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O sistema jurídico: normas, regras e princípios

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16/07/2006 às 00:00

Resumo:


  • Os princípios evoluíram de meras fontes secundárias do Direito para ocuparem posição hierárquica nas Constituições.

  • Princípios possuem dimensão de peso e importância, enquanto regras são partidárias do "tudo ou nada".

  • Os conflitos entre princípios são resolvidos ponderando seus valores, enquanto regras em conflito resultam em antinomia jurídica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: Os princípios não passavam de mera fonte (e fonte secundária) do Direito, porém, após chegarem aos códigos, materializando-se em regras por eles informadas e, em sua essência, constituídas como positivação daqueles, os princípios deram um verdadeiro salto qualitativo e acabaram aportando nas Constituições, aumentando, significativamente, sua importância. Assim, a distinção entre princípios e regras, tomados como espécies do gênero norma, revela-se essencial à adequada compreensão da noção de sistema jurídico.


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende esboçar a distinção entre normas, em sentido amplo, como gênero, regras e os princípios, como espécies daquele gênero. Tal distinção se revela essencial à adequada compreensão de sistema jurídico, bem assim, para a hermenêutica jurídica e, mais especificamente, para a interpretação constitucional.

Os princípios não passavam de mera fonte (e fonte secundária) do Direito, porém, após chegarem aos códigos, materializando-se em regras por eles informadas e em sua essência constituídas como positivação daqueles, os princípios deram um verdadeiro salto qualitativo e acabaram aportando nas Constituições, aumentando, significativamente, a importância e o prestígio, de forma que já se fala, como Flórez-Valdés, segundo registro feito por Bonavides (2000, p. 259), até em uma concepção principal do direito.

Em seu patamar atual, os princípios passaram a ser tratados como normas jurídicas, concepção segundo a qual os colocamos, como espécies do gênero norma, convivendo com as regras, também espécies dessas mesmas normas.

Diversas escolas tratam do assunto, sendo que seguiremos, nesse particular, a corrente que considera a Constituição como um sistema aberto de regras e princípios, como faz, por exemplo, o prof. Canotilho (2000, p. 1123).

Assim, identificando nas normas constitucionais princípios e regras, traçaremos distinção entre estes, posto que podem e devem ser entendidos separadamente. Nesse contexto, um dos interessantes elementos de distinção entre princípios e as regras, é a possibilidade de entrarem aqueles em choque ou em rota de colisão, tendo em conta que convivem em verdadeiro estado de tensão conflitiva, problema a ser resolvido sopesando valores, em cada caso concreto, ou seja, numa dimensão axiológica; diferentemente das regras, que se chocam numa dimensão de validade.


2. MODERNA COMPREENSÃO DE SISTEMA JURÍDICO

O professor Canotilho (2000, p. 1123), fornece-nos a explicitação da idéia de que o sistema jurídico deve ser visto como um sistema normativo aberto de regras e princípios:

1) – é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas;

2) – é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica (Caliess) traduzida na disponibilidade e ‘capacidade de aprendizagem’ das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da ‘verdade’ e da ‘justiça’;

3) – é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas;

4) – é um sistema de regras e de princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras.

Por sua vez, Dworkin (1982, p. 90) mostra que, nos chamados casos-limites ou hard cases, quando os juristas debatem e decidem em termos de direitos e obrigações jurídicas, eles utilizam standards que não funcionam como regras, mas, trabalham com princípios, política e outros gêneros de standards. Princípios (principles) são, segundo este autor, exigências de justiça, de equidade ou de qualquer outra dimensão da moral, e que junto com as regras compõem o sistema jurídico.

Assim, ao afirmar que os juristas empregam, em determinados casos, princípios e não regras o autor reconhece serem duas espécies de distintas do gênero norma, habitando o sistema jurídico, cuja diferença, trataremos de esboçar adiante.


3. NORMAS JURÍDICAS

Não é fácil conceituarmos normas jurídicas. Tércio Sampaio Ferraz Jr (1986, p. 141) a elas se refere, dizendo:

Normas jurídicas são discursos heterológicos, decisórios, estruturalmente ambíguos, que instauram uma meta-complementariedade entre orador e ouvinte e que, tendo por quaestio um conflito decisório, o solucionam na medida em que lhe põem um fim.

