 da Lei nº 9.504/97. Na casa de origem, também se propôs – por via de emendas – modificar os arts. 21, 35, 37, 43 e 73 da lei eleitoral vigente, à qual ainda se acresceria o art. 26-A.
Na Câmara dos Deputados, a proposta foi recebida sob o número 5.855-C/2005, tendo sido aprovado o texto do substitutivo apresentado pelo Deputado Moreira Franco; a redação enviada ao Senado propunha alterar os arts. 18, 21 a 24, 26, 28, 30, 37, 39, 43, 45 e 73 da Lei nº 9.504/97, que também teria acrescentados os arts. 17-A, 30-A, 35-A, 40-A, 90-A, 94-A e 94-B. Ao ser novamente apreciado pelo Senado, o Projeto foi aprovado e enviado à sanção, na redação dada por sua Comissão Diretora, que manteve a redação enviada pela Câmara, à exceção dos incisos do art. 26, do § 2º do art. 37, dos parágrafos do art. 39, do § 3º do 47 e do art. 54 da Lei nº 9.504/97.
Ao se fazer a sanção do projeto, houve a oposição de veto aos arts. 40-A, 54, 90-A e 94-B, mantendo-se a regra de aplicação da nova lei eleitoral às eleições de 2006, segundo instruções expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Em sessão administrativa de 23 de Maio, o TSE decidiu-se pela aplicação parcial da Lei nº 11.300/2006 às eleições vindouras, apesar do princípio da anterioridade, inscrito no art. 16 da Constituição Federal de 1988.
1. Financiamento das campanhas
O tratamento conferido pela Lei nº 9.504/97 à arrecadação e aplicação de recursos para as campanhas eleitorais sofreu poucas alterações, ao contrário do que se esperaria se fosse mantida a redação dada pelo Senado ao Projeto que deu origem à Lei nº 11.300/2006.
À exceção das regras estabelecidas nos arts. 17-A e 18 da Lei nº 9.504/97, que versam sobre o limite de gastos em campanhas, as normas sobre arrecadação e aplicação de recursos eleitorais aplicam-se às eleições de 2006.
1.1 Doações
As propostas sobre doações às campanhas eleitorais previstas no substitutivo do Deputado Moreira Franco mantiveram-se na Lei nº 11.300/2006, aplicando-se nas eleições de 2006, consoante deliberação do TSE. Significa, visando a tramitação legislativa do projeto, que a proposta senatorial de sancionar o candidato que utilizasse recursos oriundos de fontes vedadas com a impugnação do registro de sua candidatura fora rejeitada na Câmara dos Deputados.
Pela regra da Lei nº 11.300/2006, as doações às campanhas eleitorais somente poderão ser feitas pelo depósito bancário de cheques cruzados e nominais (tal como no texto original da Lei nº 9.504/97), pela transferência eletrônica de depósitos ou ainda por depósitos identificados, em valores que observem os limites legais, diretamente na conta corrente aberta pelo candidato ou seu partido, somente após o registro dos comitês financeiros. Conforme a Resolução TSE nº 22.124/2006, a data limite para constituição de comitês será 14 de Julho do ano eleitoral.
Apesar desta alteração referir-se expressamente às doações feitas por pessoa física, conforme consta do art. 23 da Lei nº 9.504/97, não se poderia dispensar tal forma estabelecida de doações também às pessoas jurídicas, cuja regulação de doações faz-se pelo art. 81desta mesma lei.
Quanto à vedação do recebimento de doações, a Lei nº 11.300/2006 estendeu-a àquelas oriundas de entidades beneficentes e religiosas, entidades esportivas que recebam recursos públicos, organizações não-governamentais que recebam recursos públicos e organizações da sociedade civil de interesse público.
Os limites para as doações mantiveram como previstos na Lei nº 9.504/97. Assim, a pessoa física poderá doar até 10% de seus rendimentos brutos, e a pessoa jurídica, 2% de seu faturamento bruto, ambos a serem auferidos no ano anterior à eleição. No caso do candidato utilizar recursos próprios, o limite de recursos que poderá empreender em sua própria campanha fica limitado ao valor máximo estabelecido por seu partido (art. 14, III, da Resolução TSE nº 21.160/2006 e CTA TSE nº 1246/2006).
À pessoa jurídica que exceder o limite de doações ainda se aplica a sanção de impedir-se sua participação em licitações e de celebrar contratos com a Administração Pública no prazo de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, sem prejuízo da multa de cinco a dez vezes o valor excedido, uma vez que a proposta senatorial de fixar multa mais vultosa foi afastada.
1.2 Gastos eleitorais
A Lei nº 11.300/2006 acrescentou o art. 17-A na Lei nº 9.504/97, para determinar a edição de lei específica, até o dia 10 de Junho de cada ano eleitoral, que estabeleça limites de gastos em campanha dos cargos em disputa. O curioso da nova regra está justamente na previsão da própria mora legislativa; na eventualidade dela ocorrer, o legislador atribuiu aos partidos políticos o estabelecimento destes limites, que serão informados à Justiça Eleitoral, para serem por ela divulgados.
