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Breves reflexões sobre a reforma do agravo na Lei nº 11.187/2005

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10/07/2006 às 00:00
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Embora bem intencionada, essa "reforma da reforma da reforma", no afã de conferir celeridade aos processos judiciais, cria mais problemas que soluções.

SUMÁRIO: 1. Intróito – 2. Das conseqüências práticas decorrentes do novel parágrafo único do art. 527 do CPC – 3. Análise de mérito do parágrafo único do art. 527 do CPC – 3.1. Insegurança jurídica – 3.2. Desprestígio dos juízes de primeiro grau e do órgão colegiado – 3.3. Potencialização dos erros judiciários – 3.4. Reavivamento do mandado de segurança para impugnar ato judicial – 3.5. Inconstitucionalidade – 4. Considerações finais – Bibliografia.


1. Intróito

            Entrou em vigor em janeiro de 2006 a Lei nº 11.187, de 20 de outubro de 2005, de autoria do Poder Executivo, que "Altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil, para conferir nova disciplina ao cabimento dos agravos retido e de instrumento, e dá outras providências" [01].

            Esta lei foi primeira que se incorporou ao direito positivo a partir da série de projetos que integram o chamado Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano, assinado pelos Presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, em 15 de dezembro de 2004, por oportunidade da promulgação da Emenda Constitucional nº 45 (Reforma do Judiciário) [02], e que já resultaram em quatro outras leis: 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006.

            Embora bem-intencionada, essa reforma da reforma da reforma, no afã de conferir celeridade aos processos judiciais e reduzir o número de recursos disponíveis em nosso sistema processual civil, cria mais problemas que soluções, e contraria o próprio sentimento que tem imbuído os três poderes da República e a sociedade civil na consecução da verdadeira e necessária Reforma Processual Civil.

            Em que pese o fato de a lei ostentar pontos louváveis, como a restrição do cabimento do agravo de instrumento e a obrigatoriedade de apresentação oral das razões do agravo retido, entendemos que há nela um grave problema cujo cerne é a nova redação dada ao parágrafo único do art. 527 do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece, peremptoriamente, que "A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo [art. 527 do CPC], somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar".

            Discordamos de que a irrecorribilidade estatuída se trate meramente de "opção política", como se tem alardeado. Embora quatro dos potenciais efeitos nefastos do dispositivo legal em comento – insegurança jurídica, desprestígio dos juízes de primeiro grau e do colegiado, potencialização de erros judiciários e reavivamento do mandado de segurança para impugnar atos judiciais – estejam incluídos na margem de liberdade do legislador para tomada de decisões sobre política judiciária, situando-se no campo da (in)oportunidade e da (in)conveniência, identificamos violações aos princípios constitucionais do acesso à justiça e do juiz natural, o que conduz o dispositivo à inconstitucionalidade material.

            Para justificar o fato de o relator, autonomamente (e não mais por delegação do colegiado), haver passado à condição de juiz natural das decisões liminares em agravo de instrumento, tem-se afirmado que juiz natural é simplesmente aquele apontado pela lei. É óbvio que este é um dos vetores do conceito de juiz natural. O outro vetor é mais complexo e está associado à formatação do sistema recursal e à estrutura dos tribunais, delineada pela Constituição Federal, e, em razão do princípio da simetria, pelas Constituições Estaduais, que acaba por se espraiar nas leis de organização judiciária dos Estados: a necessidade imperiosa de que a lei que elege o juiz natural o faça de forma razoavelmente compatível com o sistema.

            Vale, ainda, a lembrança de que o regime que ora se estabelece é, em alguns pontos, semelhante àquele vigente entre 1973 e 1995, ano em que as regras do agravo foram alteradas e lhe foi dada a atual configuração. É de se rememorar que, à época, o hoje demonizado agravo de instrumento irrestrito foi visto como grande avanço no combate ao arbítrio dos juízes de primeiro grau. Lamentavelmente, o que se faz agora é o restabelecimento do arbítrio, mas deslocado para "sobrejuízes", de segundo grau, o que representa uma versão piorada do regime instituído pelo Código de 1973 e abolido vinte e dois anos depois.