Distinga-se, como fez Canotilho (2000, p. 1181), a norma do seu enunciado, formulação ou disposição, pois, enquanto a norma é sentido ou significado adstrito a qualquer disposição (ou a um fragmento de disposição, combinação de disposições, combinações de fragmentos de disposições), a disposição é a parte de um texto ainda a interpretar. Ou, para mais esclarecer, diz o mesmo e ilustre professor : "o texto da norma é o ‘sinal linguístico’; a norma é o que se ‘revela’ ou ‘designa’.

Nessa linha de argumentação, tomando o signo norma em lato sensu, perfeitamente sustentável a classificação, utilizada por Canotilho (2000), de princípios e regras como espécies do gênero norma. Assim, esses os componentes do sistema jurídico, compreendido como fenômeno dinâmico, em constante evolução, por isso mesmo atualmente dito sistema normativo aberto.

3.1. As regras jurídicas

Podemos considerar as regras jurídicas como um padrão de comportamento, um guia da vida social, que se impõe seja aos cidadãos, e, ao menos em tese, em benefício deles próprios, pois que viabilizariam a vida em sociedade; é como tal que devemos aceitá-las.

Essa aceitação é explicável, e se evidencia, de um ponto de vista pragmático, pela alusão à prática dos membros do grupo de a usarem como base de fundamentação de pretensões ou exercício de poderes. Ela é uma prática social. As regras, juntamente com os princípios (seriam as espécies), formam as normas jurídicas (gênero).

3.1.1. Tipologia das regras jurídicas

Hart (1994, p. 91) ensina que, na busca sobre a natureza do Direito, há certas questões principais recorrentes: uma delas refere-se a que o sistema jurídico consiste, pelo menos em geral, em regras. Ele mesmo constrói um modelo complexo, o Direito como a união entre regras primárias e regras secundárias, que é, assim, "a chave para a ciência do direito".

Há, portanto, necessidade de assinalar os diferentes tipos de regras, o que se faz distinguindo-as em regras primárias e as regras secundárias. Nas palavras de Hart, as regras do primeiro tipo impõem deveres, obrigações, e as regras do segundo tipo atribuem poderes.

Ainda segundo Hart (1994, p. 102), as regras secundárias seriam: a) de reconhecimento (rule of recognition), permitem definir quais as regras que pertencem ao ordenamento, seu objetivo é eliminar as incertezas quanto às regras primárias; b) de alteração (rules of change), que conferem poder a um indivíduo ou a um corpo de indivíduos para introduzir novas regras primárias e eliminar as antigas, impedindo, assim, que sejam estáticas; c) de julgamento ou de adjudicação (rule of adjudication), dão poder aos indivíduos para proferir determinações dotadas de autoridade respeitantes à questão sobre se foi violada uma regra primária.

Já em Canotilho (2000, p. 1132-1137), encontramos uma classificação das regras jurídico-constitucionais que, mesmo não sendo exaustiva, oferece uma visão do assunto suficiente para a abrangência da nossa atual tarefa. Partindo da bipartição das normas em organizatórias e materiais, considerou:

  • (I) Regras jurídico-organizatórias - regulam o estatuto da organização do Estado e a ordem de domínio:

    • a) Regras de competência: estabelecem as atribuições ou as esferas de competência dos vários órgãos constitucionais;

    • b) Regra de criação de órgãos (normas orgânicas): disciplinam a criação de certos órgãos. Podem, ainda, atribuir competência a esses órgãos, transformando-se em normas orgânicas e de competência.

    • c) Regras de Procedimento: usadas somente quando o procedimento é elemento fundamental da formação da vontade política ou do exercício das competências consagradas na Constituição.

  • (II) Regras jurídico-materiais - regulam os limites e programas da ação do Estado em relação aos cidadãos - classificam-se em quatro grupos:

    • a) Regras de direitos fundamentais: destinam-se ao reconhecimento, à garantia ou à conformação constitutiva dos direitos fundamentais;

    • b) Regras de garantias institucionais: são usadas para a proteção das instituições, sejam públicas ou particulares;

    • c) Regras determinadoras de fins e tarefas do Estado: fixam, de maneira abstrata e global, os fins e as tarefas prioritárias do Estado;

    • d) Regras constitucionais impositivas: impõem deveres concretos e permanentes, materialmente determinados. São normas constitucionais impositivas em sentido restrito, podendo apresentar uma subdivisão em:

      • 1) ordens de legislar;

      • 2) imposições legiferantes ou imposições constitucionais.

