Transexualidade e os reflexos previdenciários no Brasil ano 2020

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No regime previdenciário, existem requisitos a serem cumpridos para ensejar a aposentadoria. As consequências jurídicas surgem quando há divergências de sexos, sendo um sistema binário, vez que para o sexo feminino a contribuição é inferior em comparação.

Resumo: No regime previdenciário existem requisitos a serem cumpridos para ensejar a aposentadoria. As consequências jurídicas surgem quando há divergências de sexos, sendo um sistema binário (dividido em masculino e feminino), vez que para o sexo feminino a contribuição é inferior em comparação ao do sexo masculino. Mesmo com os direitos assegurados na Constituição como o de igualdade, dignidade da pessoa humana e da personalidade, devido a esse sistema ser divergente, a mudança de gênero encontra-se sem respaldo legal, cabendo à análise de cada caso concreto. A alteração registral antes e posterior à inclusão ao RGPS, bem como mudanças físicas asseguram a necessidade de regulamentação.  

Palavras-chave: Sistema Binário. Previdência. Mudança de gênero. Transexualidade. Regulamentação.

Sumário: Introdução.  1. Aspectos da Constituição Federal.  1.1 Garantias constitucionais. 2. Histórico da transexualidade. 2.1. Conceito de transexualidade do ponto de vista filosófico, psicológico e médico. 3. Histórico da previdência Social. 4. Sistema binário x inclusão dos transexuais no direito previdenciário. Conclusão. Referências bibliográficas.


Introdução

A CF/88, pautada nos princípios da dignidade da pessoa humana regula a previdência social em seu art. 201, § 7º, incisos I e II estabelece o regime binário, sendo menos tempo de contribuição e idade em função de diferenças biológicas e jornadas de trabalhos extras do sexo feminino. Essa especificidade gera um conflito aparente, sendo ineficiente na busca por uma lei que preencha essa lacuna ocasionada quando inclusos os transexuais no cenário da seguridade social, visto que são indivíduos que fisicamente podem possuir um sexo e psicologicamente se apresenta em sexo oposto.

A transexualidade está em constante crescimento. Em artigo produzido para o site o estadão fora pontado que em 2019 o numero de candidatos optantes a inserção de nome social teve um salto de 286% a maior. (HALLAL, 2019) Verificando esses dados de crescimento, nota-se que a legislação é omissa nos casos de aposentadorias dos transgêneros.

Os direitos inerentes na CF\88 sobre dignidade da pessoa humana estão pautados como o inicio das inserções sociais das classes e após, os direitos de personalidades são analisados no STJ, REsp n. O 1.008.398/SP, DJe de 18.11.2009)  e nos enunciados 42 e 43 da I jornada de direito e saúde. As poucas leis sobre os direitos de personalidade abrangem os transgêneros ao modo que dispensem a transgenitalização para ratificar o nome em seu registro civil, possibilitando ainda a adequação após inscrição ao RGPS.

A análise mostra que os transgêneros são integrantes de uma sociedade em desenvolvimento, e como tal desideratos, mesmo existindo uma distinção de sexos na previdência social, devem ser inseridos ao grupo que desejarem e optarem sem ter prejudicado seus direitos dignos a qualquer humano.


ASPECTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Carta Magna de 1988, pautada na declaração Universal dos direitos do Homem trouxe direitos inerentes a qualquer humano, garantindo a liberdade, bem estar e uma vida com dignidade, podendo inclusive proteger os indivíduos aos eventos que causam dificuldades. Seu rol do art. 5º enuncia diversos direitos que denota o fundamento do estado democrático de direito.