2. Das conseqüências práticas decorrentes do novel parágrafo único do art. 527 do CPC

            Podemos sintetizar em duas as principais conseqüências práticas da nova redação do parágrafo único do art. 527 do CPC, as quais analisaremos neste estudo:

            i) a decisão do desembargador-relator que, ao examinar se a questão de fundo versada no recurso é ou não urgente, para fins de avaliação sobre o cabimento do agravo de instrumento, concluir pela ausência de urgência e pela sua conversão em retido, passa a ser irrecorrível, suprimindo-se a previsão de recurso ao colegiado hoje existente no inciso II do art. 527 codificado; e

            ii) a decisão liminar do desembargador-relator que deferir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou conceder a antecipação da tutela recursal passa a ser também expressamente irrecorrível, excluída a hipótese de interposição do agravo interno dirigido ao colegiado competente para a apreciação do mérito do recurso, o que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aceitado por interpretação analógica do art. 557, § 1º, do CPC.

            Como se vê, o dispositivo em análise amplia em muito os atuais poderes do desembargador-relator do agravo de instrumento, excluindo, sem qualquer razão legítima, poderes que pertencem ao colegiado, que, em última análise, é o verdadeiro órgão competente para analisar o recurso, portanto seu juiz natural.

            Doravante, distribuído o agravo de instrumento, o relator verificará, preliminarmente, o cabimento do agravo de instrumento, analisando se a questão de mérito discutida no recurso é ou não capaz de causar ao agravante lesão grave e de difícil reparação. Caso o relator conclua pela negativa, de acordo com a nova sistemática, converterá o agravo em retido e determinará a sua remessa ao juízo a quo, mediante decisão liminar irrecorrível.

            Atente-se que a fórmula traçada para o descabimento do agravo de instrumento é mais rígida que a da antecipação da tutela jurisdicional (art. 273, do CPC), vez que esta admite também como requisito a possibilidade de dano de incerta reparação, ao passo que aquela se limita ao dano de difícil reparação, o que, obviamente, restringe ainda mais as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento.

            Admitido o processamento do agravo de instrumento, caberá ao relator, em decisão liminar irrecorrível, resolver sobre a antecipação da tutela recursal ou a concessão de efeito suspensivo ao recurso.


3. Análise de mérito do parágrafo único do art. 527 do CPC

            Entendemos que a irrecorribilidade estatuída é, no mínimo, inconveniente, e até mesmo inconstitucional. Para defender nosso ponto de vista, arrolaremos cinco argumentos contrários ao mencionado dispositivo, com a finalidade de demonstrar por que seu conteúdo se contrapõe não só à Constituição e ao sistema vigente, mas ao próprio espírito da Reforma.

            Propositalmente, analisaremos a questão da inconstitucionalidade ao final, após o exame dos quatro argumentos associados à oportunidade e conveniência do dispositivo. Isso se deve à sua imbricação necessária com o cabimento do mandado de segurança para impugnação de ato judicial, que analisaremos como último argumento de mérito.

            3.1. Insegurança jurídica

            Em primeiro lugar, a irrecorribilidade das decisões liminares proferidas pelo relator do agravo de instrumento acarretará grave insegurança jurídica [03] e violará o próprio princípio das decisões colegiadas, que rege a disciplina dos processos nos tribunais. Com efeito, ao estabelecer que "A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo [art. 527 do CPC], somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar", a norma fortalece os entendimentos minoritários, em detrimento das teses prevalecentes no colegiado, cuja adoção será postergada até o momento do julgamento do mérito do agravo de instrumento (isso se o agravo não tiver perdido o objeto, fato comum, em virtude do tempo que leva o relator para submetê-lo à apreciação da turma ou câmara).

            Nessa absurda situação de extrema valorização dos entendimentos minoritários, mesmo que uma determinada tese jurídica seja pacífica na turma, câmara ou órgão especial do tribunal, o jurisdicionado precisará "torcer" para que o seu recurso não seja distribuído a desembargador que, embora isolado, mantenha entendimento contrário à sua tese, e, se o for, deverá, mais uma vez, "torcer" para que o recurso seja julgado rapidamente, a fim de que sua tese prevaleça no julgamento do colegiado. É desnecessário tecer maiores considerações sobre o que ocorrerá se a hipótese for de iminência de perecimento do direito.