3.2. Os princípios jurídicos

A palavra princípio exprime a idéia de começo, onde tudo se inicia. Ao mesmo tempo, princípio também remete à idéia de importante, principal, por isso mesmo é que, como nos lembra Bulos (1997, p. 39), sobre ela dizia Gaio: "princípio é a parte mais importante de qualquer coisa" (Digesto, I, 2, 1).

Genaro Carrió (1986, p. 208-212) indica sete focos de significação assumidos pelo vocábulo princípio, a partir deles enunciando um total de onze significações atribuíveis à expressão "princípio jurídico".

Referindo-nos a Princípios, oportuno o exemplo Belga, relatado por Perelman, reproduzido pelo agora Ministro Eros Grau (2000, p. 75-77), de que, durante a primeira guerra mundial, aquele país foi quase inteiramente ocupado pelo exército alemão. Então, o Rei se encontrava no Havre e, dada a impossibilidade de reunir a Câmara e o Senado, passou a legislar sozinho, através de decreto-lei.

Entretanto, ao faze-lo, violava, o disposto o art. 26. da Constituição belga, segundo o qual o poder de legislar haveria de ser exercitado, conjuntamente, por ele - o Rei -, pela Câmara e pelo Senado. E, com a disposição (aliás evidente) que "A Constituição não pode ser suspensa nem no seu todo nem em parte" a legalidade dos decretos-lei editados pelo Rei, durante a guerra, sem a participação da Câmara e do Senado, foi questionada, tendo sido apontados como ofensivos ao aludido art. 26. da Constituição.

Se a teoria de Kelsen fosse inteiramente adequada à realidade jurídica, e se apenas o positivado (de forma expressa) no texto constitucional constituísse a norma fundamental do direito belga, a Corte de cassação não teria podido fazer outra coisa senão subscrever a argumentação que apontava a inconstitucionalidade dos decretos–leis editados exclusivamente pelo Rei.

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Apesar disso, a Corte interpretou aquele estado excepcional, e lançou mão dos princípios para convalidar os atos legislativos praticados pelo Rei, apesar da aparente contradição com o texto constitucional "na aplicação dos princípios constitucionais, o Rei, que durante a guerra era o único órgão do poder legislativo que conservara sua liberdade de ação, adotou as disposições com força de lei que a defesa do território e os interesses vitais da nação imperiosamente demandavam".

Como se observa neste relato de Perelman, o ordenamento jurídico não constitui um conjunto de regras jurídicas cujo sentido e alcance independe do contexto político e social, mas sim que tais regras estão subordinadas a solução esposada pela Corte de cassação se impunha. Um sistema ou ordenamento jurídico não será jamais integrado exclusivamente por regras. Nele se compõem, também, princípios jurídicos ou princípios de direito.

O já citado Bonavides (2000, p. 228-230), após apresentar conceitos de princípios formulados por Luís Diez Picazo1, F. de Clemente2 e F. de Castro3, critica-os pela falta do elemento normatividade, que considera como o traço mais importante na atualidade. Igual crítica faz a esse conceito formulado pela Corte Constitucional italiana:

Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico.

José Afonso da Silva (1996, p. 94) diz serem os princípios verdadeiras ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, ou, são "núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais". Assim, os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios e constituindo preceitos básicos da organização constitucional.

