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O papel da Anvisa na vacinação compulsória

21/10/2020 às 12:10
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Fala-se que a obrigatoriedade deve decorrer da exigência do certificado de vacinação para a prática de determinados atos, como viajar de ônibus ou avião, ou para a emissão de documentos oficiais. O que já se pode prever?

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é uma autarquia fundada pela Lei 9.782/99 com o intuito de exercer o controle sanitário dos serviços e produtos que são submetidos à vigilância sanitária, sejam eles nacionais ou importados, como por exemplo os alimentos, medicamentos, cosméticos, derivados de tabaco, entre outros.

Caberá à ANVISA o papel determinante de aprovação com relação a aplicação de vacinas que combatam o terrível mal da COVID-19.

O papel da ANVISA, dentro de uma devida discricionariedade técnica, é de ser agente normatizador na área de saúde.  

Como informou a Carta Capital, “no Brasil, quatro vacinas na fase 3 – a que abrange a testagem em voluntários – tiveram estudos clínicos autorizados pela Anvisa: a de Oxford, desenvolvida também pelo laboratório Astrazeneca e pela Fiocruz; a Coronavac, da Sinovac e Instituto Butantan, a Pfizer-Wyeth e a Janssen-Cilan, da Johnson & Johnson (atualmente em pausa para estudo de efeitos adversos).”

As duas primeiras estão em fase de “submissão contínua”, o que permite que a Anvisa inicie a avaliação de dados do produto e de fases já concluídas da pesquisa enquanto outros dados são gerados para compor um dossiê final, afirmou a agência em nota a CartaCapital. “Para ambos, a Anvisa já avaliou os dados submetidos e emitiu exigências às empresas para complementação de informações e dados”.

Até o momento, o Ministério da Saúde tem acordos com os dois estudos. O anúncio mais recente é de terça-feira 20, quando a pasta confirmou a compra de 46 milhões de doses da Coronavac para o SUS.

Os principais objetivos da regulamentação como instrumento de regulação são:

  • Subsídios às ações sanitárias.
  • Diminuição de desigualdades resultantes dos conflitos trazidos pela relação de produção e consumo.
  • Prevenir e evitar riscos à saúde de toda a população.
  • Indução de comportamentos em benefício da coletividade.
  • Transparência, harmonização e igualdade de tratamento.

A ANVISA, como as demais agências regulatórias, têm o poder de exercer uma função normativa secundária, e não primária, como faz o Legislativo, por lei, ou o Executivo, por medidas provisórias (com os limites de urgência e necessidade dados pela Constituição).

Não cabe ao legislador primário uma função regulatória. Esta cabe às agências reguladoras. Disse bem Justen Filho (Direito das Agências Reguladoras Independentes, 2002) que" a função regulatória (ou reguladora) visa realizar o gerenciamento dos múltiplos e antinômicos interesses da sociedade, traduzindo "em restrições à autonomia privada para evitar que o exercício abusivo de certas prerrogativas ponha em risco a realização de outros valores".

Daí porque bem resumiu Carlos Roberto Siqueira Castro (A Constituição aberta e os direitos fundamentais, pág. 213) que a competência normativa exercida pelas Agências Reguladoras, inserida no sistema de separação de poderes e considerando-se a proeminência da instituição legislativa para a positivação das regras jurídicas, é inconfundível com o "poder regulamentar", primário, de competência do chefe do Poder Executivo, que se faz através de regulamentos de execução (reproduzindo de forma analítica a lei, ampliando-a, se for o caso, e completando-a segundo o seu espírito e o seu conteúdo, sobretudo nos aspectos e detalhes que a lei expressa ou implicitamente outorga à esfera regulamentar). O poder regulamentar do Executivo, lembre-se, envolve regulamentos (decretos) de regulamentação e regulamentos de organização, não autônomos, pois a Constituição não os permite.

As Agências Reguladoras, verdadeiras autarquias, como é o exemplo da ANVISA, têm o poder de exercer uma função normativa secundária, desde que observadas as normas hierarquicamente superiores. Essa função normativa é secundária, repita-se.

A Constituição de 1988 impõe ao Estado o dever de proteger a saúde das pessoas (art. 196), por meio de uma série de ações, dentre as quais a vigilância sanitária (art. 200, I). Portanto, a Constituição admite a vacinação compulsória, desde que haja indicação médica, com segurança ao cidadão e efetividade na proteção da coletividade. No Brasil, tal avaliação é de competência da ANVISA (que aprova a comercialização e uso de fármacos no país) e do Ministério da Saúde, com apoio da CONITEC (que incorpora novas tecnologias ao SUS).

Fala-se que a obrigatoriedade deve decorrer da exigência do certificado de vacinação para a prática de determinados atos, como viajar de ônibus ou avião, ou para a emissão de documentos oficiais.

Mas a obrigatoriedade quanto à vacinação somente virá de lei, primária, norma típica primária.

No Brasil, promulgada em 1975, a Lei 6.259, que instituiu o Programa Nacional de Imunizações, já ressaltava a obrigação de se vacinar. Nela, há previsão até mesmo da edição de medidas estaduais — com audiência prévia do Ministério da Saúde — para o cumprimento das vacinações. 

Lei nº 6.259/75 foi regulamentada pelo Decreto nº 78.2314, de 12 de agosto de 1976, agregando o detalhamento da forma como a vacinação obrigatória deveria ser executada no Brasil. Conforme descrito no Art. 27 do regulamento, "serão obrigatórias, em todo o território nacional, as vacinações como tal definidas pelo Ministério da Saúde, contra as doenças controláveis por essa técnica de prevenção, consideradas relevantes no quadro nosológico nacional".

O Decreto editado, de nº 78.231, tem natureza de regulamento de execução.

O Decreto dispõe ainda, no Art. 29, que é dever de todo cidadão submeter-se à vacinação obrigatória, juntamente com os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade. A dispensa da vacinação obrigatória somente é permitida à pessoa que apresentar Atestado Médico de contraindicação explícita da aplicação da vacina.

Essa norma de 1975, como se lê daquele artigo 196 da Constituição, foi recepcionada pelo novo sistema constitucional de 1988, Constituição-Cidadã, que impõe a saúde como direito do cidadão, a ser exercido por ele.

A obrigatoriedade de vacinação de menores foi reforçada posteriormente pelo disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei nº 8.069/905 - que regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, visando estabelecer os direitos e a proteção integral a essa população. O ECA, no parágrafo único do Art. 14, estabelece que "é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias".

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A obrigatoriedade da vacinação representa uma proteção ao bem público comum da prevenção e promoção da saúde. Tal somente poderá ser flexibilizado, nos limites da razoabilidade e da proporcionalidade, quando não houver riscos relevantes para a saúde pública. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O papel da Anvisa na vacinação compulsória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6321, 21 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86178. Acesso em: 24 abr. 2024.

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