            Não se pode olvidar, outrossim, que a nova redação do caput do art. 522 e dos incisos II e III do art. 527, assim como a remissão ao art. 558, todos do CPC, ao mencionar as expressões "decisões suscetíveis de causar à parte lesão grave e de difícil reparação" e "relevante fundamentação", guardam consigo conceitos vagos, que, para Teresa Arruda Alvim Wambier, embora possam causar problemas de ordem interpretativa, não criam para a situação concreta mais de uma solução juridicamente correta [04]. Em outras palavras: não há que se falar em várias soluções corretas para o mesmo caso concreto, embora o esforço do intérprete seja maior e mais complexo, e, portanto, as chances de interpretação incorreta de um conceito impreciso sejam maiores.

            Ademais, partindo da definição do insuperável Arruda Alvim sobre os conceitos indeterminados [05], como os que permeiam os arts. 522, 527 e 558 do CPC, temos que concluir que, quando o legislador opta por transferir ao julgador a incumbência de dirimir as dúvidas conceituais que se apresentam em decorrência da utilização dos conceitos vagos ou indeterminados nas normas jurídicas, acaba por transferir-lhe, igualmente, o ônus da manutenção da segurança jurídica, de modo que há de ser estabelecido algum mecanismo que possibilite ao próprio aplicador da lei zelar por este elevado valor.

            É nesse contexto que a recorribilidade das decisões liminares adotadas pelo relator do agravo de instrumento é necessidade imperiosa, e a sua vedação é verdadeira razão ensejadora de insegurança jurídica.

            Ao gerar insegurança jurídica e aumentar a assimetria de informação, o dispositivo repercute negativamente na economia do país, aumentando o risco e inibindo, a um só tempo, a oferta de crédito e o investimento, de forma a potencializar o spread bancário, conforme assinala o professor de economia da FGV/SP e presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia, Gesner Oliveira [06]- [07].

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            Esse efeito, sem dúvida, contraria o espírito da Reforma, que, com propostas como a de modificação no processo de execução e de inversão da regra sobre os efeitos da apelação, tem buscado justamente o oposto do que foi levado a cabo pela Lei nº 11.187, de 2005: aumentar a segurança jurídica e reduzir a assimetria de informação para favorecer o aporte de capitais no Brasil e reduzir o chamado custo do judiciário brasileiro.

            3.2. Desprestígio dos juízes de primeiro grau e do órgão colegiado

            O segundo argumento diz respeito ao desprestígio da decisão proferida em primeiro grau de jurisdição. Uma das mais justas reivindicações que se faz em relação ao processo civil brasileiro está relacionada com a efetividade da decisão proferida pelo juiz de primeira instância. Justamente aquela lançada pelo magistrado que tem o contato mais imediato com as partes, e que deve ter sensibilidade suficiente para perceber a complexidade da lide que se lhe apresenta, a fim de não apenas aplicar a lei, mas promover a justiça.

            Merece menção o fato de que a função revisional dos tribunais não deve ser exercida de forma a revelar uma mera emulação entre individualidades judicantes de 1º e 2º graus, mas sim, o amadurecimento de teses discutidas por magistrados experimentados no âmbito de um órgão colegiado, cuja formatação tem sua razão de ser.

            Ora, a regra incluída no parágrafo único do art. 527 do CPC vai justamente na contramão do princípio das decisões colegiadas nos tribunais, esvaziando o seu caráter coletivo e fortalecendo a figura dos "sobrejuízes", que tomam decisões irrecorríveis monocraticamente. Isso, sem dúvida, representa desprestígio (mais um, aliás) aos juízes de primeiro grau.

            Ademais, ao excluir da apreciação do colegiado o exame da liminar proferida no agravo de instrumento, o dispositivo legal depõe contra o sistema, tornando total, irrestrita e isenta de controle a competência delegada pela lei ao relator, e esvaziando os poderes do órgão delegante. Em outras palavras: como, nos tribunais, a competência do relator deriva da do colegiado, é inconcebível que este não disponha de qualquer mecanismo para controlar as decisões daquele.

