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Saque do FGTS em tempos de covid-19.

Algumas reflexões sobre esta possibilidade

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22/10/2020 às 15:45
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2.  O ARTIGO 20, DA LEI 8.036/1990 – AS HIPÓTESES ORIGINAIS DE SAQUE DO FGTS 

Em razão da proposta do presente estudo, aqui não examinares as situações alusivas a saque do FGTS de forma emergencial criadas pelo Governo Federal, em razão da COVID-19.

As hipóteses de saque do FGTS são previstas no artigo 20, da lei 8036/1990, conforme teor do dispositivo abaixo transcrito:

Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:

I - despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de força maior;

I-A - extinção do contrato de trabalho prevista no art. 484-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto- Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943;

II - extinção total da empresa, fechamento de quaisquer de seus estabelecimentos, filiais ou agências, supressão de parte de suas atividades, declaração de nulidade do contrato de trabalho nas condições do art. 19-A, ou ainda falecimento do empregador individual sempre que qualquer dessas ocorrências implique rescisão de contrato de trabalho, comprovada por declaração escrita da empresa, suprida, quando for o caso, por decisão judicial transitada em julgado;

III - aposentadoria concedida pela Previdência Social;

IV - falecimento do trabalhador, sendo o saldo pago a seus dependentes, para esse fim habilitados perante a Previdência Social, segundo o critério adotado para a concessão de pensões por morte. Na falta de dependentes, farão jus ao recebimento do saldo da conta vinculada os seus sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, expedido a requerimento do interessado, independente de inventário ou arrolamento;

V - pagamento de parte das prestações decorrentes de financiamento habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), desde que:

a) o mutuário conte com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;

b) o valor bloqueado seja utilizado, no mínimo, durante o prazo de 12 (doze) meses;

c) o valor do abatimento atinja, no máximo, 80 (oitenta) por cento do montante da prestação;

VI - liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor de financiamento imobiliário, observadas as condições estabelecidas pelo Conselho Curador, dentre elas a de que o financiamento seja concedido no âmbito do SFH e haja interstício mínimo de 2 (dois) anos para cada movimentação;

VII – pagamento total ou parcial do preço de aquisição de moradia própria, ou lote urbanizado de interesse social não construído, observadas as seguintes condições:

a) o mutuário deverá contar com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou empresas diferentes;

b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH;

VIII - quando o trabalhador permanecer três anos ininterruptos fora do regime do FGTS;

IX - extinção normal do contrato a termo, inclusive o dos trabalhadores temporários regidos pela Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974;

X - suspensão total do trabalho avulso por período igual ou superior a 90 (noventa) dias, comprovada por declaração do sindicato representativo da categoria profissional.

XI - quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido de neoplasia maligna.

XII - aplicação em quotas de Fundos Mútuos de Privatização, regidos pela Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976, permitida a utilização máxima de 50 % (cinqüenta por cento) do saldo existente e disponível em sua conta vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na data em que exercer a opção.

XIII - quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for portador do vírus HIV;

XIV - quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes estiver em estágio terminal, em razão de doença grave, nos termos do regulamento;

XV - quando o trabalhador tiver idade igual ou superior a setenta anos.

XVI - necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições:

a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal;

b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e

c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento. 

XVII - integralização de cotas do FI-FGTS, respeitado o disposto na alínea i do inciso XIII do art. 5o desta Lei, permitida a utilização máxima de 30% (trinta por cento) do saldo existente e disponível na data em que exercer a opção.

XVIII - quando o trabalhador com deficiência, por prescrição, necessite adquirir órtese ou prótese para promoção de acessibilidade e de inclusão social.

XIX - pagamento total ou parcial do preço de aquisição de imóveis da União inscritos em regime de ocupação ou aforamento, a que se referem o art. 4o da Lei no 13.240, de 30 de dezembro de 2015, e o art. 16-A da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, respectivamente, observadas as seguintes condições:

a) o mutuário deverá contar com o mínimo de três anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;

b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) ou ainda por intermédio de parcelamento efetuado pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), mediante a contratação da Caixa Econômica Federal como agente financeiro dos contratos de parcelamento;

c) sejam observadas as demais regras e condições estabelecidas para uso do FGTS.

XX - anualmente, no mês de aniversário do trabalhador, por meio da aplicação dos valores constantes do Anexo desta Lei, observado o disposto no art. 20-D desta Lei;

XXI - a qualquer tempo, quando seu saldo for inferior a R$ 80,00 (oitenta reais) e não houver ocorrido depósitos ou saques por, no mínimo, 1 (um) ano, exceto na hipótese prevista no inciso I do § 5º do art. 13 desta Lei;

XXII - quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for, nos termos do regulamento, pessoa com doença rara, consideradas doenças raras aquelas assim reconhecidas pelo Ministério da Saúde, que apresentará, em seu sítio na internet, a relação atualizada dessas doenças.