Bandeira de Melo (1996, p. 545-546), no mesmo sentido, conceitua:

Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

3.2.1. Características dos princípios:

Observando as características básicas dos princípios, ensina Canaris (1996, p. 88):

  • a) não valem sem exceção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição - a decisão do julgador pode ser válida e eficaz, mesmo quando baseada em princípio singular que poderia levá-lo a uma decisão antagônica;

  • b) não têm a pretensão de exclusividade - diversas vezes os princípios estão conectados; uma mesma conseqüência jurídica, característica de um determinado princípio, também pode ser conectada com outro princípio;

  • c) ostentam seu sentido próprio apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas - devem ser analisados de forma plena, e na da aplicação de um ou mais princípios se tenha em mente e faça parte da decisão final a ponderação dos demais princípios contrapostos e limitativos. Deve-se buscar os limites existentes entre os princípios, pois estes só adquirem seu significado próprio quando se ligam entre si, para, a partir de várias premissas, adequarem-se ao caso concreto;

  • d) precisam, para sua realização, de uma concretização através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo material próprio – os princípios não existiriam sem outros sub-princípios e valorações de conteúdo material, não são capazes de aplicação imediata, antes devendo ser normativamente consolidados ou normativizados.

3.2.2. Dimensões dos princípios

É inegável que os princípios foram ganhando uma importância cada vez maior para os juristas da atualidade, quando perceberam ali dimensões nunca antes imaginadas.

Norberto Bobbio, no dizer de Bonavides (2000, p. 254), chegou a encontrar, nos princípios, várias dimensões, formando uma tetradimensionalidade, ou seja, teriam as funções: "interpretativa", "integrativa", "diretiva" e "limitativa". Porém, segundo o mesmo professor cearense, os princípios teriam não apenas quatro, mas, cinco funções: "fundamentadora", "interpretativa", "integrativa", "diretiva" e "limitativa".


4. DISTINÇÕES ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS:

São incontáveis as propostas de critérios para distinção entre essas duas espécies de normas. O professor Bonavides (2000, p. 248-250), afirmou que recorreu às lições de Robert Alexy. Este, por sua vez, conforme o ilustre professor cearense, considerava o traço da generalidade como o principal para a distinção, assegurando que os princípios possuem alto grau de generalidade relativa, enquanto que as regras são de baixo grau de generalidade. Elenca, ainda Bonavides (2000, p. 249), critérios sugeridos por vários autores, dizendo:

Os demais critérios distintivos aparecem a seguir enunciados: o da ‘determinabilidade dos casos de aplicação’ (Esser), o da origem, o da diferenciação entre normas ‘criadas’ (geschaffenen) e normas ‘medradas’ ou ‘crescidas’ (gewachsenen Normen), referido por Schuman e Eckhoff, o da explicitação do teor de valoração (Canaris), o da relação com a idéia de Direito (Larenz) ou com a lei suprema do Direito (Bezug zu einem obersten Rechtsgesetz), segundo H. J. Wolff, e, finalmente, o da importância que têm para a ordem jurídica (entre outros, Peczenik e Ziembinski).

Segundo Bonavides, Alexy teria encontrado três teses acerca da distinção entre regras e princípios. A primeira assegurava que nenhum dos critérios distintivos seria suficiente para, isolado dos demais, garantir o acerto da diferenciação; a segunda é a que admite a diferença entre regras e princípios com base no grau de generalidade; a terceira tese (única aceita como válida por Alexy) defende que a diferença entre regras e princípios se estabelece tanto em razão de grau, como de qualidade. É o critério gradualista-quantitativo.

CANOTILHO (2000, p. 1124-1125), apresenta diversos critérios para distinguir as regras dos princípios, inclusive, servindo-se, também, de idéias de outros conceituados juristas. Destacou:

  • O "grau de abstração", dizendo que os princípios apresentam elevado grau de abstração enquanto as regras tem reduzida abstração (reportou-se a Esser);

  • O "Grau de determinabilidade", assegurando que nos casos concretos os princípios, por serem vagos e indeterminados, necessitam de mediação, do legislador ou do juiz, para serem concretizados, enquanto que as regras podem ser aplicadas diretamente (reportou-se, outra vez, a Esser);

  • O "Carácter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito", de vez que ocupam o papel ou função de fundamento no ordenamento jurídico ou importância que detêm, com posição de supremacia na escala hierárquica (reportou-se a Guastini);

  • A ‘Proximidade’ "da idéia de direito", destacando que os princípios seriam ‘standards’ que (segundo Dworkin) estariam radicados nas exigências da ‘justiça’, ou (segundo Larenz), na ‘idéia de direito’, enquanto as regras poderiam apresentar conteúdo "meramente funcional";

  • A "Natureza normogenética", de vez que os princípios situam-se como fundamento para as regras.