            Esta é a posição de Humberto Theodoro Junior, para quem "nos casos de competência recursal dos tribunais, o relator, quando decide singularmente, atua como delegado do colegiado, e o faz por economia processual, sem, entretanto, anular a competência originária do ente coletivo" [08]. Sustenta o processualista mineiro que a lei ordinária ou o regimento interno de tribunal que negar o acesso ao colegiado acaba por subtrair da parte o acesso ao seu juiz natural [09].

            Não é exagero imaginar que, em muitos casos, a depender da postura adotada pelo relator, haverá verdadeiro esvaziamento do objeto do agravo, o que torna o julgamento pelo colegiado ato mera e estritamente formal. Vale dizer, nesse caso, terá a lei instituído novo juiz natural para o recurso, em contrariedade ao sistema constitucional que contempla os tribunais como órgãos colegiados.

            É de causar perplexidade, ainda, a incoerência que reveste a idéia da irrecorribilidade das decisões liminares adotadas pelo desembargador-relator. Ora, por que não se defende a irrecorribilidade da decisão do juiz de primeiro grau, tese que pareceria muito mais razoável, dada a proximidade deste às partes e à realidade pulsante dos fatos? A resposta é simples: não propriamente em homenagem ao duplo grau de jurisdição (que não é considerado garantia constitucional, conforme se posicionam, dentre outros, Nelson Nery Junior [10], Humberto Theodoro Junior [11] e Roberto Rosas [12], podendo ser excepcionado em casos específicos), mas porque ocorreria violação ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (Constituição Federal, art 5º, XXXV).

            Como se pode, então, sem incorrer em contradição, defender a irrecorribilidade da decisão do relator do agravo de instrumento, se, em muitos casos, ele é o primeiro a alinhavar argumentos e a valorar fundamentos, ao deferir a antecipação da tutela recursal? Por quê no primeiro caso há violação ao princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional e no segundo não? O princípio constitucional do acesso à justiça se vincula ao próprio direito material que reclama tutela ou à autoridade que a examinou (juiz ou sobrejuiz)? O quê dizer da decisão, absoluta e soberana, do relator de converter o agravo de instrumento em retido? Quem fiscaliza essa decisão? E se a hipótese, eventualmente mal valorada pelo relator, ao converter o agravo de instrumento em retido, for de iminência de perecimento do direito?

            3.3. Potencialização dos erros judiciários

            Em terceiro lugar, pode-se afirmar que a lei aumenta as chances de ocorrerem erros judiciários, à medida que concentra, de forma desaconselhável, poderes muito amplos nas mãos do relator, com o conseqüente esvaziamento das competências do colegiado.

            Como já mencionamos, no segundo grau de jurisdição a falta de contato com as partes é compensada com a pluralidade das idéias que se apresentam no debate travado no órgão colegiado e a fiscalização recíproca entre seus membros. Com a nova lei, apenas o relator poderá deferir e reconsiderar decisões liminares no agravo de instrumento, sem o contato com as partes, sem o debate plural de idéias e sem a fiscalização de seus pares.

            Essa situação é especialmente delicada porque a indeterminação dos conceitos usados pela lei para autorizar o deferimento da liminar irrecorrível favorece a ocorrência de erros. A irrecorribilidade, assim, retira das partes a possibilidade de correção tempestiva do eventual equívoco, o que pode ocasionar verdadeiro perecimento do direito discutido na lide.

            3.4. Reavivamento do mandado de segurança para impugnar ato judicial

            O quarto argumento é referente ao reavivamento do mandado de segurança contra ato judicial. Na atual disciplina legal do agravo, que hoje é cabível contra qualquer decisão interlocutória, está praticamente descartada a utilização do mandado de segurança para impugnar decisões judiciais, salvo as situações excepcionais autorizadas pela jurisprudência [13]- [14].

