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Noções fundamentais de Direito Penal Canônico

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08/07/2006 às 00:00

Resumo:


  • O Direito Canônico possui suas próprias fontes e leis, que remontam à época primitiva da Igreja, com destaque para o Código de Direito Canônico de 1983.

  • Os princípios do Direito Penal Canônico incluem a irretroatividade das leis, a não-exaustividade na previsão de penas e a territorialidade e pessoalidade na aplicação das leis penais.

  • As penas no Direito Penal Canônico são classificadas em penas medicinais (censuras) e penas expiatórias, com remédios penais e penitências aplicadas de acordo com os princípios e procedimentos estabelecidos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Penas e sua classificação

O Título IV da I Parte enumera duas categorias de penas. São elas as penas medicinais ou censuras, e as penas expiatórias, chamadas pelo Código de 1917 de vindicativas.

Penas medicinais, ou censuras, são privações de bens administrados pela Igreja (sacramentos, exercício de ofícios e ministérios, bênçãos etc), impostas ao criminoso com o fim primário de sua correção. São censuras a excomunhão, o interdito e a suspensão. Podem as censuras ser latae sententiae ou ferendae sententiae.

"Cân. 1314 – O mais das vezes, a pena é ferendae sententiae, não atingindo o réu, a não ser depois de infligida; é latae sententiae, quando nela se incorre pelo simples fato de praticar o delito, se a lei ou o preceito assim o estabelecem expressamente."

A ferendae sententiae é aquela aplicada pelo juiz por sentença condenatória penal ou por decreto extrajudicial. A latae sententiae é automática, independente de sentença ou decreto; ainda assim, a pena latae sententiae pode ser declarada por sentença em processo judicial ou administrativamente por decreto. Essa sentença declaratória de pena latae sententiae não impõe a pena, somente reconhecendo que a mesma já foi aplicada automaticamente quando da realização do delito, e serve para dar publicidade àquela, além de contribuir para outros efeitos canônicos.

A pena de excomunhão coloca alguém fora da comunhão visível da Igreja, suspendendo-o da participação ministerial da Missa e de outras cerimônias de culto, impedindo-o de celebrar os sacramentos e sacramentais e de receber os sacramentos, e proibindo-o do exercício de ofícios, ministérios, cargos e atos de regime. O interdito é uma suspensão parcial da comunhão visível da Igreja. A pena de suspensão, por feita, é exclusivamente aplicada aos clérigos – diáconos, sacerdotes e Bispos –, nunca aos simples fiéis, e acarreta vários efeitos quanto ao exercício de atos do poder de ordem e do poder de regime, e de direitos e funções inerentes ao ofício; os efeitos desta são divisíveis.

Penas expiatórias, ou vindicativas na nomenclatura anterior, são: proibição ou obrigação de morar em determinado lugar ou território; privação de um poder, ofício, encargo, direito, privilégio, faculdade, graça, título ou insígnia, mesmo meramente honorífica; proibição de exercer o acima enumerado, ou proibição de exercer em determinado lugar ou também fora de determinado lugar; transferência penal para outro ofício; demissão do estado clerical. As penas expiatórias de proibição de exercício de poder, ofício etc, ou de exercê-lo em determinado lugar ou fora de determinado lugar podem ser latae sententiae. As demais exclusivamente ferendae sententiae. Têm as expiatórias a função precípua de restabelecer a ordem social interna da Igreja e dar exemplo aos fiéis, retribuindo pelo mal cometido.


Remédios penais e penitências

Os remédios penais são punições, em sentido amplo, mas não verdadeiras penas, uma vez que não privam de nenhum bem diretamente, e não estão necessariamente ligadas a um crime. Empregam-se para evitar um delito ou para compensar um escândalo ou perturbação da ordem pública. São remédios a advertência e a repreensão.

Já as penitências são imposições, pela autoridade, da realização de uma boa obra de religião, caridade ou piedade. Não se confundem com as penitências impostas pelo confessor ao absolver sacramentalmente um penitente, nem com as penitências assumidas voluntariamente por um fiel ou dadas pela Igreja para observância de todos os fiéis em certos dias do ano. Estas – sacramentais, voluntárias ou universais – estão no foro interno, ao passo em que as penitências como punições lato sensu estão no foro externo.

Estão disciplinados os remédios penais e as penitências no Cap. III do Título IV da I Parte do Livro VI do CIC.


Aplicação da pena canônica

Para a aplicação da pena, deve-se observar o princípio do esgotamento dos outros meios, previsto no cân. 1341. Antes do processo judicial ou administrativo, deve o Ordinário – Bispo ou equiparado a ele, ou Superior de instituto – recorrer à correção fraterna, à repreensão e a outras vias de solicitude pastoral, exceto se perceber, de imediato, que não serão eficazes.