Esse estado intitulado está em constante atualização, se tornando assim, um Estado contemporâneo. Por estado contemporâneo entende-se que evoluindo, se tornou um sistema de proteção, nesse entendimento:

[...] desde a assistência prestada por caridade até o estágio em que se mostra como um direito subjetivo, garantido pelo Estado e pela sociedade a seus membros, é o reflexo de três formas distintas de solução do problema: a da beneficência entre pessoas; a da assistência pública; e a da previdência social, que culminou no ideal de seguridade social. (CASTRO et al., p. 59)

Importante salientar que a prestação da Constituição são bases de cunho respeitável na promoção da paz, justiça social, liberdade, desenvolvimento bem estar, perfazendo um combinado de lutas e avanços da sociedade em forma de lei no modelo de estado contemporâneo.

Garantias Constitucionais

A constituição em seu art. 5º resguarda direitos eminentes a qualquer pessoa. Nesse sentido, nota-se que o Estado tem o objetivo de promover o bem estar social.

No campo da personalidade nota-se que direitos a personalidade e humanos estão sempre em conjunto. Não há como distinguir um, sem citar outro, pois, são garantias de uma vida digna, sendo, então, direitos essenciais e fundamentais recebidos pela ordem jurídica e fruto de um histórico cultural, politico e ideológico, os quais foram acentuados por lutas e movimentos sociais.

Os direitos de personalidade são imprescritíveis, intransmissíveis e não se extingue pela inércia. Subtende assim, que o direito nasce e só extingue com seus próprios titulares. Por essas classificações, se extrai que o Estado deve regular procedimentos necessários a resignado sexo, sendo, portanto, direitos personalíssimos dos transexuais.

Além da cirurgia de readequação de sexo, a alteração do registro civil é um grande impasse para os transexuais devido o principio de imutabilidade do nome. A desembargadora Maria Berenice Dias explica: A Lei dos Registros Públicos diz que o prenome só pode ser alterado quando expuser ao ridículo o seu portador, sendo admitida à alteração somente a pedido do interessado, contanto que não prejudique o sobrenome da família. Outra objeção que impede a mudança do nome decorre da vedação do art. 1.604 do Código Civil: “Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”. Esse é o fundamento que leva a Justiça, muito frequentemente, a indeferir o pedido de retificação.(DIAS, p.3)

Rosa Maria Nery citada na obra de Maria Helena Diniz (2002, p. 98), expõe outra opção no que se trata o registro civil para adequação do problema:

Os documentos têm de ser fiéis aos fatos da vida, logo, fazer a ressalva é uma ofensa à dignidade humana. Realmente, diante do direito à identidade sexual, como ficaria a pessoa se se colocasse no lugar de sexo “transexual”? Sugere a autora que se faça, então, uma averbação sigilosa no registro de nascimento, assim, o interessado, no momento do casamento, poderia pedir, na justiça, uma certidão “de inteiro teor”, onde consta o sigilo. Seria satisfatório que se fizesse tal averbação sigilosa junto ao Cartório de Registros Públicos, constando o sexo biológico do que sofreu a operação de conversão de sexo, com o intuito de impedir que se enganem terceiros.

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) na (ADI) no 4.275, admitiu aos transgêneros o direito à substituição do prenome e do gênero no âmbito administrativo (cartórios de registro civil de pessoas naturais), sem necessidades de exames, procedimentos ou cirurgia de transgenitalização, apenas com uma auto declaração. Dispõe:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E REGISTRAL. PESSOA TRANSGÊNERO. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO NO REGISTRO CIVIL. POSSIBILIDADE. DIREITO AO NOME, AO RECONHECIMENTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, À LIBERDADE PESSOAL, À HONRA E À DIGNIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO OU DA REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS HORMONAIS OU PATOLOGIZANTES.

1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero.

2. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la.

3. A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. 4. Ação direta julgada procedente.

Essa alteração é uma exigência essencial na medida em que para o transexual usar nome social, após sua mudança, readequação sexual, ou qualquer outro procedimento seria constrangimento, podendo inclusive, sofrer discriminação.


