5. ANÁLISE DAS SÚMULAS 377 E 552 DO STJ
A visão monocular é definida como a perda total da visão em um dos olhos, causando ao portador a limitação no campo visual. Assim como a surdez unilateral, consiste na perda parcial de um dos sentidos importantes para o ser humano.
Contudo, o mesmo decreto que excluiu a surdez unilateral do rol de deficiências preservou os direitos de quem tem visão monocular.
De acordo com o entendimento do STJ, a visão monocular implica em limitações. O ministro Relator, Arnaldo Esteves Lima, chegou ao entendimento que as pessoas que tem visão monocular devem concorrer a vagas de deficientes em concurso público. Por isso, o STJ editou a Súmula 377: “o portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”.
Por outro lado, a Súmula 552 do STJ prevê que “o portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos”.
Portanto, as Súmulas instituem uma discriminação que viola a Constituição, pois quem possui a visão monocular pode concorrer nas vagas para concurso público como pessoa com deficiência, mas o mesmo benefício não é estendido ao surdo unilateral.
6. OS DESAFIOS DO SURDO UNILATERAL NO MERCADO DE TRABALHO
As pessoas com deficiência auditiva devem ter os mesmos direitos e deveres que os demais trabalhadores.
Quem trabalha em áreas ruidosas deverá usar equipamentos de proteção individual (EPI). Quando exposto a ruídos acima do nível de ação no ambiente de trabalho, deverá ser submetido ao monitoramento audiométrico com periodicidade.
O artigo 168 da CLT esclarece os momentos em que deve ser realizado o exame médico:
“Será obrigatório exame médico, por conta do empregador, nas condições estabelecidas neste artigo e nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho:
I - a admissão,
II - na demissão,
III - periodicamente.”
Para ser caraterizada a deficiência auditiva, o médico emite um laudo contendo o exame de audiometria bem como as limitações do paciente, descrevendo os graus da surdez.
Ainda nesse sentido, o Ministério do Trabalho, Secretaria de Segurança e Saúde do Trabalho criou a Portaria n.º 19, de 9 de Abril de 1998, que prevê o “exame audiométrico, que será realizado, no mínimo, no momento da admissão, no 6º (sexto) mês após a mesma, anualmente a partir de então, e na demissão”. Portanto, a empresa tem o dever de preservar a saúde auditiva do funcionário periodicamente.
Como a saúde auditiva é avaliada durante a contratação do empregado, o surdo unilateral termina por ser excluído da vaga de emprego depois de um exame de audiometria que precisa fazer para o processo de recrutamento. Assim, a legislação termina por causar barreiras à ocupação de vagas no mercado de trabalho pelos surdos unilaterais, que continuam enfrentando discriminação no momento de seu ingresso. Trata-se de um dos grandes obstáculos empreendidos contra a pessoa com surdez unilateral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em se tratando do surdo unilateral, houve um retrocesso nos direitos conquistados, pois foi excluído do conceito jurídico porque o legislador entendeu que ele não tem limitação, causando-lhe discriminação no mercado de trabalho.
A lei faz distinção nos graus da surdez, aceitando somente surdo bilateral, o que não está de acordo com a Medicina, que entende que o surdo unilateral tem limitações assim como o surdo bilateral.
A Constituição garante que as pessoas com deficiência não podem encontrar barreiras para sua inserção no mercado de trabalho, mas o surdo unilateral é excluído do processo de recrutamento nas empresas durante os exames admissionais.
Com isso, o princípio da igualdade está sendo violado para as pessoas com surdez unilateral, pois a Medicina comprova sua limitação no exame de audiometria e o Direito não dá apoio para sua inclusão no mercado de trabalho.
O legislador foi em desacordo à Constituição e à Medicina ao excluir o surdo unilateral, que também é discriminado no mercado de trabalho.
Portanto, faz-se necessário uma revisão na legislação vigente para que o surdo unilateral seja reconhecido como pessoa com deficiência.
REFERÊNCIAS
BEVILACQUA, M. C.; FORMIGONI, G. M. P. Audiologia educacional: uma opção terapêutica para a criança deficiente auditiva. 2. ed. Carapicuíba: Pró-Fono, 1998, 86p. 30 set. 2020.
BRASIL. Decreto Nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil de 03/12/2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 30 set. 2020.
BRASIL. LEI Nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 30 set. 2020.
BRASIL. Lei N°10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 30 set. 2020.
BRASIL. Decreto n° 3.298. Diário Oficial da República Federativa do Brasil de 20 de Dezembro de 1999. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 30 set. 2020.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 30 set. 2020.
BRASIL. Portaria n° 19, de 9 de Abril de 1998. Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho. Disponível em: https://www.fonosp.org.br/legislacao/ministerio-do-trabalho/385-portaria-n-c2-ba-19-de-09-de-abril-de-1998-09-10-2 Acesso em : 30 set. 2020.
-
BRASIL. Lei nº 13.146. Estatuto da Pessoa com Deficiência de 6 de julho de 2015.
D ispõe sobre a Inclusão da Pessoa com Deficiência. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso em: 30 set. 2020. CORRÊA, M. E. V. Reflexões Sobre a Inclusão do Aluno com Deficiência Auditiva. 2009. Disponível em: http:// www. Scielo.br Acesso em 30 set. 2020.
DÍAZ, F. et al. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: Questões contemporâneas. EDUFBA, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br Acesso em 30 set. 2020.
JAKUBOVICZ, R.. Avaliação, Diagnóstico e Tratamento em Fonoaudiologia: Disfonia, Disartria e Dislália. Rio de Janeiro, Revinter, 2002.
Lloyd L, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry: Press, 1978.
MASCARENHAS, Aline Araújo. Anacusia Unilateral:Análise jurídica acerca de vagas destinadas ao serviço público para surdos unilaterais. Scielo, 2019. Disponível em: www.scielo.br. Acesso em : 30 set. 2020.
PERELLO, Jorge; TORTOSA, Francisco. Sordomudez . Barcelona: Científico-Médica. 1978.
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos . Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras. 1998.
STROBEL, Karin. Surdos : vestígios não registrados na história. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2008b.
TRIGUEIRO, Charles de Sousa. Políticas afirmativas para pessoas com deficiência e a efetividade do princípio do pleno emprego: o caso dos portadores de visão monocular e surdez unilateral, 2014. Disponível em: <https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/tede/7784>. Acesso em: 30 Set. 2020.
Notas
[1] Disponível em: <https://www.ilocomotiva.com.br/single-post/2019/10/14/AG%C3%8ANCIA-BRASIL-Pa%C3%ADs-tem-107-milh%C3%B5es-de-pessoas-com-defici%C3%AAncia-auditiva-diz-estudo>. Acesso em: 30 set. 2020.
[2]Disponível em: <https://portalotorrino.com.br/tipos-graus-de-surdez>. Acesso em: 30 set. 2020.
[3] Disponível em: <https://www.audiumbrasil.com.br/profissional-de-saude>. Acesso em 30 set. 2020.