Os remédios penais e as penitências podem ser aplicados por sentença judicial ou por decreto extrajudicial de caráter administrativo. Para a imposição de penas, a via ordinária é o processo penal com sentença condenatória à pena ferendae sententiae. Aos infratores de leis penais que cominam pena latae sententiae, a aplicação é automática, embora seja possível que tal reconheça-se por sentença de conteúdo declaratório. Ocorrendo justa causa, conforme o cân. 1342, pode o processo judicial ser substituído por procedimento administrativo, com condenação à pena ferendae sententiae ou declaração da pena latae sententiae em decreto extrajudicial, exceto quanto proibida por lei tal prática, ou quando necessário impor ou declarar pena perpétua, caso em que obrigatoriamente haverá processo judicial com sentença condenatória ou declaratória.

Há casos em que a lei faculta ao juiz aplicar ou não a pena, regendo-se por sua consciência e prudência. Nesses casos, há poder discricionário da autoridade, que, por conveniência e oportunidade, valorando o mérito do ato, pode também minorar a pena ou substituí-la por penitência. Mesmo em leis preceptivas, está facultado ao juiz eclesiástico fazer substituição, abster-se de aplicar a pena etc, se presentes alguns requisitos (entre eles, que o réu tenha sido suficientemente punido pela autoridade civil). A análise da vida pregressa e das circunstâncias pessoais do réu auxilia o juiz na dosagem da pena.

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Para a aplicação de penas medicinais (censuras), deve haver admoestação prévia.

Mesmo absolvendo o réu ou abstendo-se de aplicar pena, pode o Ordinário tomar medidas úteis a ele ou ao bem público – semelhantes ao caráter das medidas de segurança do CPB antes da Reforma de 1984 –, como advertências e remédios penais.

A apelação de sentenças condenatórias e declaratórias tem efeito suspensivo. De igual modo o recurso administrativo contra decreto extrajudicial.


Cessação da pena canônica

Cessa a pena pela superveniência de leis mais benigna, devendo o apenado ser declarado livre daquela. As penas temporárias cessam também por seu cumprimento, como é óbvio. Outrossim, podem as penas cessar pela remissão ou perdão.

Remissão é um instituto jurídico-canônico em que a autoridade competente perdoa o apenado. No mais das vezes, a autoridade é o Ordinário, que pode remitir diretamente ou através de um vigário, ou mesmo conceder a todos os sacerdotes incardinados em sua circunscrição eclesiástica o poder de remissão. Outras penas têm sua remissão reservada à Santa Sé. No CIC são os seguintes delitos com pena cuja remissão é reservada: sacrilégio contra a Santíssima Eucaristia (cf. cân. 1367), violência física contra o Romano Pontífice (cf. cân. 1370, § 1), absolvição de cúmplice em pecado contra o sexto mandamento (cf. cân. 1378, § 1), sagração episcopal sem mandato pontifício (cf. cân. 1382), e violação do sigilo sacramental, na forma direta (cf. cân. 1388, § 1, primeira parte). "As reservas", ensina Mons. Luigi de Magistris, Regente da Penitenciária Apostólica, "têm por objetivo criar um obstáculo e um freio com relação àqueles delitos gravíssimos, que são objeto da reserva mesma." [04]

Quando um pecador que também recebeu uma pena por um delito canônico aproxima-se do sacramento da Reconciliação – a confissão –, deve o confessor analisar a pena e o delito: se é uma pena reservada, deve orientá-lo a procurar a Santa Sé, escrevendo à Penitenciária Apostólica, pedindo a remissão, ou indicar um sacerdote que tenha privilégio de remissão de penas reservadas (de Ordens clericais de Direito Pontifício, v.g., cujos privilégios foram mantidos pelo novo CIC); se a pena não é reservada, e ele tem autorização do Ordinário, pode remitir (sacerdotes de Ordens mendicantes têm privilégio universal para remitir excomunhão por pecado de aborto); se não tiver autorização, deve indicar o Ordinário para remitir a pena, deixando de absolver, exceto se restar difícil ao penitente ficar em estado de pecado grave até que o Ordinário tome providências, sendo a pena latae sententiae de excomunhão ou interdito, não-declarada, caso em que remitirá a censura, absolverá, e imporá a obrigação de recorrer ao superior, sob pena de reincidência. Se a pena for ferendae sententiae, ou, quando latae sententiae, tiver sido declarada judicial ou administrativamente, não há a exceção, devendo o penitente buscar o Ordinário, não sendo reservada. Se a pena for reservada, a exceção também não se aplica, e só a Santa Sé, através da Penitenciária Apostólica, pode remiti-la.


Notas

01 HORTAL, Pe. Jesús, SJ. Nota ao cânon 9, in "Código de Direito Canônico", 3ª ed., São Paulo: Loyola, 2001

02 DEL GRECO, Fr. Teodoro da Torre, OFMCap. Teologia Moral, São Paulo: Paulinas, 1959, p. 791

03 cf. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Aplicação da Pena, Porto Alegre: AJURIS/Escola Superior da Magistratura, 1986, pp. 10-12

04 MAGISTRIS, Mons. Luigi de. O instante fugitivo da graça, in "Sacerdos", edição em português, nº 23, p. 47

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Sobre o autor
Rafael Vitola Brodbeck

Delegado de Polícia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRODBECK, Rafael Vitola. Noções fundamentais de Direito Penal Canônico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1102, 8 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8601. Acesso em: 22 dez. 2024.

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