Sobre a lista acima transcrita do artigo 20 da Lei, existe uma corrente que a considera como sendo uma lista exaustiva, de modo que, não se enquadrando o trabalhador em alguma das hipóteses do incisos do artigo 20 da lei, o direito ao saque é impossibilitado.

Neste sentido, destaca-se o seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. RETENÇÃO DE FGTS POR CONTA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. VERBA INDENIZATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA. 1. OS VALORES RELATIVOS AO FGTS POSSUEM CARÁTER DIVERSO DAS VERBAS DE NATUREZA REMUNERATÓRIA, POIS CONSTITUEM PARCELAS DE INDENIZAÇÃO RECOLHIDAS DURANTE O TEMPO DE SERVIÇO DO EMPREGADO; 2. OS VALORES QUE PERFAZEM A BASE DE CÁLCULO, PARA EFEITOS DE DESCONTOS RELATIVOS A VERBAS ALIMENTARES, SÃO, TÃO SOMENTE, OS DE CARÁTER SALARIAL, QUE CONSTITUEM OS VENCIMENTOS DO ALIMENTANTE; 3. O IMPETRANTE TEM DIREITO AO SAQUE DO PERCENTUAL RETIDO PELA CEF, HAJA VISTA NÃO SER O FGTS PASSÍVEL DE DESCONTOS CORRESPONDENTES À PENSÃO ALIMENTÍCIA; 4. REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDA. (TRF-5 - REOMS: 75001 CE 2000.05.00.060285-3, Relator: Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior (Substituto), Data de Julgamento: 20/08/2002, Quarta Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 26/12/2002 - Página: 235).

Contudo, destaque-se que existe corrente em sentido contrário, entendendo ser possível saques além das hipóteses expressamente prevista no artigo 20 da Lei 8.036/1990, como é o caso, por exemplo, da possibilidade de penhora e saque do FGTS pelo credor de pensão alimentícia, caso o trabalhador devedor não possua outros bens para liquidação dessa obrigação. É o que se pode perceber com base nas jurisprudências adiante indicadas:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL. ATO JUDICIAL. JUSTIÇA ESTADUAL. ALVARÁ DE LEVANTAMENTO DE VALORES DE CONTA VINCULADA AO FGTS. TITULARIDADE DE DEVEDOR DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA E ILEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. . 1. Mantém-se integralmente a decisão agravada por seus próprios fundamentos. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à possibilidade de a Justiça estadual autorizar o levantamento de valores de conta vinculada ao FGTS para o pagamento de obrigação alimentar do titular. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no RMS: 28395 RS 2008/0269545-0, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 07/04/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/04/2011).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - LEVANTAMENTO DE FGTS PARA PAGAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA - POSSIBILIDADE - DECISÃO REFORMADA. - O cumprimento de obrigação alimentícia é direito constitucionalmente tutelado (art. 5º,inciso, LXVII, da CR), não podendo a legislação infraconstitucional obstar a correta subsistência do alimentando, sob pena de ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. - O artigo 20, da Lei 8.036/90 não pode restringir o pagamento de pensão alimentícia em favor de pessoa necessitada, devendo o citado dispositivo legal ser interpretado de forma a garantir a máxima efetividade dos direitos assegurados na Constituição da República. (TJ-MG - AI: 10024102855798001 MG, Relator: Edilson Fernandes, Data de Julgamento: 23/07/2013, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/08/2013).

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Todavia, após os esclarecimentos acima, interessa-nos discutir se, neste período de pandemia, em que várias pessoas sofrem pela redução ou inexistência de renda, se é possível o saque do FGTS neste tipo de contexto atual.

Isto porque há situações em que as pessoas não conseguem recolocação no mercado de trabalho ou, quando possuem remuneração mista (salário fixo mais comissões) esta última parcela vem sofrendo graves reduções em função da atividade econômica, totalmente retraída.

Nestes casos, então, é de perquirir se é possível o saque o FGTS, por causa da COVID-19, na hipótese prevista no inciso XVI, do artigo 20 da Lei 8.036/1990.

É que o referido inciso aborda situação em que exista necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natura, conforme inciso XVI, do artigo 20.

Para tanto, o trabalhador deverá residir na localidade em que configure situação de emergência ou em estado de calamidade pública (assim reconhecida pelo Governo Federal).

O trabalhador terá um prazo de 90 dias após o reconhecido da situação de emergência ou estado de calamidade pública para realizar o saque. A grande questão é, qual o limite de valor? Entendemos que, desde que devidamente provado, a quantia não pode sofrer limitações.

Entendemos que no momento atual é possível o saque pelo trabalhador, com base nos aspectos que adiante passaremos a examinar.

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Sobre o autor
Marcos Costa

Contador, Advogado, mestre em direito público e especialista em contabilidade e finanças. Professor Universitário e sócio do escritório Marcos Costa Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Marcos. Saque do FGTS em tempos de covid-19.: Algumas reflexões sobre esta possibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6322, 22 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86127. Acesso em: 25 abr. 2024.

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