            A conseqüência insofismável da irrecorribilidade das decisões liminares proferidas pelo relator do agravo de instrumento é a indesejável reabilitação do writ of mandamus para a tutela de direitos líquidos e certos eventualmente ameaçados pelo decisum do relator do agravo.

            A respeito do tema, Celso Agrícola Barbi, com propriedade, pondera:

            A verdade é que, no curso das demandas, com bastante freqüência, surgem atos judiciais ilegais, cuja execução é capaz de causar dano grave ou irreparável a uma das partes. A existência de recurso contra esse ato não é suficiente para evitar o dano, quando o recurso não tiver efeito suspensivo

[15].

            E arremata, o ilustre professor mineiro:

            Nesses casos, o único meio de evitar o dano era mesmo o mandado de segurança, notadamente pela possibilidade da suspensão liminar do ato impugnado. Esta era a realidade a que não se podia fugir e a que nos rendemos, modificando, portanto, nossa posição exposta nas 1ª, 2ª e 3ª edições deste livro. Se o mandado de segurança não pretendia, inicialmente, ser instrumento de controle de atos judiciais, as necessidades da vida judiciária, todavia, acabaram levando-o a preencher essa finalidade

[16].

            Com isso, o esforço empreendido para restringir o número de recursos no processo civil estaria anulado pela possibilidade de impetração do mandado de segurança, que, por ser previsto constitucionalmente, não pode ser excluído. Em verdade, entendemos que a situação delineada é ainda pior do que a anulação dos esforços, pois gerará uma ação própria com todo o cabedal de recursos a ela inerente.

            Vicente Greco Filho observa, com percuciência, que o problema é de política legislativa e de técnica processual, salientando que o sistema brasileiro prefere os recursos às ações autônomas, de modo a reduzir o número de ações tendentes a rever atos judiciais [17]. Vê-se, pois, que o dispositivo legal em comento atenta contra o próprio sistema.

            Athos Gusmão Carneiro, que já foi contrário à recorribilidade das decisões liminares proferidas pelo relator do agravo de instrumento, sabiamente reviu sua posição, após observar as peculiaridades do sistema processual brasileiro, e passou a manifestar a mesma preocupação que ora nos aflige. Vale transcrever o magistério do ilustre professor gaúcho:

            Já tive oportunidade, em sede doutrinária, de acompanhar a opinião de Araken de Assis, no sentido da irrecorribilidade da decisão liminar do relator do agravo, nos casos do art. 558. Três fundamentos, principalmente de ordem pragmática, levam-nos todavia a reconsiderar tal ponto de vista, passando, portanto, a admitir, em tais casos, o emprego do agravo interno.

            Em primeiro lugar, a inexistência de recurso contra a decisão singular do relator poderá motivar o litigante a novamente utilizar, de forma anômala e vitanda, o mandado de segurança como sucedâneo recursal, e conduzir a jurisprudência a novamente tolerar tal despautério processual. Além disso, se é certo que as decisões monocráticas, em sua grande maioria, são justas e razoáveis, algumas podem apresentar injuridicidade gritante, que necessite de correção a mais pronta e eficaz; e a objeção decorrente da celeridade do rito do agravo de instrumento nem sempre encontra respaldo na realidade (v.g. relator enfermo ou em férias, extremo acúmulo de processos pendentes de julgamento, greve de servidores forenses, problemas na intimação do agravado, demoras decorrentes de temerária conduta processual das partes, pedidos de vista acarretando demorada suspensão do julgamento colegiado etc.)

[18].

            O magistério do professor gaúcho exterioriza algumas das mesmas preocupações que manifestamos linhas volvidas.

            De qualquer modo, considerando-se a irrecorribilidade das decisões liminares proferidas pelo relator do agravo de instrumento, três serão, basicamente, as hipóteses ensejadoras de impetração de mandado de segurança para impugná-las. Vejamos:

            i) quando o relator converter o agravo de instrumento em agravo retido;

            ii) quando o relator deferir ou indeferir a antecipação da tutela recursal;

            iii) quando o relator deferir ou indeferir o efeito suspensivo ao agravo.