HISTÓRICOS DA TRANSSEXUALIDADE

Historicamente, a população trans. fora marginalizada havendo assim, perseguição por sua anormalidade. Anormalidade intitulada por considerarem a época o sexo de nascimento e identificação por toda a vida. Qualquer distinção desse padrão estaria em estigmatizada.

Inicialmente, cabe destacar que é difícil e sem precisão dados de quando houve a primeira ocorrência da transexualidade, entretanto, há uma mutualidade consensual entre vários filósofos e médicos que os primeiros traços da transgenia têm como marco a origem no século XIX.

Referência sobre o transexualismo, Harry Benjamin relata sua relação com a endocrinologia. Expõe ser inadequada a determinação de sexo baseado em diferenças anatômicas. E a transexualidade ultrapassa essa determinação, sendo ligada ao psicológico, causa biológica e endócrina.

Conceito de transexualidade do ponto de vista filosófico, psicológico e médico

Para conceituar os transgêneros o Cauldwell (2001), médico, criou em 1949 a expressão “psychophatia transexual” e trouxe a visão dos transexuais que seria: o desejo mórbido patológico de ser um indivíduo completo do sexo oposto. Esse desejo é tão forte que o indivíduo insiste em submeter-se à cirurgia que o transformaria – mesmo isso sendo impossível – numa mulher completa, ou ela num homem perfeito.

Sobre o conceito de transexualismo:

Conceito de transexual foi inicialmente recepcionado no Brasil por meio do martírio impingido ao médico Roberto Farina, primeiro cirurgião a fazer uma cirurgia de redesignação genital no Brasil, em 1971, em Waldirene Nogueira. Em 1978, Farina foi processado pelo Conselho Federal de Medicina – CFM – sob a acusação de lesões corporais graves. Foi condenado em primeira instância e somente absolvido em uma instância superior porque uma junta médica do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde ocorrera o procedimento, havia dado um parecer favorável à intervenção, fazendo uso do conceito de Benjamim quanto ao procedimento como solução terapêutica. (Revista cult, 2018.)

No período de 1997 o Conselho Federal de Medicina, em suas atribuições autorizou como experimento a primeira cirurgia de transgenitalização. O quadro do paciente era de transtornos psicológicos, com práticas de automutilação extermínio, assim classificada pelo Conselho Federal de Medicina como transtorno de identidade de gênero (TIG). Essa autorização se tornou um passo importante e desencadeou outras transformações psicológicas, sociológicas e medicinais.

A Resolução nº 1.652/02 do CFM teve um papel importante no desenvolvimento do tema. Essa Resolução autoriza o procedimento de transgenitalização sem via judicial, no entanto precisaria obedecer aos padrões e requisitos impostos na resolução.

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Em 2008 a portaria nº 1.707 trouxe grandes avanços instituindo o processo transexualizador, no qual a rede de saúde pública dá acesso para submissão da cirurgia de transgenitalização.

A portaria nº 1.820/GM/MS em 2009 passou a dispor sobre os direitos e deveres dos usuários (as) da saúde e passou a assegura a utilização de nome social no SUS.

Regulamentada em 2013 a portaria nº 2.803 revogou a portaria nº 1.707, complementando em consonância com outras portarias que asseguram a saúde e ao atendimento para readequação sexual.

Até 2018 a transexualidade era tratada como doença psique conforme a classificação internacional de doenças:

Transexualismo: Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal-estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado. (CID, 2018)

Logo em seguida, a OMS lançou a nova classificação CID-11 que entrará em vigor em 2022 e passará a tratar o transexualismo como incongruência de gênero e não como doença mental. Segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) é uma incongruência persistente entre o sexo biológico  e o atribuído, um comportamento variante de gênero, ou seja há uma desarmonia em relação ao sexo biológico da pessoa. Trata-se de mudança significativa para os transgêneros, uma vez que não devem ser tratados como doentes.