A "inovação" é, no mínimo, contraproducente, porque a norma do art. 18 da Lei nº 9.504/97 foi mantida para obrigar cada partido político a informar à Justiça Eleitoral, no ato de registro de candidaturas, seu limite de gastos de cada cargo eletivo. Tal alteração, contudo, não se aplicará às eleições de 2006, como decidiu o TSE.
Quanto aos gastos de campanha, a produção de jingles, vinhetas e slogans de propaganda eleitoral foi incluída no rol do art. 26 da Lei nº 9.504/97, ao contrário do cachê de artista ou de animador de evento e das atividades de confecção, aquisição e distribuição de camisetas, chaveiros e outros brindes de campanha, que não poderão ser declarados em prestação de contas. Esta alteração vale para as eleições de 2006.
2. Prestação de Contas
De acordo com a deliberação do TSE sobre a aplicação imediata das regras da Lei nº 11.300/2006, todas as alterações sobre prestação de contas valem para as eleições de 2006.
A garantia de veracidade das informações financeiras e contábeis disponibilizadas nas prestações de contas, que na Lei nº 9.504/97 é atribuída apenas ao candidato, passa a ser atribuída, a partir da Lei nº 11.300/2006, também àquela pessoa indicada no ato de registro de comitê para a arrecadação, gestão e aplicação de recursos financeiros para a campanha eleitoral.
Pela nova lei, será exigida de partidos, coligações e candidatos a divulgação de dois relatórios de doações recebidas e gastos efetuados, ambos a serem veiculados em site a ser criado pela Justiça Eleitoral.
Relativamente à Justiça Eleitoral, a nova Lei estabeleceu que o prazo de oito dias para publicação do julgamento de contas de campanha refere-se apenas às contas dos eleitos.
O Projeto de Lei nº 275/2005 ainda trazia uma hipótese de nulidade das contas, punível com a possibilidade de perda do registro de candidatura, se houvesse o uso de recursos oriundos de fontes vedadas. O texto final admitiu duas possibilidades similares, como se verá no item sobre inelegibilidades.
3. Crimes Eleitorais
No projeto senatorial, propunha-se a inclusão do art. 26-A na Lei nº 9.504/97, para punir com pena de detenção de 3 a 5 anos e multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), além de cassação do registro do candidato beneficiado e perda do fundo partidário, a conduta de não registrar ou contabilizar doações ou contribuições em dinheiro ou estimáveis em dinheiro. Na Lei nº 11.300/06, não consta este crime.
Na redação final do Senado Federal, previa-se a punição criminal pela prática simulada de boca de urna, se feita com o intuito de imputar falsamente o crime a outrem; o substitutivo da Câmara dos Deputados não acolheu o novo tipo.
Foi objeto de veto a previsão do crime de imputar falsamente a outrem conduta vedada objeto da lei (art. 40-A) e a de veicular pela internet documento injurioso, calunioso ou difamante, referente a parlamentar no exercício do mandato, a candidato, partido ou coligação (art. 90-A).
O veto, em ambos os casos, justificou-se. No caso do art. 40-A, a descrição da conduta típica foi deveras aberta, sem cominar uma pena específica para a prática da conduta. O art. 90-A, por sua vez, refere-se a crimes contra a honra já acolhidos no Código Eleitoral.
4. Inelegibilidades
A exigência constitucional de lei complementar para dispor sobre inelegibilidade torna mantida a Lei Complementar nº 64/90. Relativamente à AIJE, no entanto, a Lei nº 11.300/06 acrescentou à Lei nº 9.504/97 o art. 30-A e dois parágrafos a seu art. 22, com as seguintes redações:
Art.30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.
§ 1o Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.
§ 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.
Art. 22..... .....................................................................................
§ 3o O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.
§ 4o Rejeitadas as contas, a Justiça Eleitoral remeterá cópia de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral para os fins previstos no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
Na forma da legislação vigente, a declaração de inelegilidade feita por meio de representação, da AIJE ou medida ulterior (RCD ou AIME) não possuiria efeito imediato, atendendo à norma do art. 15 da Lei Complementar nº 64/90. No entanto, o § 3º do art. 22 e o § 2º do art. 30-A seguem a tendência inaugurada pela Lei nº 9.840/99, para permitir a produção imediata de efeitos da decisão que cancelar o registro ou cassar ou denegar o diploma de candidato ao fundamento de "comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos (§ 2º do art. 30-A)" ou "comprovado abuso do poder econômico (§ 3º do art. 22)".
Se já se digladiou a doutrina em criticar o art. 41-A da Lei nº 9.504/97, o que se dirá do § 3º do art. 22 e do § 2º do art. 30-A da Lei Eleitoral? Não obstante a riqueza de nomenclatura, que, no caso do § 3º do art. 22, aduz ao "cancelamento" de registro, previu-se no art. 30-A uma hipótese realmente obtusa: a negação do diploma.