            Na primeira hipótese, diante da própria imprecisão dos conceitos utilizados pela norma ("quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação"), instalar-se-á controvérsia, pois, evidentemente, para o agravante, na defesa de seus interesses, qualquer mínima lesão pode ser afirmada como grave ou de difícil reparação. Aliás, o que é uma lesão grave? O que é uma lesão de difícil reparação? Certamente, não há fórmula objetiva para o enquadramento das situações fáticas, havendo necessidade de análise caso a caso.

            Na segunda e na terceira hipóteses, ante a irrecorribilidade da decisão liminar exarada pelo relator, falar-se-á em impetração de mandado de segurança para suspender-lhe os efeitos.

            Interessante notar que o relator do mandado de segurança (geralmente membro do órgão especial, por se tratar de impetração contra ato de desembargador) poderá adotar três diferentes posturas, todas elas recorríveis mediante agravo interno: i) indeferir a petição inicial, por entender ausentes os requisitos de admissibilidade do writ (art. 8º, da Lei nº 1.533/51); ii) deferir o processamento do mandado de segurança, mas indeferir a liminar (art. 7º, inciso II, da Lei nº 1.533/51); e iii) deferir o processamento do mandado de segurança e deferir a liminar (art. 7º, inciso II, da Lei nº 1.533/51).

            Ao final, contra o acórdão que denegar a ordem, caberá recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça. Em caso de acórdão concessivo, os recursos cabíveis serão o especial, para o Superior Tribunal de Justiça, e o extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, conforme se trate de violação ao texto infraconstitucional ou constitucional, respectivamente.

            Vê-se logo que, ainda que o mandado de segurança seja utilizado com mais prudência pelas partes e admitido mediante exame mais criterioso pela jurisprudência, a simples possibilidade de mais recursos é suficiente para demonstrar a absurdidade do dispositivo e sua contrariedade ao espírito da Reforma.

            3.5. Inconstitucionalidade

            Merece, por fim, atenção a questão relativa à subtração do exame recursal ao juiz natural, ponderada por Humberto Theodoro Junior e Barbosa Moreira, que parece-nos de extrema gravidade, tese que defendemos desde a edição da lei [19]. O professor mineiro, ao tratar da necessária recorribilidade da decisão singular do relator, sustenta que a lei ordinária ou o regimento interno de tribunal que negar o acesso ao colegiado acaba por subtrair à parte o acesso ao seu juiz natural, o que, naturalmente, implica em inconstitucionalidade material [20]. O professor fluminense, de sua parte, aponta o órgão colegiado como juiz natural dos recursos, salientando a impossibilidade de se lhe vedar o acesso [21].

            Ofensa ao juiz natural porque esse princípio constitucional não se vincula exclusivamente à decisão final, mas a qualquer decisum que deva ser prolatado para assegurar a prestação jurisdicional tempestiva, efetiva e adequada. Ora, quem é o juiz natural do agravo de instrumento? O desembargador-relator ou o colegiado? A resposta parece evidente. A violação ao princípio constitucional do juiz natural também.

            José Carlos Teixeira Giorgis também se debruçou sobre a questão:

            Por outro lado, como reforça a doutrina, em órgãos colegiados é impossível pensar em decisão do relator que não seja suscetível de reexame pelo colegiado.

            Como o colegiado é o órgão competente para conceder ou denegar a liminar, também o é para julgar o feito. E, se não há delegação ao relator, tal não exclui a competência do colegiado.

            Dizer-se irrecorrível a decisão do relator sobre a medida liminar é dar-lhe competência não delegada, que não tem respaldo na lei nem justificativa na ciência ou técnica jurídica

[22].

            Realmente, sendo o princípio do juiz natural uma garantia constitucional assegurada pelo art. 5º, inciso LIII, o dispositivo em tela, ao obstaculizar o exame, em sede de liminar, pelo colégio, restringindo-o ao relator, acaba por malferir o texto constitucional.

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Sobre o autor
Bruno Dantas Nascimento

consultor legislativo do Senado Federal, advogado, professor universitário em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Bruno Dantas. Breves reflexões sobre a reforma do agravo na Lei nº 11.187/2005. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1104, 10 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8616. Acesso em: 18 dez. 2024.

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