3.  HISTÓRICOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

O primeiro país a criar um plano de aposentadoria foi a França, no ano de 1673, para os membros da Marinha real. A Lei Eloy Chaves teve contribuições ao marco da previdência brasileira. Foi dessa lei que o deputado federal paulista criou, em conjunto com as companhias ferroviárias, a Caixa de Aposentadoria e Pensão (CAP).

No decorrer do tempo, a previdência social foi modificando. Perceba-se:

O Brasil só veio a conhecer verdadeiras regras de caráter geral em matéria de previdência social no século XX. Antes disso, apesar de haver previsão constitucional a respeito da matéria, apenas em diplomas isolados aparece alguma forma de proteção a infortúnios. A Constituição de 1824 – art. 179, XXXI – mencionava a garantia dos socorros públicos, em norma meramente programática; o Código Comercial, de 1850, em seu art. 79, garantia por três meses a percepção de salários do preposto acidentado, sendo que desde 1835 já existia o Montepio Geral da Economia dos Servidores do Estado (MONGERAL) – primeira entidade de previdência privada no Brasil. (CASTRO et al., 2020. p. 98.)

Em 1888, no Brasil se tornou uma das épocas importantes, passando a avistar a garantia de proteção social aos trabalhadores. Nesse período, regulamentou através de um decreto o direito à aposentadoria dos empregados dos Correios e no decorrer dos anos, foram criados outros decretos, incluindo novas categorias de trabalhadores.

A Previdência social passou a ser então:

[...]o sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas vinculadas a algum tipo de atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardadas quanto a eventos de infortunística (morte, invalidez, idade avançada, doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário), ou outros que a lei considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduo (maternidade, prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios previdenciários) ou serviços. Desde a inserção das normas relativas ao acidente de trabalho na CLPS/84, e, mais atualmente, com a isonomia de tratamento dos beneficiários por incapacidade não decorrente de acidente em serviço ou doença ocupacional, entende-se incorporada à Previdência a questão acidentária. É, pois, uma política governamental.(CASTRO et al., 2020. p. 120)

O STF no RE 414.816 AgR/SC da 1ª Turma tendo como Rel. Min. Eros Grau, orienta que:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INSS. PENSÃO POR MORTE. LEI N. 9.032/95. APLICAÇÃO RETROATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. EXTENSÃO DO AUMENTO A TODOS OS BENEFICIÁRIOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA.

[...] 3. O sistema público de previdência social é baseado no princípio da solidariedade [artigo 3º, inciso I, da CB/88], contribuindo os ativos para financiar os benefícios pagos aos inativos [...].

Logo, passou por diversas modificações até chegar a essa seguridade social vigente e possui princípios que vedam o retrocesso reduzindo os direitos já adquiridos em âmbitos sociais.

A Constituição de 1998, por exemplo, em seu art. 201 estabeleceu um envolvimento de saúde, assistência e previdência social, arrecadando e distribuindo de forma organizada os recursos, bem como dividiu em um sistema binário.

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Sobre os autores
Leonardo Navarro Aquilino

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto (1997) e especialização em Direito das Obrigações pela UNESP. Atualmente é professor da Fundação UNIRG nas áreas de Direito Empresarial e Processo Civil, havendo ministrado aulas em Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Tributário e Prática Forense, bem como, professor da Universidade Católica do Tocantins, em Palmas, ministrando aulas em Direito do Trabalho, Direito Tributário e Prática Trabalhista. Professor da Faculdade Serra do Carmo, ministrando Direito Empresarial. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em direito empresarial e tributário. Vice Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Gurupi, Estado do Tocantins 2007/2009. Membro do Conselho Acadêmico Superior do Centro Universitário UNIRG Biênio 2008/2010. Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Tocantins, Triênio 2010/2012. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Membro do Grupo de Pesquisa Terceiro Setor e Tributação Nacional e Internacional. Membro do Corpo Editorial da Revista de Direito da Escola Superior da Advocacia OAB Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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