Ainda para Canotilho é necessário que se esclareça duas questões fundamentais para uma boa distinção entre os dois tipos de normas, ou seja, "saber qual a função dos princípios" e saber se entre elas existe, além de uma diferença de graus, ainda uma diferença qualitativa.

Respondendo a tais questões, Canotilho (2000, p. 1125) assegurou que os princípios são qualitativamente distintos das regras, apontando diversos aspectos dessa distinção, dos quais podemos destacar:

  1. Uma regra é ou não é cumprida, um princípio possui vários graus de concretização, variando em razão de condicionalismos fáticos e jurídicos;

  2. Os princípios podem coexistir, apesar de serem antinômicos, as regras em conflito excluem-se. Aqueles permitem "balanceamento de valores e interesses", as regras exigem o tudo ou nada;

  3. Os princípios podem envolver problemas de validade e de peso, as regras só enfrentam questão de validade.

4.1. Conflito entre princípios

É possível que em um mesmo sistema jurídico constitucional tenhamos princípios que se encontrem em rota de colisão com outros. Esse entendimento de que o conflito entre princípios, por se situar na esfera do seu peso ou valor (e não no plano da sua validade) deve ser solucionado sem que se tenha de alijar um ou outro dos princípios em choque, mas, simplesmente, pelo reconhecimento de que diante daquele caso concreto um deles merece ser mais considerado (não significando que em outra situação não se possa entender de modo diverso) é dominante, na atualidade.

Bonavides (2000, p. 251-253), por exemplo, já esboçara semelhante entendimento e o fez seguindo de tal modo os ensinamentos de Alexy, que chegou a dizer, expressamente: "cujos conceitos estamos literalmente reproduzindo". Porém, o mestre cearense também se reportou a Dworkin e este apresenta solução igual.

É certo que os princípios constitucionais devem conviver de forma harmônica, no entanto, algumas vezes, quando aplicados simultaneamente, tornam-se antagônicos e de difícil compatibilidade.

Quando tal acontece, a única forma existente para compatibilizar o exercício simultâneo de dois princípios constitucionais é o sacrifício (provisório) de um em benefício do outro. Para adequar um princípio ao outro deverá haver o mínimo possível de restrição e, sempre, salvaguardando a essência dos direitos constitucionais envolvidos na questão sob pena da decisão tornar-se ilegítima.

Os princípios possuem uma dimensão que não é própria das regras jurídicas: a dimensão do peso ou importância. Assim, quando se entrecruzam vários princípios, quem há de resolver o conflito deve levar em conta o peso relativo de cada um deles.

As regras não possuem tal dimensão. Não podemos afirmar que uma delas, no interior do sistema normativo, é mais importante do que outra, de modo que, no caso de conflito entre ambas deva prevalecer uma em virtude do seu peso maior. Se duas regras entram em conflito, uma delas não é válida. Antinomia jurídica, pois é a situação que impõe a extirpação, do sistema, de uma das regras. Na hipótese de conflito entre as regras, diante de antinomia jurídica própria.

A decisão deverá, pois, revestir-se de elementos harmonizadores entre os dois princípios tencionados, evitando-se a simples eliminação de um dos direitos colidentes.

É faculdade do julgador formular, ele próprio, a solução mais adequada ao caso concreto, com a observância das normas específicas ao caso, aqui incluídos, logicamente, regras e princípios, e procurando manter a integridade dos direitos fundamentais conflitantes.

É oferecido ao aplicador, nesse mister, o princípio da proporcionalidade, capaz de indicar, em cada caso concreto, a solução mais adequada, porque é a mais suave e a mais vantajosa, oferecendo maior proteção com o menor sacrifício. Ou seja, em todo conflito prévio à aplicação do direito, deverão ser sopesados, proporcionalmente, os valores em jogo, em busca da solução que melhor recomponha os direitos lesados ou ameaçados.

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Sobre o autor
Martsung F.C.R. Alencar

mestre em Direito pela UFPB, professor de direito na graduação (Unipê e Iesp) e pós-gradução (Fesmip e UFCG), advogado em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCAR, Martsung F.C.R.. O sistema jurídico: normas, regras e princípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1110, 16 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8628. Acesso em: 19 dez. 2024.

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