Embora o entendimento predominante em jurisprudência não identifique como sanção de inelegibilidade a perda (cassação, cancelamento, denegação e o que ainda vier) de registro de candidatura ou do diploma, assim admitindo a execução imediata da decisão que a aplicar, através da Lei nº 11.300/2006 passa a existir a hipótese de uma candidatura vitoriosa não lograr a diplomação, por causa de possíveis atribuições de irregularidade de contas. Mais uma vez se deturpa o sentido do art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90, para se franquear até àquele eleito sua impossibilidade de diplomar-se e empossar-se à revelia do trâmite do processo da AIJE.
5. Propaganda Eleitoral
A Lei nº 11.300/2006 versa sobre diversos aspectos da propaganda eleitoral, no intuito de restringir os gastos de campanha. Segundo o TSE, todas as novas regras sobre propaganda eleitoral aplicam-se em 2006.
Diferentemente do Projeto de Lei do Senado nº 275/2005, que adiava o início da propaganda para 1º de Agosto do ano eleitoral, o substitutivo da Câmara manteve a data inicial vigente, fixada em 05 de Julho (neste sentido, é de destacar-se que as datas da Lei nº 9.504/97 referentes a convenções partidárias e registro de candidatura foram mantidas). Dentre as vedações, destacam-se:
a) propaganda em bens públicos de uso comum:
A Lei nº 11.300/2006 deu nova redação ao art. 37 da Lei nº 9.504/97:
Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados.
§ 1o A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais).
Pela nova regra, a propaganda eleitoral será absolutamente vedada em quaisquer bens públicos, mesmo se utilizados por permissionário ou concessionário. Como a Lei nº 11.300/06 manteve o § 3º do art. 37, ainda existiria a possibilidade de realização de propaganda nas dependências do Poder Legislativo, sob critério da Mesa Diretora.
Os bens particulares cujo uso não seja comum (igrejas e comércios, por exemplo) podem prestar-se a qualquer propaganda eleitoral.
A penalidade também foi minorada em relação ao texto original e adiada pela notificação prévia para restauração do bem.
b) materiais de campanha:
A Lei nº 11.300/2006 deu nova redação aos § 6º do art. 39 da Lei nº 9.504/97, para vedar a confecção, utilização ou distribuição de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor, mesmo porque, de acordo com o art. 26 da referida lei, tais gastos não se reputam mais eleitorais.
Apesar da lei, o TSE respondeu à Consulta nº 1286/2006, acenando com a possibilidade de confeccionar-se, distribuir-se e utilizar-se displays, flâmulas e bandeirolas com propaganda eleitoral, se afixadas em veículos.
Diferentemente da redação original do § 5º do art. 39, que tratava como crime a distribuição de material no dia da votação, a vedação da nova lei refere-se à confecção, utilização ou distribuição de quaisquer "agrados" ao eleitor.
c) showmício:
A realização de showmício ou evento similar foi vedada na Lei nº 11.300/2006:
Art. 39.....
§ 7º. É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral.
d) outdoor:
A Lei nº 11.300/2006 vedou a propaganda eleitoral mediante outdoors, revogando-se o art. 42 da Lei nº 9.504/97. Em vista da vedação, nenhum engenho publicitário com as dimensões do outdoor (vinte metros quadrados) será admitido; as placas, se limitadas a quatro metros quadrados de área, poderão ser utilizadas (Consulta TSE nº 1274/2006).
O uso deste meio para propaganda eleitoral estará sujeito à pena de imediata retirada da propaganda e multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIR.
e) boca de urna:
A Lei nº 11.300/2006 manteve a reputação criminal da boca de urna, com a mesma penalidade de detenção e multa. Ademais, também previu a mesma pena para as condutas de arregimentar eleitores e de divulgar-se qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, mediante publicações, cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário.
f) propaganda em rádio e televisão:
O § 3º do art. 47 da Lei nº 9.504/97 propõe alterar a base de cálculo de distribuição do horário eleitoral em rádio e televisão. De acordo com o texto original, seria considerada a representação de cada partido na Câmara dos Deputados na data de início da legislatura que estiver em curso. Pela nova regra, seria considerada a representação de cada partido na Câmara dos Deputados como aquela resultante da eleição; assim, teríamos:
PARTIDO |
ELEIÇÃO 2002 (LEI Nº 11.300/06) |
POSSE (LEI Nº 9.504/97) |
PT |
91 |
90 |
PFL |
84 |
75 |
PMDB |
75 |
69 |
PSDB |
70 |
63 |
PPB |
49 |
43 |
PTB |
26 |
41 |
PL |
26 |
33 |
PSB |
22 |
28 |
PDT |
21 |
17 |
PPS |
15 |
21 |
PCDOB |
12 |
12 |
PRONA |
6 |
6 |
PV |
5 |
6 |
PSD |
4 |
- |
PST |
3 |
- |
PMN |
1 |
2 |
PSC |
1 |
1 |
PSDC |
1 |
- |
PSL |
1 |
1 |
* Dados obtidos junto à Câmara dos Deputados.
O comparativo entre os números indica claramente o impacto efetivo da nova regra, que, segundo o TSE, não se aplicará às eleições de 2006.